Empresas campeãs, como Ambev, Bradesco, Burger King, Danone, Netshoes, Pepsico, Seara, Sky, TIM e Unilever, criam um programa de benefícios que pode colocar R$ 1 bilhão por ano no futebol brasileiro - e ainda salvar seu time
Por Ralphe MANZONI Jr.
Assista à entrevista com o editor Ralphe Manzoni Jr.
Era uma tarde ensolarada de domingo no fim de julho, em Belo
Horizonte. O estádio do Mineirão, recém-reformado para os jogos da Copa
do Mundo, contava com um público de 36 mil espectadores para assistir ao
clássico regional Cruzeiro versus Atlético, pela 9ª rodada do
Campeonato Brasileiro. Antes da partida, de forma surpreendente, um
carro-forte “invade” o gramado com os dizeres “Patrimônio do Sócio do
Futebol” e estaciona atrás de um dos gols. Quando sua porta é aberta, o
meia-atacante Júlio Baptista, a nova contratação do time azul e branco,
aparece saudando os torcedores.
Ex-jogador da Seleção Brasileira e do Málaga, da Espanha, o atleta
de 31 anos volta ao Brasil na condição de estrela e com um salário
estimado em mais de R$ 500 mil mensais. A compra de seus direitos, no
entanto, só foi possível graças ao programa sócio-torcedor do Cruzeiro,
cujo número de associados multiplicou-se por cinco desde janeiro deste
ano. Hoje, são 35 mil fanáticos da Raposa, como é conhecido o time
celeste, que participam do programa, gerando uma receita anual de quase
R$ 28 milhões, inferior apenas à cota da televisão e superior ao
dinheiro gerado pela transferência de atletas, patrocínios e
publicidade, em 2012. “O sócio-torcedor é a redenção do clube”, afirma
Gilvan de Pinho Tavares, presidente do Cruzeiro.
“É uma receita fixa, ao contrário da incerteza da renda de
bilheteria.” Assim como o Cruzeiro, outros clubes brasileiros começam a
percorrer um caminho no qual os gaúchos Internacional e Grêmio estão
bastante avançados: transformar o torcedor em uma fonte estável e
crescente de recursos, reduzindo a dependência das cotas de tevê e dos
patrocínios. Nesse percurso, eles estão contando com a ajuda de dez
craques dos negócios. Uma seleção de executivos de empresas como Ambev,
Bradesco, Burger King, Danone, Netshoes, Pepsico, Seara, Sky, TIM e
Unilever entrou em campo com um programa de benefícios, batizado de
“Movimento por um futebol melhor”, que concede descontos em diversos
produtos e serviços para quem é sócio-torcedor.
A ambição desse time de elite não é pequena. “A Seleção Brasileira
já é a mais vitoriosa do mundo”, diz João Castro Neves, presidente da
Ambev, companhia que liderou a criação desse programa. “Acreditamos que
podemos investir aqui, ajudando os clubes a se tornarem mais fortes e
competitivos, para termos o melhor campeonato do mundo.” O esquema
tático bolado pelos “professores” das empresas é de uma simplicidade
surpreendente. Ao se associar a um programa de sócio-torcedor de seu
time, o torcedor adquire centenas de produtos e serviços com descontos
em diversas redes de supermercados, mediante apenas a apresentação do
número de seu CPF.
A lógica foi promover o que todos os executivos chamam de uma
relação ganha-ganha-ganha. O clube aumenta o número de sócios-torcedores
e, por consequência, cria uma nova fonte de receita capaz de manter
seus craques no Brasil – ou repatriar os que estão lá fora, como foi o
caso de Júlio Baptista. O torcedor, por sua vez, ajuda seu clube de
coração e pode receber de volta o dinheiro pago nas mensalidades, na
casa dos R$ 30, em compra de produtos. E, por fim, as empresas associam
suas imagens a um contingente de milhões de consumidores, que podem se
transformar em clientes fiéis – o sonho de todas elas.
“Antes comprava Coca-Cola, agora bebo Pepsi, que faz parte da
promoção”, afirma o mineiro Gustavo Bueno, estudante de direito e
torcedor do Cruzeiro, que tem conseguido uma média mensal de R$ 120 em
descontos – ele paga R$ 150, por mês, no programa Sócio do Futebol.
“Variava a cerveja que tomava antes do jogo, mas agora é só Brahma.” O
programa tem metas ambiciosas. O plano é chegar a um milhão de
sócios-torcedores até o fim deste ano. Em 2015, o objetivo é contar com
três milhões de adesões, o que pode resultar numa receita adicional de
R$ 1 bilhão aos cofres dos principais times brasileiros.
“A tendência é de que os programas de sócios se tornem a segunda
fonte de receita dos clubes, atrás apenas da cota de tevê”, diz Fernando
Ferreira, diretor da Pluri Consultoria, especializada em futebol. Os
primeiros resultados são animadores. Em janeiro deste ano, quando o
programa foi lançado, havia 160 mil sócios-torcedores. Hoje, são quase
600 mil, o que já rendeu uma receita adicional de R$ 80 milhões, segundo
estimativas. É um dinheiro que já está beneficiando os clubes. O
Flamengo, do Rio de Janeiro, por exemplo, saiu do zero para 37 mil
sócios-torcedores – a meta é ter 50 mil até o fim deste ano.
“Todo o dinheiro vai ser usado no futebol”, afirma Eduardo Bandeira
de Mello, presidente do Flamengo. Segundo ele, a contratação do
atacante Marcelo Moreno pelo clube da Gávea foi bancada por recursos
desse programa. O Cruzeiro saltou de sete mil sócios-torcedores para 35
mil. O zagueiro Dedé, que veio do Vasco carioca, foi apresentado à
torcida no supermercado Super Nosso, uma das redes regionais nas quais
os torcedores podem fazer compras com desconto. O Palmeiras, que tinha
nove mil sócios, hoje conta com quase 33 mil. “É uma fonte nova e muito
substancial de recursos no médio prazo”, afirma Paulo Nobre, presidente
do time paulista.
MENOS CARTOLAS, MAIS EXECUTIVOS O Brasil é o país
do futebol. O esporte bretão é uma paixão nacional. A Seleção Brasileira
é a única pentacampeã mundial. Dos nossos gramados nascem craques a
granel, que são exportados para todos os cantos do mundo – Neymar, o
mais recente deles, deixou o Santos pelo Barcelona. No entanto, esses
predicados não impedem a maioria dos clubes brasileiros de viver em uma
situação de penúria, quase falimentar, na maior parte das vezes. Suas
dívidas cresceram 358% em dez anos, chegando a R$ 5,5 bilhões em 2012,
de acordo com estimativa do consultor de marketing e gestão esportiva
Amir Somoggi.
Para complicar, a média de público no Campeonato Brasileiro foi de
apenas 13 mil torcedores por partida, em 2012, um terço da média da liga
alemã. Pior: os campeonatos nacionais dos Estados Unidos, da China, do
Japão e das segundas divisões da Inglaterra e Alemanha levam mais
torcedores aos estádios do que o Brasileirão. “Temos de melhorar a
organização das competições e o ambiente de negócios”, afirma Somoggi. A
boa notícia é que, mesmo com essas dificuldades, há sinais de que esse
quadro pode ser revertido. No ano passado, os 24 maiores clubes
brasileiros tiveram um superávit de R$ 20,1 milhões – 11 deles chegaram
mesmo a fechar no azul.
Parece pouco, mas é um alento quando se sabe que essas agremiações
reverteram um déficit de R$ 387,5 milhões de 2011, segundo pesquisa da
consultoria BDO. Em cinco anos, é a primeira vez que dão lucro, graças à
contabilização das receitas dos novos estádios do Palmeiras e do
Atlético/PR – sem elas, teriam um prejuízo de R$ 160,9 milhões, bem
menos que a metade do registrado no ano anterior. Por isso mesmo, a
inauguração das novas arenas para a Copa do Mundo é outro elemento que
ajuda a vislumbrar um cenário mais positivo no horizonte de curto prazo.
Confortáveis e com serviços de primeira linha, elas vão atrair mais
torcedores para os estádios – e ajudar a trazer mais receitas aos cofres
dos clubes.
“Todos os torcedores deveriam ser tratados como clientes VIP”, diz
Gerardo Molina, CEO da consultoria Euroamericas Sport Marketing. Nada
disso adiantaria se o futebol brasileiro não estivesse passando por uma
fase de profissionalização de seus dirigentes. Saem de cena os cartolas
folclóricos, ou simplesmente mal-intencionados, que usam o prestígio do
cargo para promoção e enriquecimento pessoal. Em seus lugares, os novos
presidentes trazem para dentro dos vestiários a experiência do mundo
corporativo (leia quadro “Choque de gestão”). Nobre, presidente do
Palmeiras, é investidor do mercado financeiro. Mello, do Flamengo, é um
ex-executivo do BNDES e conta com o apoio de uma equipe de empresários
na sua administração.
Entre eles, o executivo Luiz Eduardo Baptista, presidente da
operadora de tevê por assinatura Sky. No Santos, o hoje licenciado
presidente Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro criou um comitê gestor,
recheado de pesos-pesados do mercado financeiro e da indústria. Esse
quadro mais animador está por trás da iniciativa do “Movimento por um
futebol melhor”. Há dois anos, a Ambev começou a pesquisar formas de
deixar um legado para a Copa do Mundo, que fosse além do patrocínio
tradicional. Como é de praxe na cervejaria brasileira, executivos da
companhia saíram mundo afora em busca de modelos de sucesso, em especial
as experiências dos clubes espanhóis, italianos e britânicos, os mais
ricos do planeta bola.
Presente valioso: Júlio Baptista sai de dentro de um carro-forte e é apresentado
como atleta do Cruzeiro. O salário será pago pelos torcedores
“O que chamava a atenção era que uma fatia considerável dos times
contava com programas de sócios”, diz Marcel Marcondes, diretor da
Ambev.”Com a cota de tevê e o dinheiro do programa, eles se garantiam e
não precisavam vender jogadores.” Mas foi em Portugal que os homens da
cervejaria encontraram o exemplo perfeito para adaptar ao futebol
brasileiro: o Benfica. O time lisboeta criou um programa de benefícios
que o ajudou a ter a maior quantidade de sócios-torcedores do mundo
(saiba mais sobre como funciona esse programa ao final da reportagem em
"O que o Benfica pode ensinar aos clubes brasileiros"). De volta ao
Brasil, os executivos da Ambev encomendaram uma pesquisa para entender
por que os brasileiros não se associavam a um programa de
sócio-torcedor.
Afinal, diversos times já contavam com a iniciativa, mas poucos
deles atingiram o sucesso do Internacional e do Grêmio, de Porto Alegre.
A primeira constatação foi óbvia: os torcedores não confiavam em quem
iria gerir seu dinheiro. O segundo ponto mostrou que os clubes não
ofereciam vantagens aos torcedores para atraí-los, abrindo uma avenida
para que se aplicasse aqui o modelo do Benfica. Como a nova safra de
dirigentes que começava a comandar os principais times do País era mais
profissional, estava armado o cenário para a Ambev avançar com sua
estratégia. O passo seguinte foi bater na porta de grandes empresas.
O objetivo era contar com a maior rede de parceiros de qualidade
possível. “Ter uma operação de consumo no Brasil e não se conectar ao
futebol não parece lógico”, afirma Vasco Luce, presidente da divisão de
bebidas da Pepsico, uma das primeiras a aderir ao projeto. Em janeiro,
com a presença do craque Ronaldo Fenômeno, Ambev, Bradesco, Burger King,
Danone, Netshoes, Pepsico, Seara, Sky e Unilever (a TIM aderiu mais
tarde) colocaram em campo seu esquema tático para levar o futebol
brasileiro a um novo patamar. “O futebol ainda não é bem explorado no
Brasil”, diz Domingos Abreu, vice-presidente do Bradesco. “O torcedor
vibra, mas não contribui muito para o sucesso de seu clube.”
CONEXÃO EMOCIONAL “O futebol não é uma questão de
vida ou morte. É muito mais do que isso.” A frase atribuída ao jogador e
treinador de futebol escocês Bill Shankly exprime à perfeição a paixão
que move o esporte mais popular do mundo. Afinal, o nobre esporte bretão
é a coisa mais importante entre as coisas mais desimportantes, diz o
dito popular. Às vésperas da Copa do Mundo no Brasil,
estabelecer uma conexão emocional com milhões de torcedores é a
oportunidade de construir relações duradouras. Não custa
lembrar que o campeonato de seleções nacionais dura apenas um mês. O
amor dos torcedores pelos seus clubes é praticamente eterno.
“Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar”,
escreveu o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, tricolor de
quatro-costados. A maioria das empresas que aderiu ao “Movimento por um
futebol melhor” já mantinha uma relação com o futebol. Boa parte delas
patrocina alguns times. Outra fornece materiais esportivos. Algumas
compram cotas de televisão. Nenhuma, no entanto, estava tão próxima do
torcedor quanto agora. “Do ponto de vista de negócios, é importante
estar associado a algo com apego emocional para os brasileiros”, afirma o
argentino Fernando Fernandez, presidente da Unilever. “O futebol é um
veículo vital de comunicação de nossas marcas.”
Rodrigo Abreu, presidente da TIM, que estampa seu logo em diversas
camisas, concorda. “É uma maneira de apoiar não só o clube”, diz. “Mas o
ambiente de futebol de maneira mais integrada.” Apesar de ajudarem os
clubes de futebol, as companhias não estão apoiando o “Movimento por um
futebol melhor” apenas por benemerência. “Temos o sentido comercial”,
afirma Mariano Lozano, presidente da Danone. “Somos uma empresa e não
uma ONG.” Todas elas, de alguma forma, já apresentam resultados (leia os
quadros ao lado das fotos dos presidentes das empresas).
A Netshoes, maior site de venda online de artigos esportivos do
País, por exemplo, observou que o tíquete médio das vendas para os
sócios-torcedores é 7% maior. “O futebol mais organizado gera uma onda
positiva sobre outros esportes”, diz Márcio Kumruian, presidente da
Netshoes. “E isso gera um aumento de vendas de outras categorias
esportivas.” Como diria Neném Prancha, um roupeiro, massagista e técnico
que ganhou o apelido de O Filósofo do Futebol do jornalista Armando
Nogueira. “Futebol é muito simples: quem tem a bola ataca, quem não tem
defende.” As empresas foram para o ataque. O gol delas está ajudando o
seu time.
Choque de gestão
“Os dirigentes têm uma vaidade muito grande em ganhar títulos e
destruir as contas.” A frase é de Paulo Nobre, presidente do Palmeiras,
que herdou um time endividado e rebaixado para a segunda divisão do
futebol brasileiro. Nobre, no entanto, faz parte de uma nova geração de
dirigentes que está descobrindo o óbvio: uma gestão profissional não só
ajuda a equilibrar as contas como também a ganhar títulos. Por essa
razão, práticas do mundo corporativo começam a fazer parte do dia a dia
dos clubes.
No Palmeiras, Nobre resolveu estabelecer uma nova forma de pagar o
“bicho”, prêmio extra que os atletas recebem quando a equipe vence.
Seguindo uma norma do mercado financeiro, de onde vem o dirigente, os
atletas agora recebem uma quantia pequena por partida. Caso a equipe
atinja as metas estabelecidas, o prêmio é maior, uma espécie de bônus,
como acontece em grandes empresas. “Eles entenderam a lógica”, afirma
Nobre. No Flamengo, comandado por Eduardo Bandeira de Mello,
ex-executivo do BNDES, a regra é austeridade fiscal total. A ordem foi
cortar os custos em 40% e fazer caixa para pagar as dívidas estimadas em
mais de R$ 750 milhões. “Entregamos o primeiro escalão do Flamengo à
administração profissional”, diz Mello.
O que o benfica pode ensinar aos clubes brasileiros
Qual o time com a maior quantidade de sócios do mundo: Barcelona,
Manchester United ou Bayer de Munique? Nenhum deles. A honraria cabe ao
português Benfica, que conta com 231 mil sócios-torcedores, num país com
uma população muito menor do que a da Espanha, Inglaterra ou Alemanha. A
forma como o clube lisboeta conseguiu essa façanha pode ensinar muito
às agremiações brasileiras. Em 2004, seus diretores fizeram uma pesquisa
e descobriram que havia poucas razões para ser sócio do clube. De forma
resumida, os interessados tinham uma forte relação emocional com o
time, votavam na escolha do presidente e ganhavam descontos nas compras
do ingresso. “Entendemos que era muito pouco”, afirma Miguel Bento,
diretor-comercial e de marketing do Benfica.
Para atrair aqueles que não são fanáticos, o clube definiu uma
estratégia de parcerias. A lógica era simples: criar uma rede de
empresas que dão benefícios para quem é sócio do Benfica. Além disso, o
clube criou um kit sócio distribuído em mais de mil pontos de vendas,
incluindo supermercados. “O que fizemos foi tornar estupidamente fácil
ser sócio do Benfica”, diz Bento. Em apenas seis meses, o número de
sócios saltou de 94 mil para 156 mil. O segredo do clube lisboeta foi
construir uma rede eclética de parceiros, que inclui desde postos de
gasolina e lanchonetes a restaurantes simples da capital portuguesa. Até
uma agência funerária, a ServiLusa, oferece descontos para os sócios.
A rede de postos de gasolina Repsol é a mais utilizada.
Mensalmente, 70 mil sócios abastecem seus carros nela. Desse universo,
56 mil são clientes fiéis, de acordo com Bento. “A mensagem que passamos
é que os novos sócios poderiam pagar sua cota com os descontos”, afirma
Bento. Tão importante quanto a rede de parceiros foi criar um sistema
de débito automático. “Se o Benfica não ganha, há muitas razões para o
torcedor não pagar suas mensalidades”, diz Bento. E, ultimamente, o
clube vermelho e branco não está em sua melhor fase. No século XXI,
venceu apenas duas vezes o campeonato português. Anualmente, os
sócios-torcedores acrescentam o equivalente a R$ 42 milhões aos cofres
do Benfica. “É a nossa Liga dos Campeões”, diz Bento, referindo-se ao
principal torneio europeu de clubes, vencido pelo Benfica em duas
ocasiões, na década de 1960.
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