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Por sugestão de procuradores da
Fazenda Nacional, o senador Francisco Dornelles (foto), do PP-RJ, vai
reexaminar seu relatório sobre o projeto de lei que obriga a apresentação
de todos os sócios e administradores de pessoas jurídicas com domicílio no
exterior que desejem se inscrever, suspender ou dar baixa no Cadastro
Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
Relator da matéria na Comissão de Relações Exteriores (CRE), ele já havia sugerido a rejeição da proposta, por considerar que, além de inexequível em alguns casos, ela não atingiria seus objetivos de combater a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro, com os quais ele afirma concordar. Porém, essa posição pode ser revista. Ele já pediu a retirada da matéria da pauta da comissão. De autoria do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT/PE), a proposta já foi aprovada na Câmara. Depois de analisada pela CRE, ela terá de passar pela Comissão de Assuntos Econômicos. O projeto de lei diz que, para inscrição, suspensão ou baixa no CNPJ, a empresa domiciliada no exterior tem de apresentar seu quadro de sócios. Acrescenta que as informações devem abranger toda a cadeia societária. Em sua justificativa, Santiago argumenta que a exigência do quadro societário dificultaria a ação dos chamados laranjas. "Muitas vezes, quando os órgãos de fiscalização ou Poder Judiciário procuram identificar os mandatários da empresa, a fim de cobrar-lhes a responsabilidade por atos ilegais executados, descobrem apenas a existência de um representante legal que, frequentemente, verifica-se ser apenas um laranja, sem nenhum patrimônio ou vinculação com a pessoa jurídica." Ao analisar a matéria, Dornelles fez uma série de ressalvas. Disse, por exemplo, que atos como a inscrição, suspensão ou baixa no CNPJ não deveriam ser tratados numa lei. Ele observou que, em alguns casos, a exigência não poderia ser atendida. Citou como exemplo as sociedades anônimas com ações ao portador, uma figura que não existe no Brasil desde 1990, mas ainda vigora no exterior. "Nessa hipótese é praticamente impossível identificar quem são os acionistas", argumenta. |
'Quanto mais educação, mais transparente e igualitária é a relação', diz Mary Del Priore
Mary Del Priore é historiadora, professora universitária e autora de obras como História das Mulheres no Brasil (ed. Contexto), vencedor dos prêmios Jabuti e Casa Grande e Senzala, e Histórias e Conversas de Mulher (ed. Planeta), em que acompanha avanços femininos desde o século 18.
Para a historiadora, as mulheres brasileiras do
último século conquistaram o direito de votar, tomar anticoncepcionais,
usar biquíni e a independência profissional. Mas ainda hoje são vítimas
de seu próprio machismo.
Série da BBC aborda anseios e conquistas das mulheres atuais
Muitas mulheres "não conseguem se ver fora da órbita do homem" e são dependentes da aprovação e do desejo masculino, opina ela.
BBC Brasil - Você vê traços de machismo ou preconceito em seus ambientes profissional e pessoal?
Mary Del Priore - No ambiente
profissional, não vivi nenhum problema, porque desde os anos 1980 o
setor acadêmico sofreu grande "feminilização". As mulheres formam um
bloco consistente nas disciplinas (universitárias) mais diversas.
"O fato de que elas busquem se realizar resgatando o trabalho doméstico, manual ou artesanal é uma prova de que a singularidade feminina tem muito a oferecer. A mulher pode, sim, realizar-se através do trabalho doméstico e não necessariamente no público"
Mas, na sociedade, acho que o machismo no Brasil
se deve muito às mulheres. São elas as transmissoras dos piores
preconceitos. Na vida pública, elas têm um comportamento liberal,
competitivo e aparentemente tolerante. Mas em casa, na vida privada,
muitas não gostam que o marido lave a louça; se o filho leva um fora da
namorada, a culpa é da menina; e ela própria gosta de ser chamada de
tudo o que é comestível, como gostosa e docinho, compra revistas
femininas que prometem emagrecimento rápido e formas de conquistar todos
os homens do quarteirão.
O que mais vemos, sobretudo nas classes menos educadas, é o machismo das nossas mulheres.
BBC Brasil - Mas muitas até querem que
os maridos ajudem em casa, mas será que essas coisas do dia a dia acabam
virando motivos de brigas justamente por conta do machismo arraigado? E
também há mulheres estudadas, ambiciosas e fortes - mas também
vaidosas, que ao mesmo tempo querem se sentir desejadas por um
parceiro/a que as respeite. Isso é uma conquista delas, não?
Del Priore - Ambas as questões
não podem ter respostas generalizantes. Mais e mais, há maridos
interessados na gerência da vida privada e na educação dos filhos.
Quantos homens não vemos empurrando carrinhos de bebê, fazendo cursos de
preparação de parto junto com a futura mamãe ou no supermercado? Tudo
depende do nível educacional de ambos os parceiros. Quanto mais
informação e mais educação, mais transparente e igualitária é a relação.
Quanto às mulheres emancipadas, penso que
preferem estar sós do que mal acompanhadas. Chega de querer "ter um
homem só para chamar de seu". Elas estão mais seletivas e não desejam um
parceiro que queira substituir a mãe por uma esposa.
BBC Brasil - Como a mulher mudou – e o que permanece igual – no último século?
"Na vida privada, muitas se revelam não só machistas mas racistas e homofóbicas. Muitas não gostam que o marido lave a louça; se o filho leva um fora da namorada a culpa é da menina, ela própria gosta de ser chamada de tudo o que é comestível, como gostosa e docinho, compra revistas femininas que prometem emagrecimento rápido e formas de conquistar todos os homens do quarteirão"
Del Priore - Temos uma grande
ruptura nos anos 60 e 70 no Brasil, que reproduz as rupturas
internacionais, com a chegada da pílula anticoncepcional. As mulheres
começaram a ocupar postos nos diversos níveis da sociedade, a ganhar
liberdade sexual e financeira. Ela passa atuar como propulsora de
grandes mudanças. Quebra-se o paradigma entre a mulher da casa e a
mulher da rua.
(Mas) a mulher continua se vendo através do
olhar do homem. Ela quer ser essa isca apetitosa e acaba reproduzindo
alguns comportamentos das suas avós. Basta olhar algumas revistas
femininas hoje. Salvo algumas transformações, a impressão é de que a
gente está lendo as revistas da época das nossas avós.
A mulher não consegue se ver fora da órbita do
homem, diferentemente de algumas mulheres europeias, que são muito
emancipadas. O que ela quer é continuar sendo uma presa desejada.
A (antropóloga) Mirian Goldenberg diz que a
mulher brasileira continua correndo atrás do casamento como uma forma de
realização pessoal. No topo da agenda dela não está se realizar
profissionalmente, fazer o que gosta, viajar, conhecer o mundo – está
encontrar um par e botar uma aliança no dedo. Mesmo que o casamento dure
uma semana.
Quais as amarras das mulheres atuais?
Del Priore - O machismo é uma
das questões. Outra, que talvez explique a inatividade da mulher frente a
esse padrão, é que, com a entrada num mercado de trabalho tão
competitivo, com tantas crises econômicas e uma classe média achatada, a
luta pela sobrevivência se impõe sobre qualquer outro projeto.
Essa falta de tempo para respirar, o fato de ter
que bancar filhos ou netos, isso talvez não dê à mulher tempo para se
conscientizar e se erguer acima do individualismo – outra tônica do
nosso tempo – e pensar no coletivo.
BBC Brasil - Ao mesmo tempo em que a
mulher avança no mercado de trabalho, algumas também têm perdido a
vergonha de parar de trabalhar para cuidar dos filhos; ou resgatado,
como hobbies ou profissão, antigas "tarefas de mulher", como tricô,
cozinha, artes manuais. Desse ponto de vista, existe um poder maior de
escolha das mulheres?
Del Priore- Sempre apostei que
as mulheres não deveriam buscar ser "um homem de saias", mas apostar em
sua diferença e singularidade. As marcas do gênero, segundo sociólogos,
são a criatividade, a diplomacia, capacidade de dialogar, etc. O fato de
que elas busquem se realizar resgatando o trabalho doméstico, manual ou
artesanal é uma prova de que a singularidade feminina tem muito a
oferecer.
A mulher pode, sim, realizar-se através do
trabalho doméstico e não necessariamente no público. Desse ponto de
vista elas só estariam dando continuidade a uma longa tradição, discreta
e oculta, que é a independência adquirida por meio de atividades
desenvolvidas no lar. Nossas avós, quando trabalhadoras domésticas, já
conheceram essa situação. A tecnologia só nos ajuda a torná-lo mais
eficiente.
BBC Brasil - Que papel a educação teve na mulher que você é hoje?
"Hoje o grande desafio, em qualquer idade, é o equilíbrio interior, estar bem consigo mesma. Quando começamos a envelhecer – o que é o meu caso, aos 61 anos –, é preciso olhar isso com coragem, ver isso como um investimento positivo"
Del Priore - Tive uma
trajetória peculiar. Resolvi fazer universidade (aos 28 anos) quando já
era mãe de três filhos. A maturidade me ajudou muito a progredir. Tive a
sorte de ter na PUC-RJ e na USP um ambiente muito receptivo, porque era
um momento em que a universidade estava largando aquela camisa de força
marxista e se abrindo para estudos de cultura e sociedade, que me
interessavam.
BBC Brasil - Quais os principais desafios que você enfrenta como mulher?
Del Priore - Hoje o grande
desafio, em qualquer idade, é o equilíbrio interior, estar bem consigo
mesma. Quando começamos a envelhecer – o que é o meu caso, aos 61 anos
–, é preciso olhar isso com coragem, ver isso como um investimento
positivo. E ter tempo para a família, para as pessoas em volta da gente.
Quando era mais jovem, eu me preocupava muito
com grandes projetos. Hoje me preocupo com o pequeno – acho que é por aí
que você muda a realidade. É no dia a dia, na maneira como você trata
as pessoas à sua volta, no respeito que você tem pelo seu bairro. Não
temos condições de abraçar o mundo. Através do micro, a gente consegue
aos poucos transformar o macro.
Essa entrevista faz parte da série "100
Mulheres - Vozes de Meio Mundo". A série, publicada globalmente pela
BBC, trata dos desafios da mulher contemporânea.