Segundo Renato Meirelles, do Data Popular, serviços mais caros e enriquecimento das classes C e D geram desconforto entre os endinheirados
Na última semana, o lançamento do iPhone 5C
levantou uma polêmica entre usuários nas redes sociais. Com a Apple
dedicando esforços à popularização de seus produtos, houve quem
reclamasse que os smartphones da marca, antes restritos a uma minoria
privilegiada, virariam “coisa de pobre”.
O aparelho não tem nada de "pobre" – as versões
desbloqueadas do aparelho custarão no mínimo US$ 549 (cerca de R$ 1,3
mil), um preço suficientemente impeditivo frente aos principais
concorrentes. No entanto, o movimento nas redes fez lembrar o lançamento
do Instagram para Android, quando um coro de usuários dizia temer pelas
fotos que “infestariam” a rede.
A questão não é a qualidade do produto ou do serviço, mas
o status que o uso dessas ferramentas agrega. O fato é que as classes
mais altas andam muito incomodadas com o enriquecimento dos chamados
emergentes, principalmente porque sentem o peso da perda da
“exclusividade”.
Essa é uma das percepções de Renato Meirelles, presidente
do Data Popular, consultoria de pesquisas especializada nas classes
emergentes. “Não tenho dúvidas que é a perda da exclusividade que está
incomodando esses consumidores”, afirma.
Entre 2010 e 2011, segundo dados da pesquisa O Observador
, a renda média disponível para as classes C e D aumentou 50%. A renda
dos mais pobres cresceu três vezes mais que a renda dos mais ricos nos
últimos dez anos. Naturalmente, a maior parte do que era acessível
apenas a alguns privilegiados já está ao alcance dos emergentes. “Hoje é
comum, por exemplo, empregada e patroa usarem o mesmo perfume. O
exclusivo está cada vez mais democrático”, explica.
Para completar, esse crescimento desproporcional da renda
coloca os mais ricos em situação ainda mais desfavorável: diante da
inflação de serviços, o dinheiro da classes A e B já não comporta
grandes gastos. “Agora para o mais rico adquirir o produto ou serviço
‘exclusivo’, vai precisar desembolsar um dinheiro que não tem”, diz
Meirelles. “Os mais ricos têm a sensação de que saíram perdendo.”
Erro de avaliação
Na última semana, no C4 (Congresso de Cartões e
Crédito ao Consumidor), a consultoria de pesquisas Data Popular exibiu
um vídeo em que apresentava entrevistas de cidadãos comuns – de classes A
e B – falando sobre o “incômodo” que a popularização dos serviços
provocava no seu dia a dia. ”Incomoda ver como as pessoas entram nos
aviões carregando coisas absurdas”, diz uma senhora. “Empresas como a
CVC acabaram como a nossa boa vida. Viajar de avião não é mais classe
A”, afirmou outro rapaz.
Esse grupo, no entanto, muitas vezes ignora que boa parte
desses emergentes de fato já são mais ricos que eles. Meirelles destaca
que 44% das pessoas que compõe as classes A e B são os primeiros ricos
da família.
“São pessoas com histórico de classe C, com jeito de
pensar de classe C, mas que têm renda muitas vezes até maior que o
'rico' que reclama”, diz.“Um dono de padaria ou mercadinho de bairro,
por exemplo, fatura R$ 100 mil por mês. O engenheiro ou advogado quase
nunca tira tudo isso.”
É no histórico que mora a principal diferença. Enquanto
no passado o novo rico costumava esconder sua origem, hoje ele se
orgulha de sua trajetória e já não tem mais as classes A e B como
referência inconteste.
“Quem acha que a aspiração da classe C é ser classe A
está enganado”, afirma Meirelles ressaltando que a lógica social das
duas classes são inversas. “Enquanto a classe C trabalha na lógica da
inclusão, a elite trabalha na lógica exclusividade. Os mais ricos
esperavam que esse novo público os tivesse como exemplo de
comportamento, mas isso não aconteceu.”
Há um processo de acomodação em curso. Segundo os
prognósticos do Data Popular, na próxima década, as classe A e B vão
crescer duas vezes mais que a classe C. Com isso, empresas de todo o
País estão em busca de novos modelos de operação, de forma a atender
eficientemente os novos clientes.
Nesse novo contexto, as aspirações perdem espaço para as inspirações.
“O indivíduo deixa de usar o consumo para mostrar algo
que não é, preferindo ferramentas que o façam uma pessoa melhor”,
afirma. Mesmo que já estejam significativamente mais próximas dessa nova
realidade, as empresas ainda não entenderam completamente quem é esse
novo rico – e seus principais comportamentos de consumo.
Para Meirelles, o perfil do novo rico brasileiro está
mais alinhado com o que se vê nos Estados Unidos – onde a pauta central é
do consumo e da cultura do espetáculo. Esse formato é oposto ao modelo
europeu, por exemplo, que valoriza o capital cultural, social e
acadêmico.
Por aqui, Meirelles aposta na terceira via.
“Temos esse traço na nossa cultura, de aproveitar todas
as experiências e mostrar um caminho com a nossa cara”, diz. “Vejo dois
componentes a mais no nosso contexto: a flexibilidade do brasileiro e a
vontade de reduzir os pontos de conflito.”
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