Em
entrevista ao NeoFeed, Sidney Klajner afirma que, no fim do ano
passado, boa parte da população começou a viver como se a pandemia não
existisse mais, revela que a ocupação dos leitos do hospital está no
limite e reflete sobre o que levou o País a chegar a essa situação
Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein
No ano passado, a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, em São Paulo, se preparou para uma guerra
para enfrentar a pandemia do coronavírus. Em março logo que a covid-19
“desembarcou no País”, o hospital contratou 1,7 mil profissionais de
saúde temporários.
Além disso, transformou quase 300 leitos em unidades de terapia
semi-intensiva e de terapia intensiva. A expectativa para os altos
índices de contaminação era tão grande que a instituição chegou a montar
um hospital de campanha no estacionamento da sede, localizada no bairro
do Morumbi.
No fim das contas, em 2020, o fluxo foi grande, porém, não chegou ao
que se esperava. Mas, por incrível que pareça, ele chegou em 2021. “Em
janeiro batemos o recorde de leitos ocupados, que foi 155 e esse recorde
já foi batido três vezes. Hoje estamos no máximo que já tivemos com 164
leitos ocupados por covid”, diz ao Sidney Klajner, presidente do
Hospital Albert Einstein, ao NeoFeed.
Atualmente, por conta da covid-19 e também devido ao aumento das
cirurgias eletivas que estavam reprimidas, a ocupação do hospital chegou
a 99%. “Está muito além do limite. O jeito de a gente navegar bem,
tendo um pulmão de funcionamento de gestão, varia entre 90% e 92%. O
ideal, com os gestores mantendo tudo bem, seria 90% de ocupação.”
Na entrevista exclusiva ao NeoFeed, Klajner fala
sobre o que mudou com essa segunda onda mais forte, o aumento do nível
de transmissão causado pela nova cepa de covid-19, a preocupação com o
aumento no número de casos e também reflete sobre a mudança de
comportamento da população no fim do ano passado, quando as pessoas
começaram a relaxar.
Klajner, que também comentou a nova fase vermelha imposta no estado
de São Paulo, não deixou de dar o seu recado aos governantes. “Há a
falta de uma liderança única, em que a população confie de maneira
adequada. Como muitas lideranças estão falando de maneira diferente,
você acaba escolhendo aquilo que melhor lhe aprouver para seguir”,
disse. Acompanhe:
No ano passado, o Einstein estava se preparando para uma
guerra. Naquela época não aconteceu o que se imaginava. O caos chegou
agora?
Na verdade, o caos está presente de novo, de uma maneira muito mais real
do que foi na primeira onda. Mas também com uma expertise de quem lida
com isso um pouco melhor, no sentido de saber quem deve estar internado e
em que momento isso tem de acontecer. Temos um pouco de domínio,
principalmente, sabendo aquilo que não funciona, que está documentado e
demonstrado apesar de algumas lideranças insistirem em tratamento
precoce.
O que funciona?
A única salvação nossa de tratamento é vacina.
O hospital está mais cheio?
Há uma demanda reprimida das doenças que não são a Covid, pacientes
procurando o hospital de forma mais intensa. Principalmente as doenças
de alta complexidade. Portanto, a demanda reprimida e a falta do
controle das doenças que aconteceram durante o ano passado estão fazendo
com que a ocupação do que não é covid-19 seja muito alta.
“O caos está presente de novo, de uma maneira muito mais real do que foi na primeira onda”
Quais doenças?
Oncológicas que faltaram controle, doenças cardiológicas. No meu caso,
que sou cirurgião do aparelho digestivo, tenho operado com atraso
procedimentos eletivos que estavam agendados e foram cancelados no ano
passado. Tudo isso demanda o sistema de saúde em um momento em que a
covid está demandando o sistema de saúde. Vou te dar um exemplo, de
quinta-feira para sexta-feira da semana passada, tivemos 70 admissões do
pronto-socorro para internação. Destas, 26 eram covid. Ou seja, um
terço era covid e dois terços não eram.
Mas aumentou muito a covid em relação ao que estava?
Sim, aumentou. No ano passado, tivemos um pico, em maio, de 138 leitos
ocupados por covid. Em agosto tivemos uma estabilidade de mais ou menos
50 leitos ocupados por covid, o que durou quatro meses. Em novembro,
começou a subir. Em janeiro batemos o recorde de leitos ocupados, que
foi 155 e esse recorde já foi batido três vezes. Hoje estamos no máximo
que já tivemos com 164 leitos ocupados por covid. E, deste total, 74
pacientes estão ou na UTI ou na semi-intensiva.
Já chegou no limite? Está faltando UTI?
O preparo que o Einstein teve, desde janeiro do ano passado, esperando
uma situação catastrófica com as notícias que vinham da Itália e
Espanha, fez com que o time estivesse pronto. Através de inovações e
infraestrutura, como portas que isolam o ambiente, temos capacidade de
transformar uma ala normal e uma ala exclusiva de covid-19 muito rápido.
Dos 610 leitos do hospital, temos capacidade de transformar 300 em UTI.
Mas, hoje, qual é a taxa de ocupação do hospital?
Hoje, a taxa de ocupação está em 99%. Está muito além do limite. O jeito
de a gente navegar bem, tendo um pulmão de funcionamento de gestão,
varia entre 90% e 92%. O ideal, com os gestores mantendo tudo bem, seria
90% de ocupação. A ocupação é máxima e, graças a nossa expertise, não
temos deixado ninguém sem leito.
“A única salvação nossa de tratamento é vacina”
Essa situação preocupa?
Preocupa muito. Pode chegar num ponto de ter de suspender atendimentos
eletivos. Por enquanto, não estamos avaliando isso. O que estamos
fazendo é descentralizar procedimentos de baixa complexidade para outras
unidades nossas externas, estamos sensibilizando o corpo clínico
autônomo para dar alta mais cedo, de horário. Disponibilizamos uma
equipe de médicos que é contratada para oferecer a oportunidade de eles
darem alta para o paciente sem a necessidade de esperar o titular
chegar. Orientamos também que as cirurgias eletivas não fiquem
concentradas numa sexta-feira e se distribua durante toda a semana.
O que mudou no perfil da doença, do ano passado para cá?
Em ciência, não podemos afirmar com certeza aquilo que a gente observa,
você precisa de dados comparativos para poder falar. Mas o que tem
comprovação de trabalhos mais controlados é que a transmissibilidade
dessa nova cepa é muito maior. Agora, não dá para afirmar que letalidade
é maior e nem que acomete pessoas mais jovens. Na verdade, quem está se
aglomerando e fazendo festa são os jovens. Estatisticamente, você vai
ver mais jovens internados.
Você disse que o nível de transmissibilidade aumentou. Quanto?
Três ou quatro vezes mais. No início da pandemia, uma pessoa contaminava três outras, agora uma contamina dez.
O que você diria para as pessoas que estão na rua sem se cuidar?
Não é nem dizer, é suplicar. O brasileiro, de uma hora para outra, no
fim do segundo semestre do ano passado, desencanou da pandemia como se
ela não existisse mais. Passaram a ignorar e ter uma convivência normal a
ponto de marcar reuniões e festividades. É uma doença de transmissão
aérea.
“No início da pandemia, uma pessoa contaminava três outras, agora uma contamina dez”
Na sua opinião, por que as pessoas desencanaram?
Parte da nossa cultura brasileira, da cultura latina, é de encontrar
pessoas. Existe essa parte cultural e também o cansaço de estar
confinado, de não encontrar pessoas, de não celebrar. Principalmente as
pessoas mais jovens, mas eles são veículos e trazem infecção para
aqueles que têm alto risco e estão em casa.
Qual é a solução para diminuir essa curva de contaminação?
Existem duas medidas que podem frear o que está acontecendo agora. Uma
delas é o uso constante de equipamento de proteção e a outra é o
distanciamento que pode ser imposto ou adotado como um modelo de vida.
Como modelo de vida, vimos que não funcionou, as pessoas não adotaram isso…
Há a falta de uma liderança única, em que a população confie de maneira
adequada. Como muitas lideranças estão falando de maneira diferente,
você acaba escolhendo aquilo que melhor lhe aprouver para seguir. Então,
se não tem uma liderança para ditar o modelo de comportamento, você tem
de impor uma restrição como foi imposta agora no Estado de São Paulo
para a fase vermelha.
“Se não tem uma liderança para ditar o modelo de
comportamento, você tem de impor uma restrição como foi imposta agora no
Estado de São Paulo para a fase vermelha”
Fará diferença?
Essa imposição vai fazer diferença para frear a contaminação, o Brasil
está acima de 80% de ocupação de leitos. Outra medida é a adoção da
máscara, tem um impacto brutal. Usar a máscara, evitar festas, eventos.
As torcidas receberam os times campeões da Libertadores e do Brasileiro
como se não tivesse pandemia. Isso é fruto de uma liderança dúbia ou
tripla onde cada um coloca aquilo que é mais importante. O que é mais
recomendado hoje é máscara, higienização e distanciamento e lockdown. A Europa está mostrando isso.
As classes mais abastadas também relaxaram bastante. O pessoal não se ligou?
Não é que não se ligou, às vezes não vê com tanta importância porque
sabem que têm por trás uma instituição para cuidar. Tem o cansaço, a
falta do entendimento, a colocação da manutenção da economia como algo
prioritário, não antevendo que essa é uma crise de saúde e, se
morrermos, não teremos economia.
Se as pessoas tinham essa segurança de contar com o
atendimento de uma instituição, no cenário atual, com a iminência de
hospitais privados estarem 100% ocupados, essas pessoas tomarão mais
consciência de que pode faltar atendimento?
Acho que sim. O que aconteceu no Rio Grande do Sul, de atingir 100%, de
hospitais de altíssima qualidade fecharem suas portas para pacientes que
chegam de ambulância, talvez seja um alerta. Isso pode acontecer aqui
do lado.
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