‘Mais Médicos’ é só o começo de uma discussão que promete se acirrar
na próxima década em outros áreas e alcançar as empresas privadas.
Sem conseguir formar mão de obra qualificada no mesmo ritmo da
demanda, o Brasil precisará contar com o reforço do trabalho estrangeiro
contra o apagão já identificado nos ramos da engenharia,
desenvolvimento de sistemas de informática, saúde, produção de energia
eólica, construção naval, petróleo e gás e na indústria química, além da
educação.
“Enquanto não resolve esse déficit, o Brasil deve abrir o mercado
para a importação de mão de obra, o que ajudará o país a responder a
demanda”, defende o coordenador do Centro de Políticas Públicas do
Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Naércio Menezes Filho.
Concorda com ele, mas ressalvando que é necessária a criação de uma
política brasileira de desenvolvimento de mão de obra qualificada, o
professor de história econômica e economia brasileira Alexandre Freitas
Barbosa, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São
Paulo (USP).
“Não podemos ter uma postura xenófoba em relação aos trabalhadores
estrangeiros que vierem, no entanto, o país tem uma força de trabalho
capaz de ascender e muito boas universidades e escolas de ensino técnico
para formá-la”, afirma.
No 1º semestre DE 2013, o Brasil concedeu vistos de trabalho a 29,4
mil profissionais estrangeiros, respondendo à demanda das empresas em
solo brasileiro. Desse universo, 99%, tinham algum tipo de qualificação,
com destaque para profissionais com curso superior completo.
Naércio Filho, do Insper, comparou dados dos censos de 2000 e 2010.
Segundo ele, a área que menos experimentou expansão da oferta de
profissionais foi exatamente a medicina, que, como resposta à falta de
médicos, valorizou em 20% os salários no período. Outras áreas envolvem
as tecnologias e também a engenharia de modo geral. Também não houve
expansão da oferta para as ciências físicas e da terra, segmentos como
arquitetura e estatística. A pesquisa analisou 50 ramos de formação.
O ingresso de estrangeiros no mercado de trabalho do setor privado
joga pelo menos mais dois ingredientes no caldeirão que alimenta a
polêmica da importação de médicos. Para as empresas, manda a oferta e a
procura de mão de obra e qualquer contratação só é decidida depois de
comparados os custos da admissão e o retorno do investimento no
profissional.
Obstáculos
As empresas terão, ainda, de vencer o desafio da burocracia,
combinada à rigidez das normas de imigração, observa Hegel Botinha,
diretor comercial do grupo Selpe, especializado na contratação de
pessoal. Há seis meses, ele conduziu a tentativa de contratação de
profissionais do exterior por uma grande indústria, que acabou
desistindo. “O processo se tornou tão complicado e lento na esfera
pública que ficou inviável quando considerados os prazos e os custos que
a empresa teria”, afirma Botinha. A extensa documentação e as
justificativas exigidas para a concessão do visto se juntaram a uma
demora superior a três meses para uma única manifestação do Ministério
do Trabalho e Emprego sobre o pedido.
Para quem cruzou as fronteiras e encontrou campo fértil de trabalho,
estímulos não vão faltar aos estrangeiros, avalia o engenheiro turco
Enver Burak Kayacan, de 40 anos. Decidido a se aproveitar do período de
expansão da economia brasileira no começo dos anos 2000, ele chegou ao
Brasil em 2004, trabalhou em grandes indústrias, e dois anos mais tarde
abriu o negócio próprio, como representante da VITG, empresa
especializada em tecnologia da informação e serviços. Burak desembarcou
no país depois de ter trabalhado durante quatro anos nos Estados Unidos,
onde fez MBA em informática.
Recordando a chegada ao Brasil, ele não tem dúvidas, hoje, de que os
pontos fortes do currículo – a comunicação fluente na língua inglesa e a
experiência de trabalho no exterior – são justamente o que mais falta
aos profissionais brasileiros. “Eu vejo nessas deficiências o grande
problema. Para avançar na carreira no ramo da informática, é necessário o
domínio do inglês. A experiência de trabalho fora do país, com certeza,
também reforçaria muito o currículo do profissional brasileiro”,
afirma.
Marinella Castro e Marta Vieira
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