A discussão em torno da
aprovação,
pela Câmara dos Deputados, do Marco Civil da Internet ficou por conta
das regras polêmicas que foram mantidas no texto. Entre as mais citadas
pelos advogados consultados pela
ConJur foram em relação a neutralidade de rede, responsabilidade civil dos usuários e localização de
data centers.
O
PL 2126/2011,
com 32 artigos, estabelece direitos e deveres para usuários e
provedores e foi aprovado nessa terça-feira (26/3) na Câmara. O projeto
segue agora para votação no Senado Federal. Mesmo após a aprovação,
alguns pontos aguardam regulamentação específica por meio de decretos,
como a própria neutralidade da Rede e os procedimentos para apuração das
infrações dos provedores de conexão.
O governo federal abriu mão da tentativa de obrigar que provedores tenham
data centers no
Brasil para armazenar dados de navegação em território nacional, com o
objetivo de facilitar o acesso a informações em casos específicos.
O advogado
Caio Lúcio Montano Brutton,
especializado em Direito das Relações de Consumo e sócio do Fragata e
Antunes Advogados, considera o projeto positivo, porque ratifica
garantias constitucionais, como a livre concorrência, a defesa do
consumidor e a proteção da privacidade. “Foi, enfim, suprimida a
esdrúxula e inócua ideia de manutenção de
data centers em solo brasileiro, para armazenamento de dados”, diz.
Nesse caso, segundo
Fábio Pereira, sócio
do
Veirano Advogados, o intuito do artigo 25, inciso VII, era o de
permitir ao governo o rápido acesso aos dados de navegação dos
infratores, que ainda devem ser armazenados. No entanto, “a dificuldade
técnica da instalação dessa infraestrutura no Brasil, bem como
reclamações de alguns setores, levaram o Plenário a reconsiderar tal
medida, de modo que as empresas não precisarão fazer altos investimentos
na criação de tal infraestrutura, desde que dados estejam acessíveis se
requeridos judicialmente”, afirmou.
Em relação a neutralidade da
rede, a Câmara determinou que os usuários sejam tratados da mesma forma
pelas empresas que gerenciam conteúdo e pelas que vendem o acesso à
internet. O relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), mudou
trecho que concede à Presidência da República o poder de regulamentar
exceções à neutralidade da rede por decreto. Essa possibilidade ficou
restrita a exceções citadas expressamente na lei: serviços de emergência
e por razões técnicas, com submissão à Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) e ao Comitê Gestor da Internet.
Sobre a
responsabilidade dos provedores pelos conteúdos publicados, outra
polêmica do texto, o substitutivo manteve o entendimento de que eles só
serão considerados responsáveis por ofensas na rede caso descumpram
ordem judicial mandando retirar o conteúdo. A exceção fica para imagens e
vídeos com cenas de nudez ou sexo. Nesse caso, as empresas serão
responsabilizadas subsidiariamente por conteúdo veiculado por terceiros
se ignorarem notificação apresentada por um participante da cena em
questão ou por seu representante legal.
Segundo Fábio Pereira, até
hoje, a apuração de atos ofensivos e a atribuição de responsabilidade
pelos danos causados na internet vem sendo discutida caso a caso, de
modo que a lei oferece pouca segurança com relação aos limites da
responsabilidade de cada um dos provedores de serviços, entre eles
provedores de acesso, provedores de conteúdo ou de aplicações.
Dessa
forma, de acordo com o advogado, as empresas que atuam no meio digital
estarão amparadas por maior segurança jurídica já que os artigos 19 a 21
da versão aprovada o projeto preveem que não se iniba a liberdade de
expressão, mas explicitam quais as consequências para a violação de
direitos por terceiros — o provedor de acesso ou de conteúdo deverá ser
notificado judicialmente para a retirada do conteúdo ofensivo, sob pena
de responsabilização, sem prejuízo à extensão da aplicação de sanção ao
terceiro causador do dano.
A advogada
Tânia Aoki Carneiro, do
Marinangelo & Aoki Advogados, defende a revisão da questão sobre
responsabilidade dos provedores pelos danos decorrentes de conteúdo
gerado por terceiros. O texto estabelece que o provedor somente será
responsável se, após ordem judicial, não tomar as providências para
tornar indisponível o conteúdo ofensivo.
“Ao invés de conduzir a
questão para o Poder Judiciário, deveria ser incorporado o entendimento
no sentido de que, ao ser comunicado da existência de texto ou mensagem
ofensiva, o provedor deve retirar o material do ar imediatamente, sob
pena de responder solidariamente com o autor direto do dano.” De acordo
com a advogada, esse entendimento da matéria preservaria os direitos do
ofendido, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, “devendo
serem sopesados os casos em que houver dúvida a respeito da ilicitude
do conteúdo”, afirma.
Segundo o advogado
Marcelo Tostes,
sócio fundador do escritório Marcelo Tostes Advogados, a regulação
genérica de pontos como a responsabilização solidária de provedores por
conteúdo publicado por usuários e terceiros, o arquivamento de
informação privada e a obrigação de guarda de dados em aplicativos, gera
insegurança jurídica e aumenta os custos para todas as empresas
atuantes no setor, “inclusive as estrangeiras, que terão que adaptar
seus serviços exclusivamente para atender a uma legislação que ainda não
estabelece de forma clara como os seus objetivos básicos, elencados no
artigo 2º, devem ser atendidos”. O especialista considera, assim, que o
Senado deve recepcionar o projeto “com cautela, para melhor aparar as
arestas e lacunas que ainda permanecem, de forma a proteger direitos de
todos os envolvidos – dos usuários aos provedores”.
O advogado
Omar Kaminski citou
também o artigo 15 que determina a necessidade do provedor de serviços
de aplicativos guardar registros dos usuários por seis meses, e os
provedores de conexão por um ano. Porém é vedado ao provedor de
conexão a guarda de registro de acesso a aplicativos.
Segundo ele,
essa exigência é necessária para a identificação de ilícitos
cibernéticos por exemplo, mas em vários casos servirá para identificar
coisas, e não efetivamente pessoas. “É um projeto ainda anacrônico no
quesito privacidade, porque de um lado a defende e reforça, e de outro
oferece potenciais vias de desrespeito ou violação a intimidade por essa
via do "grampo", do quem fez o que, e quando", disse.
Em nota, o
Google
disse que sempre apoiou o Marco Civil da Internet, “resultado de um
rico debate que levou a um projeto de lei moderno, composto de
princípios reconhecidos globalmente.” Segundo a empresa, o resultado
poderá se consolidar como um “sólido arcabouço para fomentar uma
Internet livre e equilibrada, terreno fértil para inovação e liberdade
de expressão, que contempla adequadamente todos os participantes do
ecossistema online, assegura a proteção da rede, fomenta a inovação
online e protege os direitos dos usuários”, afirmou.
O presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP),
José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro,
afirmou que uma lei como esta deve evitar o conflito com a Constituição
Federal, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Ele lembra
que muitos pontos destacados nos eixos constantes no site criado pelo
Ministério da Justiça, como, por exemplo, a inviolabilidade do sigilo da
correspondência e comunicações, já têm proteção, inclusive
constitucional. “No que tange ao direito ao anonimato, o artigo 5º,
inciso IV da Constituição Federal, é explícito ao estabelecer que ‘é
livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato’”, observa.
*Notícia alterada às 9h50 do dia 27 de março de 2014 para correção de informações.