Poucas horas após
anunciar que estava suspendendo o envio de ajuda financeira para
projetos de desenvolvimento em territórios palestinos, a Comissão
Europeia voltou atrás na decisão na tarde de segunda-feira (09/10),
afirmando que vai se limitar a reexaminar os pagamentos para garantir
que nenhum valor seja mal utilizado.
“Não haverá suspensão de pagamentos” no momento, disse uma declaração
concisa da Comissão Europeia, divulgada cinco horas após o comissário
para Ampliação e Política de Vizinhança da UE, o húngaro Oliver
Varhelyi, ter anunciado que todos os pagamentos do programa de
desenvolvimento para os palestinos seriam “imediatamente suspensos” no
contexto do sangrento ataque do grupo terrorista Hamas a Israel, que
deixou centenas de mortos.
Em mensagens publicadas na rede X (ex-Twitter), o chefe da diplomacia
da UE, Josep Borrell, afirmou que o “reexame da assistência da UE à
Palestina anunciada pela Comissão Europeia não suspenderá os pagamentos
devidos”.
“A suspensão dos pagamentos – punindo todo o povo palestino – teria
prejudicado os interesses da UE na região e apenas teria encorajado
ainda mais os terroristas”, completou Borrell.
Contrariedade entre alguns países-membros
A reviravolta ocorre após alguns países-membros da UE, como Irlanda,
Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Portugal terem manifestado surpresa e
contrariedade com o anúncio do comissário Varhelyi, que parece ter sido
feito unilateralmente.
A medida anunciada por Varhelyi na segunda-feira também
havia atropelado declarações anteriores de outras autoridades europeias,
que haviam dito mais cedo que a ajuda aos palestinos seria discutida
numa reunião de emergência dos ministros das Relações Exteriores dos
países-membros da UE na terça-feira.
“O nosso entendimento é que não existe base jurídica para uma decisão
unilateral deste tipo por parte de um comissário individual e não
apoiamos a suspensão da ajuda”, disse um porta-voz do Ministério das
Relações Exteriores da Irlanda. Vários países-membros também canalizam
ajuda para os palestinos por mecanismos próprios, sem passar pela UE. O
governo holandês, por exemplo, quando questionado se pretendia suspender
seus repasses para os palestinos, disse na segunda-feira que isso não
estava sendo cogitado.
Confusão de anúncios
Ainda assim, o anúncio da Comissão Europeia – que está acima da pasta
do comissário Varhelyi – também usou uma linguagem confusa, afirmando
que a suspensão também não ocorreria porque “não havia pagamentos
previstos” no horizonte imediato.
A UE é um dos maiores fornecedores de ajuda financeira aos
territórios palestinos. Entre 2021 e 2024, a UE planeja direcionar um
total de cerca de 1,2 bilhão de euros (R$ 6,5 bilhões) em investimentos
em desenvolvimento para os palestinos, especialmente nas áreas de saúde e
educação.
A ajuda europeia também ocorre em duas frentes: desenvolvimento e
assistência humanitária. As Nações Unidas estimam que cerca de 2,1
milhões de pessoas dependem de assistência humanitária nos territórios
palestinos, entre elas 1 milhão de crianças. O anúncio do comissário
Varhelyi na segunda-feira também não deixava claro se a suspensão –
posteriormente revertida – também afetaria a ajuda humanitária. Isso já
tinha levado o comissário, Janez Lenarčič, que chefia a pasta europeia
de Ajuda Humanitária e Gestão de Crises, a negar publicamente que o
anúncio do seu colega Varhelyi afetava o auxílio humanitário para os
palestinos.
“A ajuda humanitária da UE aos palestinos necessitados continuará enquanto for necessário”, disse Janez Lenarčič.
Mais cedo, o comissário Varhelyi havia justificado a decisão de
suspender repasses para palestinos afirmando que “a escala de terror e
brutalidade contra Israel e seu povo é um ponto de inflexão”, em
referência aos ataques do Hamas, planejados e executados a partir da
Faixa de Gaza, o enclave palestino comandado pelo grupo fundamentalista,
classificado como terrorista pela UE.
A confusão de anúncios pela UE na segunda-feira evidenciou divisões
no bloco sobre qual deve ser a resposta aos ataques a Israel.
Alemanha e Áustria anunciaram suspensão
Enquanto alguns países manifestaram que não têm a intenção de
suspender a ajuda para os palestinos, outros tomaram decisões
individuais para congelar o envio de verbas.
Na segunda-feira, o Ministério da Cooperação e Desenvolvimento
Econômico da Alemanha anunciou que estava congelando novos repasses para
os palestinos. “Está em análise, ou seja, suspenso temporariamente”,
disse um porta-voz do ministério.
No domingo, a titular da pasta, a social-democrata Svenja Schulze, já
havia anunciado que os repasses seriam reexaminados, mas o governo
alemão também vinha sendo pressionado por aliados e pela oposição a
congelar a ajuda por completo.
Em 2020, a Alemanha enviou 193 milhões de euros (R$ 1 bilhão) para
gastos em ajuda humanitária e desenvolvimento econômico para áreas
palestinas. Em 2023, os compromissos assumidos pela Alemanha com os
palestinos somavam 250 milhões de euros.
Segundo Schulze, a Alemanha sempre tomou cuidados para assegurar que
os valores não fossem desviados para outros fins e que o dinheiro fosse
gasto apenas para fins pacíficos. “Mas esses ataques a Israel marcam uma
terrível ruptura”, disse ela. Ainda segundo Schulze, a Alemanha
pretende discutir com Israel como os projetos de desenvolvimento na
região podem vir a ser melhor atendidos e coordenados com parceiros
internacionais.
Além da Alemanha, a vizinha Áustria também anunciou suspensão de
novos repasses. “Vamos suspender todos os pagamentos de ajuda ao
desenvolvimento por enquanto”, disse o ministro das Relações Exteriores
da Áustria, Alexander Schallenberg, à rádio Oe1.
A decisão deve resultar no congelamento de 19 milhões de euros em
ajuda. Schallenberg também afirmou que a Áustria pretende reanalisar
todos os projetos voltados para áreas palestinas por meio de consultas
com União Europeia e ouros parceiros internacionais. “A escala do terror
é tão terrível. É uma fissura tão grande que não se pode voltar a agir
como de costume”, disse o ministro.
Mas os anúncios da Alemanha e Áustria também não deixaram claro se o
congelamento de recursos se aplicaria à ajuda humanitária, que é enviada
separadamente. Nos seus anúncios de suspensão, a Alemanha e a Áustria
também não diferenciaram a Faixa de Gaza, o enclave palestino dominado
pelo Hamas, e a Cisjordânia, bem mais populosa, administrada pela
Autoridade Palestina, atualmente liderada pelo presidente Mahmoud Abbas,
tido como mais moderado e cujo grupo político se opõe aos
fundamentalistas islâmicos do Hamas.
Vozes dissonantes
Na Alemanha, nem todos estão de acordo com o corte de repasses. A
Sociedade Germano-Israelense, um grupo que promove a aproximação das
relações entre Israel e Alemanha, limitou-se a pedir ao governo alemão
que estabeleça condições claras para os pagamentos aos palestinos. “O
terrorismo e o antissemitismo não podem ser financiados com o dinheiro
dos impostos alemães”, disse o presidente da Sociedade
Germano-Israelense (DIG), Volker Beck. Ele, no entanto, não defendeu a
interrupção da ajuda financeira, mas sim condições e controles mais
rígidos. “Isso requer decisões claras do comitê de orçamento e do
Parlamento para o orçamento federal de 2024.”
Outros políticos alemães advertiram contra qualquer corte na ajuda
fornecida aos palestinos. O deputado Gregor Gysi, um importante membro
do partido de oposição A Esquerda, argumentou contra o corte, afirmando
que o Hamas, e não todos os palestinos, foi responsável pelo ataque. “As
organizações palestinas podem e devem ser apoiadas, mas o Hamas não
pode”, disse ele à revista Der Spiegel.
jps (DW, AP, Reuters, ots)