Em entrevista ao NeoFeed, Leonel Andrade, CEO da operadora de turismo CVC , defende a adesão da população a um lockdown rigoroso de duas a três semanas, fala que o setor de turismo já sente os efeitos dessa segunda onda e diz que a única solução definitiva é a vacinação
Leonel Andrade, CEO da CVC (foto: Rafael Arbex/Estadão Conteúdo)
Poucos setores da economia são tão afetados pela pandemia do novo coronavírus como o de turismo. Ao contrário do varejo, que acelerou a digitalização para vender mesmo com as lojas fechadas, uma viagem não realizada nunca mais é recuperada.
Mas, a despeito desse cenário, a recuperação vinha acontecendo. Em dezembro, as vendas chegaram a 50% do ano anterior. Com o recrudescimento da pandemia no Brasil, que tem uma média de mais de mil mortes por dia há mais de 30 dias, as vendas voltaram a recuar.
“Estima-se que o setor vinha em uma recuperação da ordem de 50% sobre o ano anterior e recuou, nos últimos dias, para cerca de 30% a 35%”, diz Leonel Andrade, CEO da operadora de turismo CVC, em entrevista ao NeoFeed. “Agora, com essas medidas mais restritivas nessa semana e daqui para frente, é óbvio que vai reduzir ainda mais.”
Mas não pense que Andrade seja contra as medidas restritivas de circulação, como um lockdown rigoroso. Ao contrário. Nesta entrevista, ele defende o fechamento da economia por duas a três semanas, citando como exemplos países que tomaram essa atitude e obtiveram bons resultados, como Portugal, Itália e Alemanha.
“Não é saúde ou economia? No fim, a gente não resolve nem uma coisa, nem outra”, afirma Andrade. O executivo defende ainda que todos os esforços do setor público e privado sejam direcionados à vacinação. E resume o caminho para sair da crise de forma definitiva. “A única solução está na vacinação urgente, imediata e com muito foco”, afirma Andrade.
O executivo diz que a CVC está preparada para passar por essa fase, até por conta da capitalização realizada pelos acionistas, que colocaram R$ 700 milhões na empresa com o compromisso de mais R$ 400 milhões até setembro deste ano. “Mas o setor é muito pulverizado em muitas pequenas empresas, pequenos empresários, franqueados. E aí ninguém está 100% razoavelmente preparado.” Acompanhe os principais trechos da entrevista:
O Brasil tem batido recordes de mortes por conta da Covid-19,
que estão no patamar de mais de mil por dia há mais de um mês. Já há
impacto no setor de turismo?
Sim, o que aconteceu é que o setor vinha se recuperando bem até o início
de dezembro. E, de meados de dezembro para cá, voltou a ter um recuo
forte, porque começaram a ter restrições. Por exemplo, o Nordeste está
fechando praias. As pessoas obviamente começaram a ter uma série de
inseguranças. Então, há muita requisição para remarcação e cancelamento
de viagens. Houve também um recuo forte de compras de novas viagens de
novo.
De quanto foi esse recuo?
De grosso modo, estima-se que o setor vinha em uma recuperação da ordem
de 50% sobre o ano anterior e recuou, nos últimos dias, para cerca de
30% a 35% de um ano atrás. Agora, com essas medidas mais restritivas
nessa semana e daqui para frente, é óbvio que vai reduzir ainda mais.
“O setor vinha em uma recuperação da ordem de 50% sobre o ano anterior e recuou, nos últimos dias, para cerca de 30% a 35%”
Pode explicar melhor esses dados?
São dados pré-pandemia. Quando você compara início de dezembro de 2020
contra dezembro do ano anterior. Nesse período, estava vendendo cerca de
50% menos. Agora, com certeza, vamos para baixo de 30%.
Mesmo com a recuperação que você citou o desempenho do setor ainda estava bem abaixo de uma situação normal, não?
Sim, mas vamos entender. Quando você olha o setor de turismo, há três
pilares: o doméstico, o internacional e o corporativo. O corporativo foi
muito baixo, quase inexistente em dezembro. O internacional também, com
muitas fronteiras fechadas. A recuperação estava todo no doméstico, que
chegou a fazer 70% de um ano para outro. Agora, com certeza, vai para
cerca de 30%.
Você comentou recentemente que previa que o setor ia voltar
para a normalidade em dezembro de 2021. Ainda mantém essa estimativa?
O que eu tenho dito, e mantenho, é que vamos ter, no último trimestre do
ano, um movimento muito forte no setor doméstico, voltando a níveis
prováveis pré-crise. No internacional não dá para prever, porque, mesmo
que você tenha uma vacinação resolvida no Brasil, não significa que as
fronteiras estarão abertas. E o corporativo ainda não vai voltar à
normalidade.
Como resolver essa situação?
De curtíssimo prazo, acredito que o lockdown tem de ser
realizado. Na verdade, por mais dolorido que seja, temos de tomar essa
decisão: fechar tudo e todo mundo tem de ter a disciplina de colaborar e
dar exemplo. Países como Portugal, por exemplo, fizeram isso e tiveram
uma redução drástica. Em duas ou três semanas, eles reduziram
drasticamente o contágio com o lockdown. O maior problema para mim não é
o lockdown, mas sim ficar com medidas paliativas que não resolvem. E
ficamos sempre com incertezas em todos os setores. Obviamente, a vida é
muito mais importante do que qualquer coisa. O cliente bom é o cliente
vivo. Por mais dolorido que seja, que se feche mesmo durante duas ou
três semanas. Se todo mundo fechar, a gente vai ter ganhos substanciais.
“Na verdade, por mais dolorido que seja, temos de tomar essa decisão: fechar tudo”
Que outras medidas?
Outro ponto fundamental é que todo mundo tem que colaborar, lavar as
mãos e usar máscara. Isso são coisas básicas. Mas a solução definitiva é
a vacinação. Todos nós, seja do setor público ou do setor privado,
devíamos estar 100% focados em fazer a vacinação andar e dar certo.
Ninguém pode ter dúvida sobre isso. Não é saúde ou economia? No fim, a
gente não resolve nem uma coisa, nem outra. A única solução está na
vacinação urgente, imediata e com muito foco.
No ano passado, era tudo muito novo e o cenário era de extrema incerteza. Dá para se preparar dessa vez?
Além de não estarmos preparados no ano passado, nós não tínhamos
experiência em relação a doença. Ainda havia muita polêmica. As
experiências internacionais mostram que o lockdown funciona
desde que seja feito com altíssima adesão, como são os casos de Itália,
Alemanha, Portugal e vários outros. O que estamos menos preparados é
para o vai-e-vem. E quando olhamos no setor de turismo, a pior coisa que
pode acontecer é o vai-e-vem. Imagina vender um monte de viagem e
depois cancelam ou remarcam? Você não consegue fazer coisa nenhuma com
falta de previsibilidade. O impacto nas companhias aéreas e no setor
hoteleiro é gigantesco. E, óbvio, que o impacto financeiro também. É
muito melhor meter o dedo na ferida. Por mais dolorido que seja, se tem
uma perspectiva de melhorar substancialmente, é melhor que se tome essa
medida.
E a CVC está mais preparada para essa segunda onda da pandemia?
A CVC está beneficiada pelo aporte de capital feito pelos acionistas
(foram R$ 700 milhões com compromisso de mais R$ 400 milhões até
setembro deste ano). Isso faz com que ela tenha capacidade de passar por
essa fase. Mas o setor é muito pulverizado em muitas pequenas empresas,
pequenos empresários, franqueados. E aí ninguém está 100% razoavelmente
preparado. O melhor é que a gente consiga sair rápido da crise. E, para
isso, no curto prazo, precisa de lockdown. E foco em vacina para que, nos próximos meses, a gente consiga de fato ter o Brasil em outro patamar.
Que medidas foram tomadas pela CVC?
Foram tomadas muitas medidas de redução de custo e de digitalização. Mas
o setor de turismo é muito difícil. No setor de varejo, como Casas
Bahia ou Magazine Luiza, o produto vai até o cliente. Chega tudo em
casa: livro, flores, farmácia, supermercado e eletroeletrônico. Agora,
em viagem, não. É você que vai até a viagem. Então, por mais que se faça
qualquer investimento é sempre paliativo, porque não substitui a
transação. No setor de turismo, não existe paliativo, a não ser a
vacinação.
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