Pessoas
de todos os gêneros podem contribuir para a violência. Talvez nós,
mulheres, não sejamos exatamente pacíficas. Mas somos agentes da paz – e
são muitos os estudos que comprovam esta reflexão.
Autorretrato com colar de espinhos e beija flor- Frida Kahlo 1940
Somos
chamadas de “guerreiras” com certa frequência, talvez pela capacidade
de resiliência em momentos que muitos fraquejam. Mas a paz seria mesmo
uma questão de gênero?
De 2019 a março de 2022, mais de 400 mil
novas armas de fogo foram registradas no país, segundo dados da Polícia
Federal (portal de transparência “Fiquem Sabendo”), sendo 96% das armas
registradas em nome de homens e 4% em nome de mulheres. Pesquisa em
setembro de 2022 (Genial∕Quaest), revelou que 82% das mulheres eram
contra armar a população, enquanto apenas 63% dos homens expressavam
esse posicionamento.
Pessoas de todos os gêneros podem ser agentes
de alguma forma de violência e de paz. Talvez nós, mulheres, não
sejamos exatamente pacíficas. Que diga quem já conheceu a nossa ira.
Porém, somos mais frequentemente vítimas do que agressoras. E,
reconhecidamente, agentes de paz.
Se dependesse das mulheres
possivelmente haveria menos guerras no mundo, menos conflitos armados.
Em situação de guerra e conflitos violentos as mulheres e meninas são,
desproporcionalmente, expostas a violência sexual endêmica (Mirjana
Spoljaic, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha).
E
conhecemos as consequências familiares, sociais, econômicas que duram
para além dos conflitos e das guerras, mesmo se estivermos do lado
vencedor. Sabemos o que significa tratar de pessoas feridas no corpo e
na alma, dos que ficam incapacitados por atos de violência. Sabemos o
que significa manter os filhos em ambientes de conflitos violentos, do
medo de mandá-los para a escola ou comprar pão, onde “balas perdidas” e a
crueldade podem alcançá-los. Nossos guris, olha aí…
A violência
que está nas ruas, nas instituições, nas casas, escorre também pelas
redes sociais onde se observam ataques às mulheres, expressões de
misoginia por vezes apoiadas por outras mulheres, ainda na teia da
submissão, discursos perigosos que incitam vários tipos de violência.
A
violência de gênero permanece bastante naturalizada entre nós. Ela se
refere às relações de poder e à diferença entre as características
culturais atribuídas a cada um dos sexos que, nem sempre, são
identificadas como tal. Suas raízes moram na dominação masculina,
patriarcal e relacional. persistente na sociedade.
Se as mulheres
estão aprisionadas a formas de submissão, os homens, por sua vez, estão
enclausurados em formas de dominação. A quem interessa ambas as
sujeições?
A violência contra as mulheres é considerada um indicador de se uma sociedade é propensa a conflitos violentos.
O
papel das mulheres para a paz social seria, então, apenas um atributo
da sua frequência infinitamente menor de práticas violências explicitas,
da sua condição de vítima ou da sua justificada aversão às violências? É
mais potente do que isso.
Investigação sobre mulheres, paz e
segurança, publicada em documento de referência para o estudo das Nações
Unidas e do Banco Mundial, em 2017, forneceu fortes evidências de que o
empoderamento das mulheres e a igualdade de gênero estão associados a
resultados mais pacíficos e estáveis
⦁ A inclusão das mulheres nos
processos de paz tem um impacto positivo na durabilidade dos acordos de
paz, evitando assim a recorrência de conflitos.
⦁ Incluir
mulheres como negociadoras, mediadoras, signatárias e testemunhas
aumenta em 20% a probabilidade de um acordo durar pelo menos dois anos, e
em 35% a probabilidade de durar pelo menos 15 anos.
⦁ Existe uma
relação positiva entre a participação de grupos de mulheres e os
resultados do acordo de paz. Quando as mulheres estão menos envolvidas,
os acordos são alcançados com menos frequência e a probabilidade de se
chegar a um acordo é ainda menor quando os grupos de mulheres não estão
envolvidos.
A ONU reconhece que as mulheres são parceiras cruciais
na consolidação de três pilares de uma paz duradoura: recuperação
econômica, coesão social e legitimidade política. E indica que maior
igualdade de gênero corresponde a menor probabilidade de um país
utilizar a força militar para resolver disputas com outros países e em
conflitos internos.
Se a gravidade da violência utilizada em
conflitos externos e internos tende a diminuir com uma maior igualdade
de gênero, como demonstram as investigações, parece fundamental
continuarmos firmes na conquista de igualdade de direitos, para garantir
uma presença equilibrada de mulheres em espaços de tomada de decisões
na sociedade, no Estado, nas empresas, nas organizações sociais, nas
comunidades.
E que, ocupando esses espaços de poder, possamos nos
livrar das armadilhas do modelo patriarcal e colonialista que conforma a
sociedade e contribuir na construção da coesão social necessária para
vivermos em paz e solidariamente.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do IstoÉ.