quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O filho rebelde virou dono de agência de viagens


Nos anos 80, Celso Garcia decepcionou o pai ao abandonar o curso de engenharia para estudar administração e cuidar de um programa de estágio no exterior. Hoje, ele é sócio da CI, uma agência de viagens para quem quer estudar em outros países

Yan Boechat, da
Fabiano Accorsi
Celso Garcia, da CI
Celso Garcia: "No começo, meu pai fcou decepcionado. Depois, ele se encheu de orgulho pela empresa que ajudei a criar"

São Paulo - Filho de um produtor de arroz do interior do Rio Grande do Sul, o gaúcho Celso Garcia, de 53 anos, parecia estar destinado a ser agrônomo ou engenheiro. "Meu pai queria que eu cuidasse da fazenda ou tivesse um emprego estável numa grande empresa", afirma.

Garcia chegou a cursar três anos de engenharia eletrônica, mas acabou causando uma decepção a seu pai ao desistir para estudar administração. Fascinado pelos programas de estágio no exterior dos quais muitos de seus colegas de faculdade participavam, ele passou a coordenar um programa de intercâmbio.

A experiência foi o ponto de partida para a criação da CI, agência de turismo voltada para estudantes que faturou 220 milhões de reais no ano passado. Neste depoimento a Exame PME, Garcia conta como foi abandonar os sonhos que a família criou para ele e viver a própria aventura.

"Nasci e cresci numa fazenda em Camaquã, município do interior gaúcho, às margens da Lagoa dos Patos. Ali aprendi de tudo um pouco sobre a vida no campo. Ajudava meu pai na lavoura de arroz e na criação de gado. Nem por isso descuidei da escola. Sempre fui o orgulho da família nos estudos. Meu pai sonhava em me ver formado em agronomia.

Acontece que não me agradava a ideia de passar a vida toda na fazenda. Então, meu pai me aconselhou a fazer uma faculdade e prestar concurso para trabalhar na Petrobras ou no Banco do Brasil. Ele fcou contente quando passei no vestibular para engenharia eletrônica, na época o curso mais disputado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Para meu pai, eu estava com o futuro encaminhado. Durante a faculdade, um amigo que estudava administração me falou de um programa de estágio no exterior. Fiquei interessado, mas havia poucas oportunidades para quem cursava engenharia. Descobri, no entanto, que existia uma entidade chamada Associação Internacional de Intercâmbio de Estudantes em Engenharia — Iaeste, na sigla em inglês.

Essa organização ficava em Zurique, na Suíça, e não tinha representante no Brasil. Decidi entrar em contato e me oferecer para abrir um escritório brasileiro. Não havia internet, e as chamadas telefônicas internacionais custavam caro. Por isso, mandei uma carta.

Pouco tempo depois, os responsáveis pela Iaeste responderam à carta. Disseram-me que já havia alguém interessado em representá-os. Era um professor da Faculdade de Engenharia Industrial, em São Paulo. Caso ele desistisse, eles me deixariam organizar o escritório brasileiro.

Marquei uma reunião com esse professor e viajei para encontrá-lo em São Paulo. Ele concordou em me deixar assumir a empreitada. Voltei para Porto Alegre e convenci o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul a apoiar a criação da Iaeste no Brasil. 

Isso aconteceu quando eu estava no terceiro ano de engenharia. Gostava de física e de matemática, mas isso não era sufciente para ser um bom engenheiro. Eu não me identificava com a profissão. Tomei a decisão de abandonar o curso e prestar vestibular para administração.

Foi um choque para minha família e uma decepção para meu pai. Ele não via o curso de administração com bons olhos. Para meu pai, bons alunos estudavam medicina, direito ou engenharia.

Fiz vestibular para administração e passei. Antes de as aulas começarem, fui convidado para participar do encontro mundial da Iaeste em Tóquio. Isso foi em 1982. A passagem para o Japão custava 3.500 dólares, uma pequena fortuna para a época.

Algum tempo antes, minha família havia me dado um Passat de presente. Era um carro lindo. Eu o vendi por 7.000 dólares. Meu pai ficou bravo e passou meses sem falar comigo. Com o dinheiro, fui ao Japão. Passei dois meses viajando fora do país. O trabalho com a Iaeste não era remunerado.

Mesmo assim, foi uma experiência incrível. Passei todo curso de administração coordenando estágios internacionais para estudantes de engenharia. Lidava o tempo todo com os estrangeiros que vinham fazer intercâmbio no Brasil e com o pessoal das empresas onde os brasileiros iam fazer estágio.

Uma das pessoas que conheci graças à Iaeste foi Victor Hugo Baseggio. Ele foi um dos primeiros estudantes selecionados para um estágio no exterior. Depois, Baseggio ficou morando na Inglaterra e perdemos contato.

Eu me formei e, em 1988, estava trabalhando numa empresa de pesquisas em São Paulo quando o reencontrei. Vivíamos momentos parecidos. Ambos estávamos infelizes com nosso emprego e começamos a pensar em abrir um negócio próprio. Nós tínhamos em comum a experiência com intercâmbio — eu como representante da Iaeste e ele como ex-estagiário.

Percebemos uma oportunidade a ser aproveitada. A maioria dos estudantes não era bem atendida pelas agências de viagens, mais interessadas em vender pacotes para turistas. Embora não entendêssemos nada do mercado de turismo, decidimos abrir uma agência para atender esse pessoal.

Pedimos demissão do emprego e alugamos uma salinha no bairro paulistano de Higienópolis. Foi assim que abrimos a CI. No fim dos anos 80, uma das principais dificuldades para quem queria fazer intercâmbio era o preço das passagens aéreas. Custava caro viajar para o exterior.

Ficávamos o tempo todo pensando em alternativas mais baratas para viajar. Com isso, atraímos clientes que, de outra forma, não teriam condições de estudar ou fazer estágio fora do país. Firmamos um acordo com algumas companhias aéreas para vender passagens pela metade do preço para estudantes.

Para quem ia fazer intercâmbio na Europa, oferecíamos uma passagem da Linhas Aéreas Paraguaias — companhia que não existe mais — de São Paulo para Madri. De lá, os estudantes iam de trem até seu destino. 

Desde o começo, ficou claro que a missão da CI era ser uma agência de viagens para estudantes. Além dos pacotes de intercâmbio, começamos a oferecer outras opções que poderiam atrair quem estava na faculdade, como cursos de idioma no exterior. 

No início dos anos 90, a CI estava crescendo, e começaram a chegar propostas de empreendedores interessados em abrir fliais em várias cidades do país. Tivemos duas experiências, mas não deram muito certo. Baseggio e eu começamos então a estudar como funcionava o modelo de franquias.

Em 92, a CI se transformou em franqueadora. Abrimos unidades em vários estados brasileiros e ampliamos nossa presença na Grande São Paulo. As franquias foram fundamentais para o crescimento da empresa na segunda metade dos anos 90, quando o dólar e o real passaram a valer quase a mesma coisa.

As viagens internacionais ficaram mais acessíveis para os brasileiros, e as receitas da CI se expandiram rapidamente. Nos últimos dez anos, Baseggio e eu investimos para reforçar o foco da empresa na prestação de serviços para quem pretende passar uma temporada no exterior, estudando, trabalhando ou até em uma atividade voluntária.

Nosso negócio não é simplesmente vender passagens aéreas, pacotes turísticos ou uma vaga num curso. Hoje em dia, não são só jovens e adolescentes que fazem intercâmbio — temos programas para crianças de 9 anos que passam até um mês no exterior, longe da família. Uma empresa como a CI não vai para a frente se não transmitir segurança para o mercado. 

Nosso projeto é chegar a 2015 com 100 lojas. Até lá, planejamos dobrar o faturamento. Às vezes, lembro do Passat que vendi nos anos 80 para bancar minha viagem ao Japão. Foi um momento que mudou minha vida. Naquele dia comecei a me tornar empreendedor.

Lembro também do meu pai, que já morreu. No começo, ele ficou bravo e decepcionado comigo — mas, com o tempo, se encheu de orgulho ao ver a empresa que ajudei a criar com meu sócio. 

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