A multicampeã do ranking de AMANHÃ inova a partir de muitas cabeças. No centro delas, como regente, está o consumidor
Eduarda Pereira
A geração de ideias na multinacional Whirlpool acontece de
maneira orgânica e descentralizada dentro dos times seguindo uma lógica
de horizontalidade
O
que você imagina quando pensa em lar? Nos últimos dois anos, essa
concepção se alterou. De locais de descanso e lazer, as casas passaram a
se transformar em ambientes de trabalho, de estudo, de prática de
exercícios físicos e até mesmo de confraternizações menores, em família.
A pandemia provou que nem mesmo os lares estão a salvo de terem seus
propósitos completamente transformados com a mudança dos tempos.
Mas
há um aspecto que, ao longo de muitos anos e diversas mudanças, jamais
se alterou: a necessidade de se ter, em casa, produtos e
eletrodomésticos de qualidade. Ao levar isso em consideração, a
conclusão natural é de que as empresas do setor não enfrentaram
dificuldades ao longo da pandemia. É, em parte, verdade: ficando mais em
casa, as pessoas passaram a consumir e valorizar ainda mais os
utensílios que as ajudam a lidar com o cotidiano. Mas a história da
Whirlpool faz questionar se os bons resultados durante a pandemia podem
ser atribuídos apenas à demanda dos consumidores ou se uma boa dose de
planejamento e investimentos em inovação também não é parte essencial.
"Primeiro,
certamente podemos dizer que não houve calmaria", adianta o diretor de
relações Institucionais da Whirlpool, Eduardo Vasconcelos. Foi um
momento de várias adaptações para a empresa, que implementou diversas
medidas e protocolos rígidos para evitar a proliferação da Covid-19 em
suas fábricas. E, também, para andar no ritmo surpreendentemente
frenético do mercado: a ponto de o presidente da empresa, João Carlos
Brega, ter confidenciado no início do ano que o nível de demanda
apresentado pelos consumidores se mostrou equivalente ao dos melhores
anos da Whirlpool.
Mas além de volumosa, a demanda era complexa. O
consumidor queria soluções originais para um estilo de vida insólito,
marcada pela quarentena e pelo home office. A necessidade de inovação se
impôs, assim como a agilidade das linhas de produção. Nada, porém, que
pudesse desconcertar a líder mundial em eletrodomésticos para cozinha e
lavanderia, presente no Brasil com as marcas Brastemp, Consul, , Compra
Certa, KitchenAid e B.blend. A Whirlpool já está acostumada com tempos
turbulentos. A trajetória inconstante do setor de eletrodomésticos no
Brasil nos últimos anos já vinha exigindo reposicionamento das empresas.
Vendas fracas e quedas na produção abalaram os players de 2015 a 2018,
fazendo com que a indústria precisasse se reinventar. O ano de 2019,
apesar de ter começado no mesmo patamar de queda, cresceu de maneira
surpreendente a partir do segundo semestre. Segundo a Associação
Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), o setor
de linha branca [máquinas de lavar, refrigeradores e fogões] fechou o ano com crescimento de 7,8%, um ótimo progresso comparado a um decepcionante 1% em 2018.
Em
2020, sob os efeitos da pandemia, a demanda brasileira pela linha
branca se tornou destaque no balanço global da Whirlpool. Entre julho e
setembro, o crescimento da receita nas operações da América Latina foi
de 13,7%. Ao deixar de gastar com serviços, restaurantes e viagens, o
consumidor transferiu naturalmente seu interesse para a aquisição de
eletrodomésticos, disposição ancorada no recebimento do auxílio
emergencial estava sendo concedido pelo governo. Além disso, Vasconcelos
chama atenção para o aumento de volume de tarefas domésticas, como a
lavagem de roupas, louças e preparo da alimentação.
No quarto
trimestre do ano passado, as vendas da companhia já haviam crescido mais
5% na região e atingido US$ 821 milhões, com um lucro operacional de
US$ 100 milhões – um salto de 138%. A empresa atribuiu o desempenho ao
crescimento da produção industrial no Brasil no período. Apesar dos bons
resultados, Brega já havia demonstrado preocupação com a sustentação do
rápido crescimento que a Whirlpool estava experimentando. Os quase 40%
de desvalorização do real e o aumento do custo de materiais como aço,
resina e papelão pressionaram a empresa a fazer um reajuste de preços em
janeiro. Os investimentos em capacidade de produção foram pausados, e
as três fábricas da companhia – localizadas em Joinville (SC), Manaus
(AM) e Rio Claro (SP) – estavam sendo utilizadas a 95% de suas
capacidades.
Pesam, no cenário, os efeitos da diminuição do valor
do auxílio emergencial, a manutenção do elevado nível de desemprego e o
recrudescimento da pandemia, fatores que reduzem o nível de confiança do
consumidor e o levam a reduzir a demanda por bens de consumo duráveis
ou ao menos adiar a decisão de compra. Para Vasconcelos, esse cenário
reforça a ideia de que todas as decisões de negócio da Whirlpool devem
priorizar as necessidades dos consumidores, garantindo que tenham acesso
a todos os produtos e serviços necessários de forma ágil e,
principalmente, com segurança e qualidade. "Estamos atentos a todas as
mudanças de hábitos que serão mantidas no pós-pandemia e às mudanças
necessárias para nos adaptarmos a isso", garante.
Mudança, a palavra da vez
Em meio a muita incerteza quanto à duração da pandemia e à recuperação
da economia, a Whirlpool encontrou uma certeza: seu compromisso de
manter os investimentos em inovação para atender rapidamente às
necessidades dos consumidores, especialmente em momentos críticos. "Esse
movimento de intensificação dos laços com a casa reforça a necessidade
por produtos de qualidade e que facilitem o dia a dia das pessoas, e
acreditamos que essa é uma tendência que veio para ficar", avalia
Vasconcelos.
Essa reinvenção para atender às demandas do
consumidor tem sido feita constantemente dentro da Whirlpool, antes
mesmo da pandemia, com ações como investimento em canais de compra
direta e novas formas de atender os consumidores, além da aplicação de
metodologias ágeis nos processos. Outro fator de destaque foi o
crescimento das vendas on-line, exigindo rápida adaptação para atender
aos novos comportamentos decorrentes da mudança.
O propósito da
detentora das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid segue sendo fornecer
produtos que facilitem a vida em casa. Para isso, a Whirlpool acelerou
as inovações nos canais digitais através de um modelo agile de
implementação de melhorias. "Acreditamos que o caminho está justamente
nesse olhar para o novo comportamento do consumidor e como poderemos
continuar a atender às suas necessidades nesse contexto", explica
Vasconcelos.
Uma das maneiras encontradas pela Whirlpool para
atender a essas novas necessidades foi o forte reconhecimento de seu
papel social. Para isso, a companhia manteve o foco em ações de
responsabilidade social e sustentabilidade, investindo cada vez mais na
dimensão de ESG (sigla em inglês para governança social e ambiental), já
profundamente enraizada em sua cultura corporativa. "Nossa experiência e
nossos resultados comprovam que esse olhar também sustenta bons
resultados para o negócio", acrescenta Vasconcelos.
As fábricas da
Whirlpool foram rapidamente adaptadas para a produção de máscaras face
shield, a primeira de diversas outras ações para contribuir com o
controle da pandemia. Incluem-se aí a atuação da Whirlpool junto à
Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) e ao Senai para o
conserto de respiradores, e a doação de centenas de produtos e EPIs
médicos para hospitais e instituições de saúde. Ao todo, foram mais de
R$ 6 milhões investidos em ações de combate à Covid-19.
Logo no
início da pandemia, a empresa implementou diversas medidas e protocolos
rígidos, indo além das diretrizes recomendadas pelos governos locais no
sentido de garantir a saúde e segurança de seus colaboradores e demais
públicos. Dessas medidas, a manutenção do público administrativo em home
office em tempo integral e a adaptação das fábricas foram as que
trouxeram mais resultados no combate à pandemia.
A facilidade na
adaptação da companhia às novas maneiras de trabalho se deve a uma
reestruturação realizada em 2019 com o objetivo de fortalecer a cultura e
a mentalidade, com o uso de metodologias ágeis, para organizar a forma
como as equipes pensavam e agiam. Na ocasião, foram criados times ágeis
conhecidos como squads [modelos de organização em que os funcionários são dispostos em pequenos grupos multidisciplinares com um propósito específico].
Hoje, já são cerca de 100 pessoas na equipe digital e mais 30 divididas
e times de D2C, TI e Logística. "O uso da metodologia trouxe diversos
benefícios para a companhia, como o fomento da cultura de colaboração,
experimentação e entregas contínuas, acelerando o processo de
transformação digital", conta Vasconcelos.
O portfólio é composto por uma média de 90% em inovação
incremental e 10% em inovação radical e disruptiva. A Whirlpool também
inova constantemente em manufatura, qualidade, processos e serviços
Adaptar é preciso
Um
dos motivos pelos quais a Whirlpool segue prosperando é a constante
adaptação de seus produtos às novas tecnologias. Só no Brasil, são
quatro centros de tecnologia, 23 laboratórios de P&D, três centros
de distribuição e aproximadamente 11 mil funcionários, estrutura que
garante à companhia o lançamento de cerca de 200 novidades por ano. São
resultados de um programa de investimentos em pesquisa, inovação e
tecnologia, que, na Whirlpool, absorvem de 3% a 4% do faturamento anual.
"Nossos produtos são produzidos sobre o pilar da excelência, alcançada a
partir do comprometimento com a eficiência operacional e a gestão de
pessoas", avalia Vasconcelos.
A qualidade dos produtos
manufaturados elevou o desempenho da empresa na América Latina, tornando
a região um dos principais mercados da Whirlpool no mundo e centro de
exportação de eletrodomésticos para mais de 70 países em todos os
continentes. As marcas Brastemp e Consul são líderes em preferência no
Brasil e, juntas, correspondem a quase metade do mercado. A companhia
aposta na globalização de processos e diretrizes, abordagem que ganhou o
nome de One Whirlpool. Isso facilita a comunicação entre plantas e
sedes no mundo inteiro e, em termos de estratégia, gera resultados mais
consistentes para o âmbito global de operações.
Uma decisão
importante tem sido a elaboração de planos de cinco anos, construídos
inteiramente com base nas necessidades dos consumidores. O processo de
desenvolvimento do plano envolve, em primeiro lugar, a troca de
informações e experiências entre um time multidisciplinar que inclui as
equipes de inovação e marketing junto a um comitê regional e global. Em
seguida, é elaborado um plano estratégico com base em três processos
principais: o Processo de Planejamento Global (GPP), o Processo de
Desenvolvimento Avançado (ADP) e, por último, o Processo de
Desenvolvimento da Produção (PDP).
O Processo de Planejamento
Global consiste em entender as necessidades e desejos do consumidor, e
um primeiro esboço do plano de cinco anos é construído estritamente com
base nessas informações. Depois de entender as tendências de mercado e
traduzi-las para um plano estratégico, o processo a seguir é avaliar a
viabilidade desses planos, criar o conceito inicial e testar a hipótese.
O desenvolvimento avançado (ADP) se concentra em obter conhecimento e
reduzir a incerteza, ao fornecer orientação para a prova de conceito em
fluxos de trabalho de projeto, desenvolvimento de tecnologia de produto,
de arquitetura e de tecnologia de processo. Finalmente, o Processo de
Desenvolvimento da Produção (PDP) entrega as inovações aos consumidores.
Com base no planejamento e no conhecimento validado, o PDP define os
marcos e as portas do projeto, bem como as métricas para avaliação.
Alguns exemplos de produtos que surgiram desse processo são a Cervejeira SmartBeer, da Consul, primeira máquina de bebidas all-in-one
do mundo a oferecer mais de 10 diferentes tipos de categorias e 20
sabores ao toque de um botão. O produto ainda funciona como purificador
de água, oferecendo também água gaseificada. A lavadora de roupas Double Wash,
da Brastemp, tem dois cestos independentes e lava diferentes tipos de
tecidos e cores ao mesmo tempo. É a primeira Top Load (abertura
superior) no mundo a lavar roupas de cores e tecidos diferentes ao mesmo
tempo. A linha de refrigeradores de ambas as marcas do tipo inverse,
com freezer embaixo, é outra novidade recente.
Pesquisa,
desenvolvimento e inovação se revelam, assim, alicerces fundamentais da
estratégia da companhia. A unidade de Joinville conta com o maior centro
de tecnologia de refrigeração da Whirlpool no mundo, e ali desenvolve
tecnologias e produtos a partir de tendências capturadas em um setor em
constante evolução. O GPO, como é chamado, concentra os times globais de
desenvolvimento de produto e tecnologia de refrigeração,
ar-condicionado, água, cocção e eletrônica.
De maneira semelhante
ao One Whirlpool, há um método global que une ideias de todas as
subsidiárias da companhia ao redor do mundo, encontra semelhanças e
divergências entre as necessidades do consumidor e busca o país com a
melhor tecnologia e capacidade para desenvolver essa ideia. São esses
processos que concretizam as estratégias de inovação fechada e aberta na
Whirlpool. "Entendemos que a inovação é o combustível para o alcance
dos nossos resultados e, com essa visão, seguimos liderando o mercado,
os rankings de inovação e exportando tecnologia brasileira para mais de
45 países", comemora Vasconcelos.
Dentro da estratégia de inovação
da companhia, que orienta os investimentos da área, os lançamentos de
produtos são definidos anualmente. O portfólio criativo é composto por
uma média de 90% em inovação incremental e 10% em inovação radical e
disruptiva. E vai muito além dos produtos: a Whirlpool também inova
constantemente em manufatura, qualidade, processos, serviços, marketing e
modelo de negócio..
Centros de inovação como o LinkLab Ágora, de Joinville, fazem parte de um comitê
Processo rico e complexo
O
processo de escuta dos consumidores também tem se tornado cada vez mais
rico e complexo. Afinal, a cada dia surgem novas fontes de contato
entre empresa e clientes, a exemplo das redes sociais, que vem sendo
usadas para interação das marcas, produtos e serviços da Whirlpool com
os consumidores. Dessa forma, a companhia se aproxima do público para
entender as reais necessidades dentro das casas, e esta escuta passa por
cada etapa – desde a pesquisa de um produto até solicitação de reparo
ou serviço. "Acreditamos que todo desenvolvimento e inovação dentro da
Whirlpool deve estar orientado ao propósito de criar valor para os
nossos consumidores e atender às suas necessidades. Não basta inserir
processos inteligentes sem ouvir e buscar solucionar ou nos anteciparmos
aos problemas dos nossos consumidores", pondera Vasconcelos.
Inicialmente,
pesquisas e entrevistas são conduzidas para sondar e analisar os
hábitos e atitudes dos consumidores brasileiros, buscando entender suas
reais necessidades ainda não atendidas. A essa análise é somada uma
pesquisa de tendências de mercado e design e análise de competidores
locais e globais. A partir dessas referências, times multidisciplinares
de desenvolvimento são formados e, juntos, designers, engenheiros e
profissionais do marketing, de finanças e de manufatura iniciam uma
série de testes e desenvolvimentos até a criação dos primeiros
protótipos. Nessa etapa, novamente, entra em cena a avaliação dos
consumidores – protótipos que não passarem nesta validação são revistos
pelo time multidisciplinar até terem a validação necessária para a
produção.
Essa mecânica é chamada de Whirlpool Product Development
(Desenvolvimento de Produtos da Whirlpool) e consiste em reunir várias
equipes durante o processo de inovação. No WPD, é obrigatório o trabalho
cruzado entre as equipes de planejamento de projeto, excelência de
produto, design global, plataformas globais e equipes de tecnologia,
qualidade global, segurança global, regulatória, comunicações, finanças,
recursos humanos e jurídico.
A geração de ideias na companhia
acontece de maneira orgânica e descentralizada dentro dos times. O
modelo segue uma lógica de horizontalidade, o que traz mais agilidade às
ações e protege o entendimento de que o erro faz parte de um processo
de aprendizagem e experimentação que vai gerar inovação.
Um
incentivo é a premiação W Awards, uma recompensa global entre todas as
equipes da Whirlpool, na qual presidentes, vice-presidentes e diretores
de regiões analisam os projetos e selecionam os mais inovadores. Assim, é
possível criar uma cadência para impulsionar a temática de inovação na
Whirlpool, buscando sempre as melhores soluções e apoiando cada vez mais
a estratégia consumer centric e a cultura de transformação digital.
Além
desse processo de inovação fechada, a Whirlpool também trabalha com
universidades e startups em sintonia com o conceito de inovação aberta. O
Open Innovation Framework permite que as melhores ideias sejam
encaminhadas para se tornarem projetos dentro da empresa, em parceria –
sempre – com startups, universidades ou outros aliados. A estrutura tem
um fluxo de priorizações e aprovações para que as melhores ideias sejam
desenvolvidas. O comitê é formado por uma equipe multidisciplinar e os
desafios são trabalhados em conjunto com startups e centros de inovação
como o LinkLab Ágora, de Joinville, e o Inovabra, de São Paulo.
Esse conteúdo integra a edição 337 de AMANHÃ que revelou quem são as empresas mais inovadoras do Sul. Clique aqui para acessar a publicação on-line, mediante pequeno cadastro.