Ao manter o estímulo à economia e os juros perto de zero, banco central dos EUA retira da cabeça dos países emergentes a espada da redução da liquidez, e o dinheiro estrangeiro tende a “voar de volta” a esses páises
A decisão tomada ontem pelo Federal Reserve (Fed, o banco
central dos Estados Unidos) de manter o programa de compra de títulos e
as taxas de juros limitadas a 0,25% para estimular a economia
norte-americana surpreendeu a maior parte dos mercados no mundo. A
medida foi comemorada especialmente pelos países emergentes, que vinham
sofrendo com a saída de recursos estrangeiros.
Jim O’Neill, criador do termo BRICs (para os
países emergentes Brasil, Rússia, Índia e China) considerou a notícia
positiva para esses países, ao menos, no curto prazo. “Vai ajudar muito
os mercados emergentes”, disse ao Brasil Econômico o executivo, que até
abril era presidente da gestora de recursos do Goldman Sachs. “No curto
prazo, certamente o dinheiro de investidores estrangeiros vai voar de
volta ao Brasil.” O’Neill era um dos poucos especialistas que não
estavam preocupados com a retirada dos estímulos por parte do Fed. “Uma
hora, isso vai acontecer. Os mercados se preocupam demais com tudo”,
disse.
Para o fundador da Integral Investimentos e da Integral
Trust Serviços, Carlos Fagundes, a decisão de adiar o desmonte do
programa de estímulos abre uma janela de oportunidade para o Brasil. O
executivo, pioneiro em trazer para o país o mercado de fundos de
recebíveis, participou ontem de uma assembleia de acionistas que deu
aval para a constituição de um novo fundo, para captar R$ 1,2 bilhão.
Fagundes não pode ainda dar detalhes, mas demonstrou otimismo: “Com a
notícia, vai ficar mais fácil conseguir o dinheiro dos investidores”,
acredita. “No nosso negócio, estamos sempre olhando para taxas de juros
de longo prazo, e um arrefecimento é muito positivo”, diz. Após o
anúncio do Fed, o rendimento do título do Tesouro americano com
vencimento em dez anos caiu 10 pontos-base, para 2,75%. O rendimento já
esteve em 1,6%.
“Os mercados emergentes vão ficar na moda de novo - até a
próxima reunião do Fed”, diz Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da
Universidade Columbia (EUA) e professor do Ibmec.
A primeira reação dos mercados ontem já demonstrou o entusiasmo de investidores: enquanto a bolsa subiu, os juros futuros e o dólar caíam. O Fed vinha comprando US$ 85 bilhões em títulos do Tesouro e em hipotecas dos bancos americanos para injetar recursos e movimentar a economia após a crise de 2008.
Quando o presidente do Fed, Ben Bernanke, sinalizou pela
primeira vez que iria começar a desmontar o programa, em 19 de maio, os
mercados globais, principalmente emergentes, começaram a ajustar os
juros, ações e moedas às possíveis consequências desse desmonte,
principalmente para os emergentes. Depois de meses de ajustes, havia um
consenso de que Bernanke iria anunciar ontem o começo do fim. A
expectativa girava em torno de um corte de US$ 20 bilhões e de um sinal
sobre a alta dos juros, que estão no mesmo patamar há cinco anos.
Mas isso não aconteceu, entre outras coisas, porque o Fed
considerou que o crescimento dos Estados Unidos ainda não estava
consistente. Na minuta divulgada logo após a reunião, o Fed disse que o
nível de desemprego ainda estava alto e que a ligeira melhora era mais
devido a menos gente procurando emprego do que a mais gente empregada.
Com a decisão de ontem, sai do radar do mercado a expectativa de que o
Fed diminua os estímulos neste ano. A autoridade monetária condiciona a
redução a uma taxa de desemprego menor que 6,5%; ao mesmo tempo,
projetam esta taxa entre 7,1% e 7,3% em 2013.
“Por mais que a notícia seja positiva a curto prazo para
os mercados emergentes, tem um lado negativo. O mercado é movido por
fatos e boatos. A alta recente do dólar, por exemplo, foi baseada em
muita fumaça e pouco fogo. Ao adiar a decisão, o Fed reabre espaço para
especulação”, diz João Augusto de Castro Neves, analista sênior para a
América Latina da consultoria Eurasia, em Nova York. Para ele, sem um
fato concreto, o discurso de Bernanke ganha mais relevância.
Para Neves, porém, o cenário estrutural de longo prazo
está dado: cedo ou tarde, o fim do programa de estímulo do Fed vai
chegar. Nesse momento, diz, haverá um rebalanceamento do equilíbrio
entre as economias emergentes — que foram o grande motor do crescimento
global nos últimos anos — e as desenvolvidas. O excesso de liquidez
camufla ineficiências, diz ele, e quando a maré baixar para os
emergentes, a necessidade de reformas ficará mais evidente. "A questão é
apenas quando o ciclo vai começar".
Troyjo também vê um alívio, um oxigênio sobre a ameaça
que vinha impondo um sofrimento extra aos emergentes - o que ele chamou
de “bomba de sucção de liquidez” provocada pelo desmonte do programa de
estímulos do Fed. “O Brasil vai ganhar tempo e espaço de manobra para
fazer os ajustes necessários e ficar menos dependente de capital
externo”, diz. Para ele, o sentimento negativo em relação ao Brasil
desde junho vinha sendo alimentado por três fatores: as manifestações e
protestos nas ruas contra o governo; a dificuldade do governo para
retomar o tripé macroeconômico câmbio flutuante + metas de inflação +
superávit fiscal; e mudança no panorama internacional de liquidez, dado
pelo anúncio do Fed de que o começo do desmonte do programa de estímulos
estava próximo. Para ele, a substituição desse tripé por uma nova
matriz econômica não está funcionando.
O ex-secretário do Tesouro e atual presidente da gestora
de recursos do Bradesco, Joaquim Levy concorda. “Se o Brasil aproveitar o
espaço para fazer todos os ajustes que precisa, terá ganhado tempo para
continuar desenvolvendo as concessões, atraindo mais investimento”,
diz.
“Havia uma expectativa de redução simbólica para que o
mercado já fosse se acostumando, no entanto, a manutenção é embasada em
justificativas consistentes. Realmente, os últimos dados sinalizaram uma
piora em vários setores e nas condições financeiras por causa dessa
expectativa de diminuição”, diz Silvio Campos Neto, economista da
Tendências Consultoria.
Para Tarcísio Souza Santos, diretor da faculdade de
administração da Faap, a decisão de manutenção foi tomada após a
percepção do erro gerado pelos boatos de que o Fed poderia iniciar a
redução neste mês. “Depois destes boatos a moeda americana disparou ao
redor do mundo, prejudicando a competitividade do país, essencial para a
retomada da economia americana”. Para Troyjo, estamos vivendo uma
distorção: “Estamos comemorando a fraqueza da economia americana. Hoje,
não são mais as relações comerciais que importam, mas o mundo
financeiro”, lamenta.
Colaboraram Niviane Magalhães, Priscila Arroyo e Renata Batista
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