A presidente Dilma Rousseff não deveria cancelar sua viagem para os
Estados Unidos, marcada para o mês que vem, em represália à denúncia do
jornalista americano Glenn Greenwald de que estaria sendo espionada pela
Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês), na
opinião de especialistas ouvidos pelo UOL.
Para Tullo Vigevani, professor de Relações Internacionais da Unesp
(Universidade Estadual Paulista), a presidente poderia transformar a
viagem, ou pelo menos parte dela, em um palco para fazer uma reclamação
contra o país.
"Em tese, a presidente poderia fazer em seu discurso ao Congresso
americano uma denúncia. Teria certamente uma grande repercussão",
afirmou Vigevani. "Claro que há problemas sérios de etiqueta e de
cortesia e, por isso, não sei se esta atitude pode ser colocada na pauta
da presidente."
A presidente Dilma irá aos Estados Unidos em outubro onde será recebida
com honras de chefe de Estado, concedida pelos americanos a raras
autoridades. A presidente cogita cancelar a viagem se não receber uma
explicação formal do governo americano. O governo brasileiro deu o prazo
de uma semana, a partir da última segunda-feira (2), para que o governo
dos EUA esclareça as denúncias.
Vigevani considera que o cancelamento total da viagem até poderia
marcar o repúdio brasileiro ao ato americano, mas poderia trazer
consequências desagradáveis ao Brasil. "As relações com os Estados
Unidos são muito importantes para o Brasil. O eventual cancelamento
dessa viagem traria consequências, por exemplo, ao comércio entre os
dois países", afirmou.
Para Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da
Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e autora do livro "Os
Estados Unidos e o Século 21", a atitude em pouco ajudaria na contenda.
"Acho que cancelar a viagem não traria nenhum ganho. Tem que ir até lá e
mostrar a insatisfação", disse. "Deixar de ir seria apenas uma
propaganda para públicos internos no Brasil. Para os EUA, não faria
muita diferença."
Segundo os especialistas, a reclamação do governo brasileiro contra os
Estados Unidos não irá impedir que o país siga vigiando o Brasil, mas é
importante para que o país deixe claro que teve a soberania violada.
"O Brasil tem a obrigação de reclamar. As ações americanas são ilegais,
ainda que ocorram normalmente pelo mundo. É preciso tomar medidas
fortes, não com o objetivo de impedir a espionagem, mas para sinalizar
que o Brasil é extremamente zeloso em relação a sua segurança e
soberania", disse Tullo Vigevani, especialista em relações
internacionais e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Na opinião do professor, o Brasil terá uma série de oportunidades de
reclamar em público da violação americana. Uma delas ocorrerá na
Assembleia Geral da ONU neste mês, onde o Brasil, por exemplo, poderia
fazer uma condenação pública do ato.
Caso Edward Snowden33 fotos
1º.set.2013
- Em reportagem do jornalista Glenn Greenwald para o jornal
"Fantástico", da TV Globo, o ex-técnico da CIA Edward Snowden revelou
que a presidente Dilma Rousseff e seus assessores foram alvos de
espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em
inglês). Segundo documentos mostrados por Greenwald, que mora no Rio de
Janeiro, o objetivo da NSA era "entender melhor" a comunicação da
presidente com sua equipe
Leia mais Roberto Stuckert Filho/PR.
Segundo a Folha, por causa da repercussão do caso e da irritação do
governo brasileiro, os Estados Unidos estariam cogitando apoiar o Brasil
à pretensão de ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da
ONU, algo que, na opinião dos especialistas, pouco adiantaria. "Neste
caso, não cabe uma resposta direta deste tipo. A ampliação do Conselho
de Segurança da ONU é uma questão de grande complexidade que não envolve
apenas os EUA e que depende de uma série de mudanças", disse Vigevani.
"Mesmo que o Brasil ganhe o apoio formal dos EUA, não necessariamente
isso teria impacto real no desejo brasileiro de assumir um posto
permanente no conselho. Os EUA têm dado muito esse tipo de cartada",
afirmou Pecequilo.
Para a professora, a grande lição que fica dessa denúncia é a de que o
Brasil precisa melhorar seus mecanismos de defesa. "Agora, o
investimento brasileiro deve ser o de aprimorar os mecanismos de defesa.
Investir mais em tecnologia para evitar mais episódios deste tipo. A
gente não pode ter a ilusão de que os EUA vão abrir mão de suas
prerrogativas de vigiar o mundo", disse.
"Cada governo tem as Malvinas que merece"
O professor e pesquisador de relações internacionais da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), José Augusto Guilhon Albuquerque,
concorda que os EUA não vão deixar de espionar, não importa qual seja a
reação do país espionado, mas avalia como "desproporcional" a posição
brasileira perante o incidente. "Não foi publicada nenhuma mensagem
interceptada. Não há nada do que eu vi até agora que prove que houve
espionagem da presidente, estamos falando de interpretações", afirma o
pesquisador.
"Política externa é uma coisa que você faz com diplomacia,
eventualmente faz com algum tipo de ameaça, mas quando há alguma coisa
vital em jogo; não há nada vital em jogo".
Albuquerque compara a reação brasileira à de outros países que podem
ter sido monitorados pela NSA, como a Alemanha, que cobrou uma
explicação, mas não foi além disso.
O pesquisador acredita que há excesso no envio de missões diplomáticas
brasileiras aos EUA para tomar satisfações e também na exigência feita
ao país de uma explicação por escrito. "Você pode até pedir a explicação
por escrito, mas não vai aos jornais para dizer [que fez] isso".
Na avaliação de Albuquerque, o excesso pode ter a ver com uma "questão
interna, doméstica", em referência à queda da popularidade de Dilma
Rousseff. "Você tentar criar uma unidade em torno do governo, a ideia de
que todos nós somos alvo de um inimigo poderoso, que é inimigo da
nação. (...) A Cristina Kirchner, quando está em dificuldade, com baixa
popularidade, desenterra a questão das Malvinas", afirma.
A possibilidade de cancelamento da viagem de Dilma aos EUA também
estaria fora dos limites do que é condizente com a política externa, na
opinião do pesquisador, assim como seria inadequado usar encontros
internacionais, como a Assembleia Geral da ONU, para fazer queixas sobre
espionagem.
O professor da Unicamp lembra que o Brasil, cujo discurso na abertura
da Assembleia já é uma tradição, marcou pontos para sua diplomacia
quando levou à plenária, no passado, as ideias de "democracia,
descolonização e desenvolvimento", o que não pode ser agora diminuído
por queixas de espionagem.
Quanto à afirmação do jornalista Greenwald de que "o Brasil é o grande
alvo dos Estados Unidos", o pesquisador acredita que o "Brasil não é e
nem tem condições de ser o principal objetivo da espionagem americana",
uma vez que China, Rússia e União Europeia são o que realmente interessa
à curiosidade dos serviços de inteligência.