quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Dilma não deveria cancelar viagem aos EUA, dizem especialistas

Gabriela Fujita e Thiago Varella
Do UOL, em São Paulo


A presidente Dilma Rousseff não deveria cancelar sua viagem para os Estados Unidos, marcada para o mês que vem, em represália à denúncia do jornalista americano Glenn Greenwald de que estaria sendo espionada pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês), na opinião de especialistas ouvidos pelo UOL.

Para Tullo Vigevani, professor de Relações Internacionais da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a presidente poderia transformar a viagem, ou pelo menos parte dela, em um palco para fazer uma reclamação contra o país.

"Em tese, a presidente poderia fazer em seu discurso ao Congresso americano uma denúncia. Teria certamente uma grande repercussão", afirmou Vigevani. "Claro que há problemas sérios de etiqueta e de cortesia e, por isso, não sei se esta atitude pode ser colocada na pauta da presidente."
A presidente Dilma irá aos Estados Unidos em outubro onde será recebida com honras de chefe de Estado, concedida pelos americanos a raras autoridades. A presidente cogita cancelar a viagem se não receber uma explicação formal do governo americano. O governo brasileiro deu o prazo de uma semana, a partir da última segunda-feira (2), para que o governo dos EUA esclareça as denúncias.

Nesta quinta-feira (5), o jornal "O Estado de S. Paulo" publicou que por determinação da presidente foi cancelada a viagem da equipe precursora que embarcaria neste sábado (7) para Washington com o propósito de organizar a viagem.

Vigevani considera que o cancelamento total da viagem até poderia marcar o repúdio brasileiro ao ato americano, mas poderia trazer consequências desagradáveis ao Brasil. "As relações com os Estados Unidos são muito importantes para o Brasil. O eventual cancelamento dessa viagem traria consequências, por exemplo, ao comércio entre os dois países", afirmou.

Para Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e autora do livro "Os Estados Unidos e o Século 21", a atitude em pouco ajudaria na contenda. "Acho que cancelar a viagem não traria nenhum ganho. Tem que ir até lá e mostrar a insatisfação", disse. "Deixar de ir seria apenas uma propaganda para públicos internos no Brasil. Para os EUA, não faria muita diferença."

Segundo os especialistas, a reclamação do governo brasileiro contra os Estados Unidos não irá impedir que o país siga vigiando o Brasil, mas é importante para que o país deixe claro que teve a soberania violada.
"O Brasil tem a obrigação de reclamar. As ações americanas são ilegais, ainda que ocorram normalmente pelo mundo. É preciso tomar medidas fortes, não com o objetivo de impedir a espionagem, mas para sinalizar que o Brasil é extremamente zeloso em relação a sua segurança e soberania", disse Tullo Vigevani, especialista em relações internacionais e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Na opinião do professor, o Brasil terá uma série de oportunidades de reclamar em público da violação americana. Uma delas ocorrerá na Assembleia Geral da ONU neste mês, onde o Brasil, por exemplo, poderia fazer uma condenação pública do ato.

Caso Edward Snowden33 fotos

1º.set.2013 - Em reportagem do jornalista Glenn Greenwald para o jornal "Fantástico", da TV Globo, o ex-técnico da CIA Edward Snowden revelou que a presidente Dilma Rousseff e seus assessores foram alvos de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês). Segundo documentos mostrados por Greenwald, que mora no Rio de Janeiro, o objetivo da NSA era "entender melhor" a comunicação da presidente com sua equipe Leia mais Roberto Stuckert Filho/PR.
 
Segundo a Folha, por causa da repercussão do caso e da irritação do governo brasileiro, os Estados Unidos estariam cogitando apoiar o Brasil à pretensão de ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, algo que, na opinião dos especialistas, pouco adiantaria. "Neste caso, não cabe uma resposta direta deste tipo. A ampliação do Conselho de Segurança da ONU é uma questão de grande complexidade que não envolve apenas os EUA e que depende de uma série de mudanças", disse Vigevani.

"Mesmo que o Brasil ganhe o apoio formal dos EUA, não necessariamente isso teria impacto real no desejo brasileiro de assumir um posto permanente no conselho. Os EUA têm dado muito esse tipo de cartada", afirmou Pecequilo.

Para a professora, a grande lição que fica dessa denúncia é a de que o Brasil precisa melhorar seus mecanismos de defesa. "Agora, o investimento brasileiro deve ser o de aprimorar os mecanismos de defesa. Investir mais em tecnologia para evitar mais episódios deste tipo. A gente não pode ter a ilusão de que os EUA vão abrir mão de suas prerrogativas de vigiar o mundo", disse.

"Cada governo tem as Malvinas que merece"

 

O professor e pesquisador de relações internacionais da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), José Augusto Guilhon Albuquerque, concorda que os EUA não vão deixar de espionar, não importa qual seja a reação do país espionado, mas avalia como "desproporcional" a posição brasileira perante o incidente. "Não foi publicada nenhuma mensagem interceptada. Não há nada do que eu vi até agora que prove que houve espionagem da presidente, estamos falando de interpretações", afirma o pesquisador.

"Política externa é uma coisa que você faz com diplomacia, eventualmente faz com algum tipo de ameaça, mas quando há alguma coisa vital em jogo; não há nada vital em jogo".

Albuquerque compara a reação brasileira à de outros países que podem ter sido monitorados pela NSA, como a Alemanha, que cobrou uma explicação, mas não foi além disso.

O pesquisador acredita que há excesso no envio de missões diplomáticas brasileiras aos EUA para tomar satisfações e também na exigência feita ao país de uma explicação por escrito. "Você pode até pedir a explicação por escrito, mas não vai aos jornais para dizer [que fez] isso".

Na avaliação de Albuquerque, o excesso pode ter a ver com uma "questão interna, doméstica", em referência à queda da popularidade de Dilma Rousseff. "Você tentar criar uma unidade em torno do governo, a ideia de que todos nós somos alvo de um inimigo poderoso, que é inimigo da nação. (...) A Cristina Kirchner, quando está em dificuldade, com baixa popularidade, desenterra a questão das Malvinas", afirma.

A possibilidade de cancelamento da viagem de Dilma aos EUA também estaria fora dos limites do que é condizente com a política externa, na opinião do pesquisador, assim como seria inadequado usar encontros internacionais, como a Assembleia Geral da ONU, para fazer queixas sobre espionagem.

O professor da Unicamp lembra que o Brasil, cujo discurso na abertura da Assembleia já é uma tradição, marcou pontos para sua diplomacia quando levou à plenária, no passado, as ideias de "democracia, descolonização e desenvolvimento", o que não pode ser agora diminuído por queixas de espionagem.

Quanto à afirmação do jornalista Greenwald de que "o Brasil é o grande alvo dos Estados Unidos", o pesquisador acredita que o "Brasil não é e nem tem condições de ser o principal objetivo da espionagem americana", uma vez que China, Rússia e União Europeia são o que realmente interessa à curiosidade dos serviços de inteligência.

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