Daniel Buarque
Em Londres
Em Londres
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Jose Luis Magana/Reuters -Manifestantes marcham contra proposta de anistia a imigrantes ilegais, em Washington D.C, nos EUA
O adiamento da visita oficial da presidente Dilma Rousseff aos Estados
Unidos por conta dos recentes escândalos sobre espionagem americana ao
Brasil acabou também deixando para depois o debate a respeito dos vistos
para turistas dos dois países.
O encontro entre Dilma e Barack Obama neste mês serviria para o anúncio
oficial de um acordo sobre o "Global Entry", um sistema atualmente
oferecido a visitantes "confiáveis", que permite a entrada em território
americano sem passar pelas filas de imigração. A negociação está sendo
vista como um primeiro passo rumo ao fim da exigência de visto prévio.
Se o visto deixar de ser exigido, como o Brasil tem defendido,
entretanto, vai haver um aumento grande e repentino no número de
imigrantes brasileiros vivendo ilegalmente nos Estados Unidos, segundo a
professora americana Maxine Margolis.
Autora do livro "Goodbye, Brazil - emigrantes brasileiros no mundo",
que acaba de ser lançado simultaneamente em inglês e em português (pela
ed. Contexto no Brasil), Margolis explicou, em entrevista ao UOL
Notícias, que existe uma relação entre o aumento das viagens de turismo
internacional de brasileiros e o aumento da emigração.
"A falta de visto de turista é o que está impedindo muitos brasileiros
de se mudarem de vez para os Estados Unidos, já que a alternativa é vir
ilegalmente pelo México, o que é caro e perigoso", explicou, fazendo
referência à dificuldade que muitos possíveis imigrantes teriam para
conseguir até mesmo entrar no território americano.
Segundo ela, é muito comum que o visto de turista seja usado como
ferramenta para que os potenciais imigrantes consigam entrar nos Estados
Unidos. Uma vez que estão no país, os brasileiros passam a viver de vez
no país de forma permanente, ilegalmente.
"Se os dois governos concordarem que não é preciso ter visto, vai haver
um 'boom' para o turismo nos EUA, mas também vai encorajar imigração"
disse.
Diáspora brasileira
Professora emérita de Antropologia da Universidade da Flórida, Margolis
pesquisa comunidades de brasileiros nos EUA há anos e é autora de
várias obras sobre o tema, como os livros "Little Brazil: an Ethnography
of Brazilian Immigrants in New York City" (Pequeno Brasil: uma
etnografia dos imigrantes brasileiros em Nova York) e "An Invisible
Minority: Brazilians in New York City" (Minoria invisível: Brasileiros
em Nova York).
Em "Goodbye, Brazil", ela trata da recente onda de emigração de
brasileiros para todo o mundo, que nunca tinha sido registrada na
história do país até os anos 1980, e que agora registra mais de 3
milhões de expatriados. A pesquisadora traça um perfil desses
brasileiros, das suas motivações e das suas comunidades no mundo.
"Historicamente, os brasileiros nunca deixavam o Brasil, como
americanos nunca deixam os EUA. É um pais formado por imigrantes, nao de
emigrantes", disse, ressaltando que os números de imigrantes até o
final da década de 1970 eram muito pequenos.
A partir dos anos 1980, entretanto, a situação econômica do país
começou a incentivar brasileiros a se mudarem para outros lugares do
mundo.
"A partir de 1986, depois do fracasso do Plano Cruzado, as pessoas da
classe média começaram a perder a esperança de que a economia brasileira
melhoraria", disse Margolis.
As razões para a emigração de brasileiros são primordialmente
econômicas, explicou. "Era difícil para os brasileiros de classe média
manterem seu estilo de vida com os salários do Brasil, e eles perceberam
que se saíssem e tivessem empregos básicos, poderiam juntar dinheiro
para um pé-de-meia e voltar ao Brasil para investir numa vida melhor."
A pesquisadora explica que é muito comum, no início de processos
migratórios, que as pessoas pensem em voltar ao país original depois de
alguns anos, mas o que acontece é que as pessoas vão adiando e acabam se
estabelecendo de forma mais fixa.
Retornos na crise
Por conta da crise internacional do final da última década e do aumento
do desemprego especialmente na Europa, Margolis diz que é possível
perceber um movimento modesto de retorno de brasileiros a sua terra
natal, mas diz que "ninguém sabe exatamente quantos voltaram".
Segundo ela, entretanto, o movimento neste sentido aconteceu
especialmente no auge da crise, em torno de 2008, quando o Brasil
parecia estar em uma posição privilegiada na economia mundial.
Atualmente, diz, o fluxo de migração continua sendo de saída de
brasileiros, mesmo que em menor quantidade.
"Acredito que menos gente esteja saindo do Brasil, mas não tenho
números. Hoje há menos pessoas chegando do Brasil para viver nos EUA,
mas o processo não parou completamente. Suspeito que muitos brasileiros
voltaram ao Brasil e descobriram que os salários não são tão bons quanto
elas esperavam, e o custo de vida é muito mais alto até mesmo do que em
Nova York".
'Brasfobia'
Em seu livro mais recente, Margolis fala sobre um comportamento típico
das comunidades de brasileiros no exterior, o hábito de essas pessoas
falarem mal uma das outras, que ela chama de "brasfobia". "São
brasileiros que dizem 'somos desorganizados porque os brasileiros,
quando vão para o exterior, mudam, se tornam egoístas, nao têm espirito
de comunidade'", explicou.
"Descobri que isso existia em Nova York, e várias outras pesquisas
encontraram coisas parecidas em Boston, na Flórida e em outros lugares
na Europa. Esse tipo de fofoca e de falar mal uns dos outros existe
entre outras comunidades, e acho que acontece porque a imigração coloca
muita pressão sobre as pessoas."
Segundo ela, entretanto é uma ideologia que não funciona muito na
prática. "Brasileiros no exterior são amigos de brasileiros, eles se
ajudam, mesmo que de forma desorganizada."
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