Detlef Dralle, CEO da HTB, está animado com a
exaustão de um modelo de obras públicas de baixo profissionalismo
Por Eugênio Esber
eugenioesber@amanha.com.br
Quando se
diz que o Brasil não é para principiantes, a carapuça passa longe do alemão
Detlef Dralle (foto). Ele tem 20 anos de Brasil, e a empresa que ele preside, a
HTB, opera no país há meio século. Se você tivesse de citar grandes
empreiteiras do Brasil, talvez não mencionasse HTB, ou Hochtief, sua
denominação anterior. O que parecia ser uma desvantagem pode se constituir,
nestes tempos pós-Lava Jato, em um grande trunfo. Na visão de Dralle, a HTB,
que no Brasil emprega 3 mil funcionários e mais de 300 engenheiros, pode
expandir bastante seu faturamento de R$ 1,1 bilhão nas brechas deixadas pelos
grandes e desgastados players de engenharia e construção.
O que a
HTB aprendeu sobre o Brasil depois de 50 anos atuando aqui?
Quando a Hochtief Brasil foi fundada, em 1966, a Hochtief mundial já tinha
quase 100 anos, e quase 70 anos de experiência no exterior. Assim que chegou ao
Brasil, mirou em infraestrutura. Mas, na época, já se percebia muito claramente
como as coisas funcionam no Brasil. A proximidade questionável com os governos
era algo estranho à empresa, sempre muito transparente e sustentável. Já se
percebia que o mercado de infraestrutura para um grupo internacional como o
Hochtief estaria fechado. Mas o Brasil é ponto principal de negócios alemães
fora da Alemanha, e havia um mercado muito farto nos anos 1960, com grande
crescimento e oportunidades. A primeira obra de infraestrutura da Hochtief no
Brasil foi na Volkswagen. Depois, na Mercedez-Benz, e então tivemos um ciclo de
siderurgia e depois de alumínio, com a Alcoa.
Fornecer
para outras empresas, e não para governos, era uma opção ou casualidade?
O DNA da Hochtief Brasil, a HTB, foi o mercado privado no país, em função do
sistema de concessão de obras civis. Mas isso significava que a operação no
Brasil sempre seria muito pequena dentro do portfólio mundial da Hochtief.
Então, mesmo em tempos de auge, nunca chegávamos a representar mais de 15%
do faturamento global da Hochtief, porque 70% do mercado brasileiro era
infraestrutura, portanto ligado ao governo. E não trabalhávamos com
governo.
Esse
cenário se alterou?
A Hochtief mundial cada vez mais se expôs ao mercado financeiro. Por volta de
2008, mais de 90% da propriedade do grupo mundial estava pulverizada no mercado
de ações, que começou a questionar essa estratégia. O raciocínio foi o de que
estar no Brasil e fazer R$ 1 bilhão em negócios não valia a pena, era uma
participação muito pequena no contexto do grupo e do país. Então, 80% do grupo
Hochtief Brasil foi vendido para outro grupo alemão, o Zech, também centenário
e com DNA na construção civil, igualmente focado no mercado privado. Na época
da negociação, ficou definido que em 2016 mudaríamos o nome, porque a Hochtief
do Brasil completaria 50 anos. Acabamos adotando o apelido que os próprios
clientes e fornecedores usavam, que sempre foi HTB, abreviação de Hochtief
Brasil. Hochtief era HT, B do Brasil. E na Argentina, HTA. Já são sete
anos desde a venda para o grupo Zech, e nesse período o mercado brasileiro de
concessões mudou.
Mudou em
que direção?
Ele está se transformando, até em função dos escândalos que acompanhamos pela
imprensa. O que temos hoje é um Estado praticamente falido, sem condições de
fazer obras em nenhuma esfera – federal, estadual ou municipal. As construtoras
que faziam essas obras estão desacreditadas, algumas com sérios problemas
financeiros em função da perda de credibilidade. E o governo precisa se fazer
valer da iniciativa privada.
Quem fica
de pé, entre as empresas de construção e engenharia, após os escândalos
apurados pela Lava Jato e por outras operações?
São as que sempre trabalharam com o setor privado, como nós. Não precisamos
fazer nenhum esforço de aculturamento para entrar em obras e privatizar
estruturas. Para nós, é muito natural. Para os investidores, também será
natural procurar empresas idôneas, com balanços fortes e tradição forte no
mercado de clientes privados. Porque, no mercado privado, além da questão de
transparência e de lisura, você tem de trabalhar com lápis afiado,
diferentemente de obras públicas. A competitividade que você vai precisar
agora, nesta fase de infraestrutura privatizada, virá das empresas que
estão especializadas em trabalhar com o mercado privado.
Nessa
retomada do crescimento pela infraestrutura via capital privado, vocês pensam
em participar de consórcios que tenham um braço financeiro?
Exatamente. Nós estamos pensando em executar as obras. O nosso negócio não é
captar concessões, como concessionários. Não queremos esse conflito de
interesses. Poderíamos participar da concessão com o aporte de capital, se
fosse o desejável. Mas não é o nosso alvo. O nosso alvo é a prestação dos
serviços de engenharia e construção. Queremos fazer os bens e equipamentos,
produzi-los – e não operar as concessões.
Até que
ponto a reputação será um ativo importante nesse mercado, após a Lava Jato?
Para entrar nesse mercado, os programas de integridade passaram a ganhar um
grande peso. Nós temos esses programas há 15 anos. Nem se falava disso na
época, mas para nós era algo natural, óbvio. Hoje, você tem todas essas
palavras em inglês, compliance, etc. Isso não é nada mais que cumprir as
normas, cumprir as leis. Todo mundo hoje enxerga compliance como a não
corrupção. Mas não é só isso. É a questão ética, de cumprir normas, de cumprir
prazos, de cumprir verbas e orçamentos. Compliance vai muito além de não
corrupção. Implica a performance total do contrato: cumprir prazos,
cumprir budget, cumprir validade, cumprir segurança, cumprir normas de
meio ambiente, etc. Infelizmente compliance hoje virou modismo em função
dos malfeitos.
Qual o
potencial de crescimento na região Sul, onde a HTB se reforçou com a compra do
controle da Construtora Tedesco?
O potencial do mercado do Sul é enorme. A região representa 10% do que
faturamos no país, e os negócios entram principalmente via construtora Tedesco,
da qual temos 92% desde 2012. Eu prefiro que a fatia do Sul fique em 10%, e que
o total do país cresça. Que os negócios que temos no Brasil e no Sul dobrem.
Temos obras também no Centro-Oeste e no Nordeste, mas a região de maior peso
para nós segue sendo o Sudeste.
Os planos
de crescimento não podem ser comprometidos diante do tamanho da crise
brasileira?
Uma empresa que tem uns 60 ou 70 anos, como a HTB e a Tedesco, até pode
olhar os próximos dois anos e achar que não serão muito bons, mas nossa
tendência é olhar os próximos dez anos, 15 anos. Nós temos mais de 300
engenheiros, e ao longo desses 50 anos executamos mais de 500 projetos no
Brasil. Temos um balanço fortíssimo, estamos muito capitalizados.
Trabalhamos praticamente em todos os segmentos privados que existem no mercado
de engenharia e construção. Claro, agora precisamos ganhar fôlego técnico em
obras que estavam reservadas para a iniciativa pública. Mas isso são
conhecimentos técnicos que você traz para dentro da empresa. O importante é o
conhecimento de gestão. Você pode trazer uma expertise em pontes para dentro da
empresa. Agora, construir uma ponte requer gestão. E gestão nós temos em
abundância após 500 projetos no Brasil.
Sem
corrupção, o cálculo de custo ficará livre da variável política e tenderá a
ficar menos oneroso para o cliente, não?
Os bens públicos vão ter um preço muito mais em conta do que pagamos no
passado. Esses bens eram caros, e também muito malfeitos. Você sabia sempre
quando a obra começava e nunca quando terminava. Havia um grande custo social,
não só pela obra em si, mas pelo atraso das obras e por seus reflexos no nosso
trânsito, na insegurança de você andar na cidade, com obras inacabadas,
intermináveis. O mercado privado não tem esse tempo todo para esperar. Para o
cliente privado, você tem de construir uma obra rápida, com exatidão, precisão
e qualidade. E o bem tem de durar com boa qualidade por muito tempo para
cumprir a viabilidade do investimento. Em países muito modernos, como Nova
Zelândia, Austrália, Inglaterra, os bens públicos são todos baseados nesses
modelos. Não há praticamente nada de significativo que seja feito diretamente
pelo governo. E funciona.
Por ser
uma das piores do mundo, a infraestrutura brasileira pode ser vista como a
melhor oportunidade de negócios do mundo?
Sempre digo aos nossos acionistas lá fora: para quem gosta de engenharia e
construção civil, e gosta de fazer coisas bem feitas, o Brasil é o lugar certo
para estar neste momento. O Brasil para as construtoras, oferece um ótimo
futuro. Estou extremamente animado. Neste momento, evidentemente, dói para quem
está sofrendo a crise. Milhões de brasileiros, milhões de famílias estão
sofrendo os malfeitos da política, da crise econômica. A situação é dramática,
fruto de uma imensa irresponsabilidade. Nós somos muito pequenos para resolver
isso. Mas temos de fazer a nossa parte, a nossa lição de casa, deixar nossas
empresas preparadas. Estamos, nessa crise, investindo muito dinheiro em
sistemas internos, de produtividade, de logística. Em torno de 5% do nosso
lucro é reinvestido na reorganização da empresa. Não distribuímos lucros,
mantemos os recursos dentro da empresa, como uma blindagem para períodos de
crises. O país vai retomar o crescimento em 2018, 2019, e estaremos prontos
para acompanhar. Sinceramente, vejo as nossas empresas com um futuro muito
próspero.
Mesmo que
a recuperação demore a acontecer?
Para se ter uma ideia, poderíamos ficar cinco anos sem nenhuma obra. Claro,
este é um cenário inexistente: cinco anos sem obras é impossível. Mas estaremos
preparados, se acontecer. Os piores cenários são ótimos. São os melhores
cenários para quem está preparado. São muito desagradáveis, não são gostosos,
são sempre melhores quando passam. Mas eles, em si, tirando essa parte da dor,
são cenários de purificação. São cenários de verdade, onde você vai testar
tudo. E quem faz seu trabalho de casa, sai bem, ou sai ileso da crise. Quem não
faz, fica para trás. Essa purificação é boa para o mercado, pois elimina os
competidores que não fizeram a lição de casa, que distribuíram a riqueza, que
não se blindaram. A crise precisa existir para que as filosofias da sustentação
de longo prazo mantenham a validade. Porque, se os aventureiros fossem o
sistema certo, o nosso mundo seria mais bagunçado do que já é.
O Brasil
representa hoje quanto no faturamento do grupo?
Em torno de 20% a 30%. Na América Latina, temos só o Brasil hoje. A Hochtief do
Brasil operou por alguns anos na Argentina, mas se retirou em 2012, com a
grande crise de lá. Mas estamos pensando em voltar para os países vizinhos.
Estamos analisando uma série de países do Cone Sul, do Mercosul, Paraguai,
Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Colômbia. Acredito que nos próximos 12 meses
vamos dar alguns passos.
Por qual
razão você veio para o Brasil?
Eu nasci na Alemanha, no pós-guerra, e me formei em Engenharia de Produção e
Administração de Empresas em Hamburgo. É uma tradição da cidade a gente pegar
um barco e ir para o mundo. Só que eu peguei o avião e escolhi o Brasil. Eu
tinha alguma referência de amigos que já tinham viajado para o Brasil. Mas
havia uma combinação que achei muito interessante. Primeiro, em 1995, quando
saí da Alemanha, o Brasil estava no início do Plano Real, passando por uma
transição forte. Eu esperava uma ruptura positiva no Brasil. E segundo, o
Brasil é uma base muito forte para os alemães. Como alemão, ajudaria nessa
transição, embora ainda jovem, com 27 anos, imaginava que somaria alguma coisa.
Então, peguei a mala e fui para o Brasil, sem emprego. Minha mãe não gostou
nada, achava uma loucura. Meu pai achou que era maravilhoso. Dentro de um mês,
arrumei emprego na AEG, em São Paulo, tradicional empresa alemã. Fiquei dois
anos, até a fusão com a francesa Austin. Então, tive a oportunidade de entrar
na Hochtief Brasil como coordenador de planejamento. A partir de 1997, a
Alemanha começou a se interessar mais pelo Brasil, e precisava de alguém que
intermediasse melhor essas relações. Estava com 29 anos. Hoje tenho 49, e estou
aqui. Minha carreira é praticamente toda brasileira. Quando alguém me pergunta
se eu tenho experiência no exterior, eu digo: “Sim, tenho, na Alemanha”.
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