Nos anos 80, Celso Garcia decepcionou o pai ao abandonar o curso de engenharia para estudar administração e cuidar de um programa de estágio no exterior. Hoje, ele é sócio da CI, uma agência de viagens para quem quer estudar em outros países
Celso Garcia: "No começo, meu pai fcou decepcionado. Depois, ele se encheu de orgulho pela empresa que ajudei a criar"
São Paulo - Filho de um produtor de arroz do interior do Rio Grande do
Sul, o gaúcho Celso Garcia, de 53 anos, parecia estar destinado a ser
agrônomo ou engenheiro. "Meu pai queria que eu cuidasse da fazenda ou tivesse um emprego estável numa grande empresa", afirma.
Garcia chegou a cursar três anos de engenharia eletrônica, mas acabou
causando uma decepção a seu pai ao desistir para estudar administração.
Fascinado pelos programas de estágio no exterior dos quais muitos de seus colegas de faculdade participavam, ele passou a coordenar um programa de intercâmbio.
A experiência foi o ponto de partida para a criação da CI, agência de turismo
voltada para estudantes que faturou 220 milhões de reais no ano
passado. Neste depoimento a Exame PME, Garcia conta como foi abandonar
os sonhos que a família criou para ele e viver a própria aventura.
"Nasci e cresci numa fazenda em Camaquã, município do interior
gaúcho, às margens da Lagoa dos Patos. Ali aprendi de tudo um pouco
sobre a vida no campo. Ajudava meu pai na lavoura de arroz e na criação
de gado. Nem por isso descuidei da escola. Sempre fui o orgulho da
família nos estudos. Meu pai sonhava em me ver formado em agronomia.
Acontece que não me agradava a ideia de passar a vida toda na
fazenda. Então, meu pai me aconselhou a fazer uma faculdade e prestar
concurso para trabalhar na Petrobras ou no Banco do Brasil. Ele fcou
contente quando passei no vestibular para engenharia eletrônica, na
época o curso mais disputado da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul.
Essa organização ficava em Zurique, na Suíça, e não tinha representante no Brasil. Decidi entrar em contato e me oferecer para abrir um escritório brasileiro. Não havia internet, e as chamadas telefônicas internacionais custavam caro. Por isso, mandei uma carta.
Pouco tempo depois, os responsáveis pela Iaeste responderam à
carta. Disseram-me que já havia alguém interessado em representá-os.
Era um professor da Faculdade de Engenharia Industrial, em São Paulo.
Caso ele desistisse, eles me deixariam organizar o escritório
brasileiro.
Marquei uma reunião com esse professor e viajei para encontrá-lo em São
Paulo. Ele concordou em me deixar assumir a empreitada. Voltei para
Porto Alegre e convenci o reitor da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul a apoiar a criação da Iaeste no Brasil.
Isso aconteceu quando eu estava no terceiro ano de engenharia.
Gostava de física e de matemática, mas isso não era sufciente para ser
um bom engenheiro. Eu não me identificava com a profissão. Tomei a
decisão de abandonar o curso e prestar vestibular para administração.
Foi um choque para minha família e uma decepção para meu pai. Ele não via o curso de administração com bons olhos. Para meu pai, bons alunos estudavam medicina, direito ou engenharia.
Fiz vestibular para administração e passei. Antes de as aulas
começarem, fui convidado para participar do encontro mundial da Iaeste
em Tóquio. Isso foi em 1982. A passagem para o Japão custava 3.500
dólares, uma pequena fortuna para a época.
Algum tempo antes, minha família havia me dado um Passat de
presente. Era um carro lindo. Eu o vendi por 7.000 dólares. Meu pai
ficou bravo e passou meses sem falar comigo. Com o dinheiro, fui ao
Japão. Passei dois meses viajando fora do país. O trabalho com a Iaeste
não era remunerado.
Mesmo assim, foi uma experiência incrível. Passei todo curso de
administração coordenando estágios internacionais para estudantes de
engenharia. Lidava o tempo todo com os estrangeiros que vinham fazer
intercâmbio no Brasil e com o pessoal das empresas onde os brasileiros
iam fazer estágio.
Uma das pessoas que conheci graças à Iaeste foi Victor Hugo Baseggio.
Ele foi um dos primeiros estudantes selecionados para um estágio no
exterior. Depois, Baseggio ficou morando na Inglaterra e
perdemos contato.
Eu me formei e, em 1988, estava trabalhando numa empresa de pesquisas
em São Paulo quando o reencontrei. Vivíamos momentos parecidos. Ambos
estávamos infelizes com nosso emprego e começamos a pensar em abrir um
negócio próprio. Nós tínhamos em comum a experiência com intercâmbio —
eu como representante da Iaeste e ele como ex-estagiário.
Pedimos demissão do emprego e alugamos uma salinha no bairro paulistano
de Higienópolis. Foi assim que abrimos a CI. No fim dos anos 80, uma
das principais dificuldades para quem queria fazer intercâmbio era o
preço das passagens aéreas. Custava caro viajar para o exterior.
Ficávamos o tempo todo pensando em alternativas mais baratas para
viajar. Com isso, atraímos clientes que, de outra forma, não teriam
condições de estudar ou fazer estágio fora do país. Firmamos um acordo
com algumas companhias aéreas para vender passagens pela metade do preço
para estudantes.
Para quem ia fazer intercâmbio na Europa, oferecíamos uma passagem da
Linhas Aéreas Paraguaias — companhia que não existe mais — de São Paulo
para Madri. De lá, os estudantes iam de trem até seu destino.
Desde o começo, ficou claro que a missão da CI era ser uma agência de
viagens para estudantes. Além dos pacotes de intercâmbio, começamos a
oferecer outras opções que poderiam atrair quem estava na
faculdade, como cursos de idioma no exterior.
No início dos anos 90, a CI estava crescendo, e começaram a chegar
propostas de empreendedores interessados em abrir fliais em várias
cidades do país. Tivemos duas experiências, mas não deram muito certo.
Baseggio e eu começamos então a estudar como funcionava o modelo de franquias.
Em 92, a CI se transformou em franqueadora. Abrimos unidades em vários
estados brasileiros e ampliamos nossa presença na Grande São Paulo. As
franquias foram fundamentais para o crescimento da empresa na
segunda metade dos anos 90, quando o dólar e o real passaram a valer
quase a mesma coisa.
As viagens internacionais ficaram mais acessíveis para os brasileiros, e
as receitas da CI se expandiram rapidamente. Nos últimos dez anos,
Baseggio e eu investimos para reforçar o foco da empresa na prestação de
serviços para quem pretende passar uma temporada no exterior,
estudando, trabalhando ou até em uma atividade voluntária.
Nosso negócio não é simplesmente vender passagens aéreas, pacotes
turísticos ou uma vaga num curso. Hoje em dia, não são só jovens e
adolescentes que fazem intercâmbio — temos programas para crianças de 9
anos que passam até um mês no exterior, longe da família. Uma
empresa como a CI não vai para a frente se não transmitir segurança para
o mercado.
Nosso projeto é chegar a 2015 com 100 lojas. Até lá, planejamos
dobrar o faturamento. Às vezes, lembro do Passat que vendi nos anos 80
para bancar minha viagem ao Japão. Foi um momento que mudou minha
vida. Naquele dia comecei a me tornar empreendedor.
Lembro também do meu pai, que já morreu. No começo, ele ficou bravo e
decepcionado comigo — mas, com o tempo, se encheu de orgulho ao ver a
empresa que ajudei a criar com meu sócio.
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