Cansadas de disputar clientes em shoppings de São Paulo, as empresas de luxo estão descobrindo o consumidor do interior do país — que, rico como nunca, quer mesmo é esbanjar
O advogado Rezende e a noiva, Nathany: Ferrari e avião de 18 milhões de reais
São Paulo - Mostrar que venceu na vida é a atividade predileta do advogado goiano Djalma Rezende. Aos 60 anos, tem um Porsche e uma Ferrari
na garagem, um lustre de cristal Baccarat pendurado na sala e uma noiva
de 22 anos, a estudante de direito Nathany Mendes, nos braços.
Em dezembro de 2012, ele se deu de presente um jatinho da italiana
Piaggio Aero — marca que produz o avião da Ferrari —, avaliado em 18
milhões de reais. “Fui criado na roça e hoje faço questão de consumir o
que há de melhor”, diz, com o orgulho típico dos novos-ricos.
Especialista em disputas de terra, Rezende fez fortuna ao atender
fazendeiros e empresários da região. Entre seus clientes estão alguns
dos empresários mais poderosos de Goiás, como Marcelo Henrique Limírio, fundador do laboratório Neo Química, e João Alves de Queiroz Filho, dono da empresa de bens de consumo Hypermarcas.
Até pouco tempo atrás, ele costumava — as agruras dessa vida! — ir a
São Paulo ou a Miami para torrar seu dinheiro em roupas, joias e vinhos.
Mas, de dois anos para cá, as coisas ficaram mais fáceis para Rezende.
Sua região ganhou empórios, joalherias e butiques. Seu avião, por
exemplo, foi comprado em Uberlândia, a 360 quilômetros de sua casa, em Goiânia.
“Encontro quase tudo por aqui. Até caixa de Château Pétrus já dá para
comprar em Goiânia”, afirma, referindo-se a um dos vinhos mais caros do
mundo. As empresas de luxo estão
descobrindo o óbvio: o interior do país nunca foi tão coalhado de gente
rica — e disposta a gastar e a ostentar de um jeito que pegaria mal em
cidades grandes.
As vendas do mercado de luxo no Brasil triplicaram nos últimos sete
anos. Chegaram a 20,7 bilhões de reais em 2012. A expectativa é que haja
um crescimento de 10% a 20% ao ano até 2020, segundo a consultoria MCF.
Mais de 40 grifes internacionais — como a francesa Hermès e a italiana Prada — começaram a operar no país desde 2009.
Nos primeiros anos, era natural que essas marcas se estapeassem para conquistar os maiores mercados do país, São Paulo e Rio de Janeiro. A construção de shoppings como
Cidade Jardim e JK Iguatemi, em São Paulo, é um reflexo disso. Mas, com
a concorrência apertando, fica mais difícil alcançar as metas de vendas
impostas pelas matrizes. O jeito tem sido ir atrás dos ricaços do
interior.
O estado de São Paulo ainda concentra 49% dos milionários brasileiros,
mas é no interior e nas cidades médias que o número de ricos mais
cresce, segundo um levantamento do banco americano Haliwell,
especializado em gestão de fortunas. De acordo com as contas do
Haliwell, o número de moradores do Centro-Oeste com pelo menos 1 milhão de dólares disponível na conta cresceu 10% nos últimos dois anos.
Em Cuiabá, o crescimento chegou a 23%. Cidades médias de outras regiões, como Porto Velho
e Campina Grande, também estão entre as que mais ganharam milionários —
em termos relativos, claro. Isso acontece porque, enquanto Rio de
Janeiro e São Paulo têm uma economia diversificada e acabam refletindo o
desempenho do PIB do país, o interior é influenciado por fenômenos locais.
O maior exemplo é a agropecuária, que cresceu 13% nos últimos 12 meses e tem feito sobrar dinheiro em diversos estados do país.
As empresas de luxo, como consequência, nunca atacaram em tantas
frentes. Em outubro de 2012, o shopping RioMar, em Recife, foi
inaugurado com lojas da inglesa Burberry e da alemã Hugo Boss. Em setembro, será aberto o Pátio Batel, em Curitiba, com a francesa Louis Vuitton e a joalheria americana Tiffany.
É um mundo novo para as grifes, que são obrigadas a inventar formas de
se aproximar da clientela. Em março, a grife italiana Ermenegildo Zegna
despachou para Recife um vendedor italiano para mostrar aos pernambucanos que a empresa sabe fazer ternos apropriados ao clima do Nordeste.
Os 30 ternos encomendados foram feitos na Itália e enviados de volta
com uma etiqueta bordada com o nome de cada cliente. As marcas também
passaram a organizar eventos para se apresentar aos novos-ricos. A
primeira-dama de Goiás, Valéria Perillo, organizou, em junho, um desfile
da joalheria Tiffany e da estilista americana Diane von Furstenberg
para 350 convidados.
A Tiffany também escolheu a designer de interiores Leandra Gualberto
para ser sua embaixadora em Goiânia. No fim de agosto, ela reuniu em sua
mansão 80 socialites, que puderam comprar por 300 reais chaves
premiadas que abriam dez caixas de joias cedidas pela Tiffany. O
dinheiro foi doado para caridade — fazer caridade pega bem entre as
socialites.
Para chegar a essas novas regiões, as empresas enfrentam dificuldades
notórias. A marca suíça de relógios Jaeger Le-Coultre criou uma espécie
de comércio eletrônico personalizado. Se alguém no interior quer comprar
um relógio da grife, o vendedor entra num avião em São Paulo e vai até
ele (essa trabalheira toda só faz sentido porque cada relógio custa pelo
menos 20 000 reais).
Para diluir seus custos, a fabricante italiana de iates Ferretti, que
vende barcos de até 50 milhões de reais, fechou parcerias para oferecer
em suas lojas carros da Rolls-Royce,
imóveis e relógios suíços. Já a Louis Vuitton, com sete lojas no país,
adotou outra estratégia: lançou sua loja virtual em agosto para alcançar
consumidores em regiões isoladas.
“O Brasil é grande demais, não faz sentido para uma grande marca de
luxo pensar apenas em São Paulo”, diz Gabriele Zuccarelli, sócio da
consultoria Bain & Company.
Consumidores como Djalma Rezende vão continuar a aparecer. Sorte das
grifes — e de revistas que, como EXAME, precisam de boas fotografias
para ilustrar suas reportagens sobre luxo.
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