A
americana Cargill e a brasileira Copersucar provavelmente não terão mais
que se preocupar com a acirrada disputa que travam pela liderança nas
exportações mundiais de açúcar.
Na manhã de
ontem, ambas anunciaram que chegaram a um acordo para criar uma trading
que unirá suas atividades de comercialização do produto bruto e
refinado.
Para sair
definitivamente do papel, a joint venture, que vinha sendo negociada há
pouco mais de um ano, depende da aprovação de autoridades antitruste no
Brasil e no exterior. A expectativa das parceiras é que esses avais
saiam no segundo semestre de 2014. Até lá, a concorrência entre elas – e
delas com outras tradings que têm avançado nesse comércio nos últimos
anos – terá de continuar forte como está.
Porta-vozes
globais do negócio, Luiz Pretti, presidente da Cargill no Brasil, e Luís
Roberto Pogetti, presidente do conselho de administração da Copersucar,
concederam na manhã de ontem ao Valor PRO, serviço de informações em
tempo real do Valor, sua única entrevista sobre o acordo após a
divulgação de um comunicado ao mercado.
Detalhes
como o volume que a nova empresa comercializará serão mantidos em sigilo
até a aprovação das autoridades regulatórias. O Valor apurou no
mercado, porém, que sua fatia nos embarques mundiais ficará em 25%. Se
os volumes envolvidos fossem apenas de açúcar bruto – o produto refinado
é mais caro -, o movimento total seria equivalente a US$ 5,6 bilhões
por ano, a preços de ontem na bolsa Nova York..
Pretti foi
conselheiro da Copersucar entre 2001 e 2005, período em que Pogetti
ocupava o cargo de diretor financeiro da empresa. Apesar dos claros
sinais de cansaço após a maratona noturna que antecedeu o anúncio, a boa
relação pessoal entre ambos ficou evidente durante a entrevista, num
sinal que, esperam, sirva de exemplo para a futura integração das
equipes.
Cada
parceira terá 50% na nova trading, que não venderá açúcar no mercado
doméstico brasileiro nem trabalhará com etanol ou qualquer outro
produto. O escritório central das operações de comercialização será em
Genebra, na Suíça, enquanto o QG das atividades de originação do açúcar
que será negociado será no Brasil. Os aportes para estruturar a operação
conjunta não foram revelados, mas, segundo Pogetti, a joint venture
será “leve em ativos” – até porque as respectivas estruturas logísticas
envolvidas permanecerão sob controle de cada uma das sócias.
Regis Filho/Valor / Regis Filho/ValorPretti, da Cargill: “gerenciamento de risco vai melhorar”
“Olhamos para o mundo e vimos nossas
complementaridades. Haverá benefícios tanto na originação quanto na
venda”, afirmou Pogetti. Atualmente, a Copersucar origina – ou seja,
compra das usinas produtoras – o açúcar que exporta basicamente no
Brasil, embora tenha inaugurado há pouco mais de um ano uma filial em
Hong Kong, de onde recentemente acertou sua primeira originação na
Austrália.
A Cargill,
disse Pretti, faz originações a partir de dez escritórios espalhados na
América Central e em países como Índia, Tailândia, na própria Austrália e
também no Brasil, mas em escala menor. “Teremos mais capacidade, uma
variedade maior de produto de qualidade e mais flexibilidade. Além
disso, ganharemos muito em gerenciamento de risco”, disse Pretti. “Será
um serviço que prestaremos aos nossos clientes, que terão um conjunto de
informações mais completo e mais robusto”.
Com vendas
totais de US$ 136,7 bilhões no exercício 2013, a Cargill, maior empresa
de agronegócios do mundo, exportou cerca de 7 milhões de toneladas de
açúcar na safra 2013/14, conforme estimativas de mercado. Já a
Copersucar, maior trading sucroalcooleira do planeta, cuja receita
líquida deverá alcançar o patamar de R$ 25 bilhões em 2013/14,
movimentou 6,8 milhões de toneladas do produto no mercado internacional
na temporada.
Para
analistas, esses resultados significaram a retomada da liderança da
Cargill nas exportações de açúcar, já que estimativas apontam que no
ciclo 2012/13 a Copersucar quebrou uma hegemonia de décadas da companhia
americana e liderou os negócios. Até hoje a Cargill questiona os
cálculos que circularam no mercado que a tiraram da liderança.
Em outros
tempos, talvez a Copersucar fizesse questão de lembrar que seus
embarques em 2013/14 foram afetados por um grande incêndio, em outubro
do ano passado, que comprometeu parte das instalações de seu principal
terminal de exportação de açúcar refinado no porto de Santos. Não é mais
o caso. A ordem agora é capturar sinergias para garantir os maiores
ganhos possíveis numa atividade cujas margens não costumam superar 2% ou
3%.
Daí porque
as agora parcerias têm se movimentado tanto nesse segmento nos últimos
anos. Sobretudo a Copersucar, que quintuplicou de tamanho desde 2007/08,
quando seu faturamento foi de R$ 4,8 bilhões. A marca de R$ 10 bilhões
foi alcançada no ciclo 2010/11, e a escalada prosseguiu com a entrada de
novas usinas sócias (atualmente são 47) e mais clientes independentes,
de olho nas vantagens logísticas oferecidas pela trading. A Copersucar
tem, sozinha, capacidade para embarcar até 10 milhões de toneladas de
açúcar no porto de Santos.
Mas o grande
salto foi mesmo de 2012/13 para 2013/14, depois da aquisição do
controle da trading americana de etanol Ecoenergy, no fim de 2012, que
transformou a empresa brasileira na maior trading global também de
etanol e agregou R$ 10 bilhões a sua receita.
Luis Ushirobira/Valor / Luis Ushirobira/ValorPogetti, da Copersucar: olho nas “complementaridades”
Dadas as apertadas margens das operações de
comercialização, outros acordos do gênero envolvendo açúcar poderão ser
alinhavados. O Valor apurou que a Raízen (controlada por Cosan e
Shell), maior produtora de açúcar do mundo, estuda criar uma trading
para negociar os volumes que produz e de terceiros diretamente com os
clientes finais.
Fontes do
segmento dizem que a companhia, que produz mais de 4,5 milhões de
toneladas de açúcar por ano, é frequentemente assediada por tradings
interessadas em uma associação. Hoje, a Raízen exporta a maior parte de
sua produção de forma pulverizada, por diferentes tradings. Se ainda não
escolheu um formato para uma eventual parceria nessa frente, a Raízen,
agora, tende a acelerar a definição. No etanol, a empresa já conta com
estrutura de comercialização de volumes próprios e de terceiros.
Procurada, a companhia não comenta.
O fato é que
a união entre as duas maiores tradings de açúcar do mundo vai jogar
mais combustível em uma concorrência que já está quente. E se hoje o
foco está na comercialização, no passado recente esteve na produção. Não
por outro motivo o Brasil assistiu, a partir de 2006, a uma onda de
aquisições de usinas por parte de grandes grupos. Eles estavam de olho
sobretudo no etanol, mas também na gorda oferta de açúcar do país, que
abastece metade das exportações globais.
Além da
própria Cargill, surfaram nessa onda as americanas Bunge, ADM e Cargill,
a francesa Louis Dreyfus e as asiáticas Noble e Glencore. Mais
recentemente, a trading Wilmar, com sede em Cingapura, também se
posicionou em produção de açúcar no Marrocos, na Argélia e na Austrália,
onde comprou nada mais nada menos do que 60% das usinas.
Indiretamente,
a Wilmar entrou também no Brasil ao adquirir uma fatia de 27,5% (e o
controle compartilhado) da indiana Shree Renuka Sugars, que havia
comprado quatro usinas no Brasil com produção conjunta de 800 mil
toneladas de açúcar. Para as tradings, a presença na originação no
Brasil significa ter volumes estáveis e de qualidade, já que o produto
do país é o mais aceito nas refinarias do Oriente Médio e vem sendo
altamente demandado na Ásia.
Fonte: Portos e Navios