sábado, 21 de setembro de 2013

Decisão do Fed reabre ‘janela de oportunidade’ ao Brasil

Ao manter o estímulo à economia e os juros perto de zero, banco central dos EUA retira da cabeça dos países emergentes a espada da redução da liquidez, e o dinheiro estrangeiro tende a “voar de volta” a esses páises

Brasil Econômico - Léa de Luca 


A decisão tomada ontem pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) de manter o programa de compra de títulos e as taxas de juros limitadas a 0,25% para estimular a economia norte-americana surpreendeu a maior parte dos mercados no mundo. A medida foi comemorada especialmente pelos países emergentes, que vinham sofrendo com a saída de recursos estrangeiros.
Alex Brandon/AP
Ben Bernanke, presidente do Fed, adiou o começo do fim do QE
Jim O’Neill, criador do termo BRICs (para os países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China) considerou a notícia positiva para esses países, ao menos, no curto prazo. “Vai ajudar muito os mercados emergentes”, disse ao Brasil Econômico o executivo, que até abril era presidente da gestora de recursos do Goldman Sachs. “No curto prazo, certamente o dinheiro de investidores estrangeiros vai voar de volta ao Brasil.” O’Neill era um dos poucos especialistas que não estavam preocupados com a retirada dos estímulos por parte do Fed. “Uma hora, isso vai acontecer. Os mercados se preocupam demais com tudo”, disse.

Para o fundador da Integral Investimentos e da Integral Trust Serviços, Carlos Fagundes, a decisão de adiar o desmonte do programa de estímulos abre uma janela de oportunidade para o Brasil. O executivo, pioneiro em trazer para o país o mercado de fundos de recebíveis, participou ontem de uma assembleia de acionistas que deu aval para a constituição de um novo fundo, para captar R$ 1,2 bilhão. Fagundes não pode ainda dar detalhes, mas demonstrou otimismo: “Com a notícia, vai ficar mais fácil conseguir o dinheiro dos investidores”, acredita. “No nosso negócio, estamos sempre olhando para taxas de juros de longo prazo, e um arrefecimento é muito positivo”, diz. Após o anúncio do Fed, o rendimento do título do Tesouro americano com vencimento em dez anos caiu 10 pontos-base, para 2,75%. O rendimento já esteve em 1,6%.

“Os mercados emergentes vão ficar na moda de novo - até a próxima reunião do Fed”, diz Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade Columbia (EUA) e professor do Ibmec.

A primeira reação dos mercados ontem já demonstrou o entusiasmo de investidores: enquanto a bolsa subiu, os juros futuros e o dólar caíam. O Fed vinha comprando US$ 85 bilhões em títulos do Tesouro e em hipotecas dos bancos americanos para injetar recursos e movimentar a economia após a crise de 2008.

Quando o presidente do Fed, Ben Bernanke, sinalizou pela primeira vez que iria começar a desmontar o programa, em 19 de maio, os mercados globais, principalmente emergentes, começaram a ajustar os juros, ações e moedas às possíveis consequências desse desmonte, principalmente para os emergentes. Depois de meses de ajustes, havia um consenso de que Bernanke iria anunciar ontem o começo do fim. A expectativa girava em torno de um corte de US$ 20 bilhões e de um sinal sobre a alta dos juros, que estão no mesmo patamar há cinco anos.

Mas isso não aconteceu, entre outras coisas, porque o Fed considerou que o crescimento dos Estados Unidos ainda não estava consistente. Na minuta divulgada logo após a reunião, o Fed disse que o nível de desemprego ainda estava alto e que a ligeira melhora era mais devido a menos gente procurando emprego do que a mais gente empregada. Com a decisão de ontem, sai do radar do mercado a expectativa de que o Fed diminua os estímulos neste ano. A autoridade monetária condiciona a redução a uma taxa de desemprego menor que 6,5%; ao mesmo tempo, projetam esta taxa entre 7,1% e 7,3% em 2013.

“Por mais que a notícia seja positiva a curto prazo para os mercados emergentes, tem um lado negativo. O mercado é movido por fatos e boatos. A alta recente do dólar, por exemplo, foi baseada em muita fumaça e pouco fogo. Ao adiar a decisão, o Fed reabre espaço para especulação”, diz João Augusto de Castro Neves, analista sênior para a América Latina da consultoria Eurasia, em Nova York. Para ele, sem um fato concreto, o discurso de Bernanke ganha mais relevância.

Para Neves, porém, o cenário estrutural de longo prazo está dado: cedo ou tarde, o fim do programa de estímulo do Fed vai chegar. Nesse momento, diz, haverá um rebalanceamento do equilíbrio entre as economias emergentes — que foram o grande motor do crescimento global nos últimos anos — e as desenvolvidas. O excesso de liquidez camufla ineficiências, diz ele, e quando a maré baixar para os emergentes, a necessidade de reformas ficará mais evidente. "A questão é apenas quando o ciclo vai começar".

Troyjo também vê um alívio, um oxigênio sobre a ameaça que vinha impondo um sofrimento extra aos emergentes - o que ele chamou de “bomba de sucção de liquidez” provocada pelo desmonte do programa de estímulos do Fed. “O Brasil vai ganhar tempo e espaço de manobra para fazer os ajustes necessários e ficar menos dependente de capital externo”, diz. Para ele, o sentimento negativo em relação ao Brasil desde junho vinha sendo alimentado por três fatores: as manifestações e protestos nas ruas contra o governo; a dificuldade do governo para retomar o tripé macroeconômico câmbio flutuante + metas de inflação + superávit fiscal; e mudança no panorama internacional de liquidez, dado pelo anúncio do Fed de que o começo do desmonte do programa de estímulos estava próximo. Para ele, a substituição desse tripé por uma nova matriz econômica não está funcionando.

O ex-secretário do Tesouro e atual presidente da gestora de recursos do Bradesco, Joaquim Levy concorda. “Se o Brasil aproveitar o espaço para fazer todos os ajustes que precisa, terá ganhado tempo para continuar desenvolvendo as concessões, atraindo mais investimento”, diz.

“Havia uma expectativa de redução simbólica para que o mercado já fosse se acostumando, no entanto, a manutenção é embasada em justificativas consistentes. Realmente, os últimos dados sinalizaram uma piora em vários setores e nas condições financeiras por causa dessa expectativa de diminuição”, diz Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria.

Para Tarcísio Souza Santos, diretor da faculdade de administração da Faap, a decisão de manutenção foi tomada após a percepção do erro gerado pelos boatos de que o Fed poderia iniciar a redução neste mês. “Depois destes boatos a moeda americana disparou ao redor do mundo, prejudicando a competitividade do país, essencial para a retomada da economia americana”. Para Troyjo, estamos vivendo uma distorção: “Estamos comemorando a fraqueza da economia americana. Hoje, não são mais as relações comerciais que importam, mas o mundo financeiro”, lamenta. 


Colaboraram Niviane Magalhães, Priscila Arroyo e Renata Batista

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