Estadão Conteúdo
As vinícolas gaúchas Aurora, Garibaldi e Salton terão dez dias
para apresentarem documentos que mostrem a relação com a empresa
terceirizada Fênix Serviços de Apoio Administrativo, flagrada na semana
passada mantendo trabalhadores em condição análoga à escravidão em Bento
Gonçalves (RS). A determinação veio do Ministério Público do Trabalho
do Rio Grande do Sul (MPT), que promoveu na quarta-feira, 1º, uma
audiência com representantes das vinícolas.
Segundo o MPT, as empresas terão de fornecer documentos como
contratos de prestação de serviços, notas fiscais, atos constitutivos
para que a responsabilidade de cada vinícola no episódio seja
esclarecida. As companhias também terão de esclarecer como os contratos
com a empresa terceirizada eram fiscalizados.
Somente após analisar os documentos, o MPT apresentará uma proposta de termo de ajuste de conduta (TAC) com as vinícolas.
O acordo incluirá obrigações a serem cumpridas e deverá estabelecer o pagamento de uma indenização de danos morais coletivos.
Até agora, informou o Ministério Público do Trabalho, as três
empresas manifestaram a intenção de negociar um compromisso para
aprimorar a fiscalização da cadeia produtiva do vinho na Serra Gaúcha.
Em outro TAC, procuradores do Ministério Público do Trabalho propõem
uma indenização de R$ 600 mil aos 207 trabalhadores pela companhia Fênix
Serviços de Apoio Administrativo, responsável pela contratação.
Os procuradores também exigiram a apresentação completa dos
comprovantes de pagamento das verbas rescisórias (que giram em torno de
R$ 1 milhão) aos resgatados.
Na segunda-feira, 27, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania,
Silvio Almeida, convocou uma reunião extraordinária da Comissão
Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e disse que um
processo administrativo está sendo instaurado contra as vinícolas.
Na quarta-feira, 54 trabalhadores baianos expostos ao trabalho
análogos à escravidão foram recebidos na sede da Defensoria Pública da
Bahia, em Salvador. As vítimas relataram uma rotina de maus-tratos.
Entenda o caso
No dia 22 de fevereiro, uma ação conjunta entre a Polícia Rodoviária
Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) resgatou 207 trabalhadores que enfrentavam condições de trabalho
degradantes em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.
O resgate ocorreu depois que três trabalhadores que fugiram do local
procuraram a PRF, em Caxias do Sul (RS), e fizeram a denúncia.
Atraídos pela promessa de salário de R$ 3 mil, os trabalhadores
relataram enfrentar atrasos nos pagamentos, violência física, longas
jornadas de trabalho e oferta de alimentos estragados.
Eles relataram ainda que, desde que chegaram, no início do mês, eram
coagidos a permanecer no local sob pena de pagar multa por quebra do
contrato de trabalho.
A PF prendeu um empresário baiano responsável pela empresa, que foi
encaminhado para o presídio de Bento Gonçalves. Pedro Augusto de
Oliveira Santana foi liberado no dia seguinte após pagar fiança no valor
de R$ 39.060.
Em notas, as vinícolas disseram que desconheciam as irregularidades
praticadas contra os trabalhadores recrutados pela empresa prestadora de
serviços terceirizados.
O que já disseram as vinícolas
Vinícola Aurora
“A Vinícola Aurora se solidariza com os trabalhadores contratados
pela empresa terceirizada e reforça que não compactua com qualquer
espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão.
No período sazonal, como a safra da uva, a empresa contrata
trabalhadores terceirizados, devido à escassez de mão de obra na região.
Com isso, cabe destacar que Aurora repassa à empresa terceirizada um
valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais
horas extras prestadas. Além disso, todo e qualquer prestador de serviço
recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café
da manhã, almoço e jantar.
A empresa ainda informa que todos os prestadores de serviço
recebem treinamentos previstos na legislação trabalhista e que não há
distinção de tratamento entre os funcionários da empresa e trabalhadores
contratados. A Vinícola Aurora reforça que exige das empresas
contratadas toda documentação prevista na legislação trabalhista. A
Aurora se coloca à disposição das autoridades para quaisquer
esclarecimentos.”
Vinícola Salton
“Em respeito a seus clientes, colaboradores, acionistas e demais
fornecedores, a Salton manifesta seu repúdio a qualquer ato de violação
dos direitos humanos e trabalho sob condições precárias e análogas à
escravidão. A empresa e seus representantes estão à disposição de todos
os trabalhadores e suas famílias, que foram tratados de forma desumana e
cruel pela empresa Oliveira e Santana e se coloca à disposição dos
órgãos competentes para colaborar com o processo e amenizar os danos
causados pela prestadora de serviços.
Embora a Salton tenha atendido a exigência legal na contratação do
fornecedor, reconhecemos o erro em não averiguarmos in loco as condições
de moradia oferecidas por este prestador de serviço aos seus
trabalhadores. Trata-se de um incidente isolado na trajetória centenária
da empresa, e já estamos tomando as medidas cabíveis frente ao tema,
com toda a seriedade e respeito que a situação exige. A empresa
trabalhará prontamente não apenas para coibir novos acontecimentos, mas
também para promover a conscientização das melhores práticas sociais e
trabalhistas em parceria com órgãos e entidades do setor
Com um legado de 112 anos, a Salton acredita na
sustentabilidade como premissa de negócio. Signatária do Pacto Global,
realiza diversos projetos para reforçar a responsabilidade social da
empresa e seu compromisso como empresa cidadã. Externamos o nosso
compromisso em fazer cada vez melhor.”
Cooperativa Garibaldi
“Diante das recentes denúncias que foram reveladas com relação às
práticas da empresa Oliveira & Santana no tratamento destinado aos
trabalhadores a ela vinculados, a Cooperativa Vinícola Garibaldi
esclarece que desconhecia a situação relatada. Informa, ainda, que
mantinha contrato com empresa diversa desta citada pela mídia.
Com relação à empresa denunciada, o contrato era de prestação de
serviço de descarregamento dos caminhões e seguia todas as exigências
contidas na legislação vigente. O mesmo foi encerrado. A Cooperativa
aguarda a apuração dos fatos, com os devidos esclarecimentos, para que
sejam tomadas as providências cabíveis, deles decorrentes.
Somente após a elucidação desse detalhamento poderá
manifestar-se a respeito. Desde já, no entanto, reitera seu compromisso
com o respeito aos direitos – tanto humanos quanto trabalhistas – e
repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos.”