O número de imigrantes no Brasil aumenta. Mas as injustiças administrativas, econômicas e sociais persistem.
Dados do Ministério da Justiça mostram que o número de imigrantes que
solicitam o visto de permanência no Brasil dobrou em quatro anos,
chegando a 30 mil pedidos anuais. Eram 15 mil em 2010. Apesar do
aumento, os dados podem ainda estar subnotificados, já que só consideram
os pedidos oficiais, e muitos entram de maneira clandestina.
O país vem se se mostrado como uma potência emergente no mercado
internacional. O aumento da procura, no entanto, não significa que os
imigrantes queiram se estabelecer para sempre no Brasil. Segundo
especialistas, o imigrante que está chegando no país vem em busca de
trabalho e, quando consegue juntar o suficiente, mostra o desejo de
voltar ao seu país de origem.
As condições são penosas para muitos desses imigrantes: em Goiânia,
muitos imigrantes ocupam as ruas do centro onde trabalham como
vendedores ambulantes. A polícia local não costuma ser muito amigável
com os ambulantes, que “rapam o pé” sempre que necessário, para que não
percam suas mercadorias. O lucro que muitos imigrantes ganham com essas
atividades é o que os mantém no país, graças, também, ao custo de vida
não tão elevado da capital goiana.
De acordo com dados do Registro Nacional de Estrangeiros, cerca de
1,7 milhão de imigrantes vivem no país atualmente sob o Estatuto do
Estrangeiro, criado em 1980, época da ditadura militar, que impõe uma
série de restrições para essas pessoas. Por isso, no último mês, o
Ministério da Justiça apresentou um projeto que propõe uma nova Lei de
Migrações. Uma das principais mudanças na lei é a permissão para que
vistos de trabalhos de até dois anos sejam emitidos para quem vem ao
país a procura de emprego e não só para quem já vem com um emprego
formal.
Segundo Deisy Ventura, que é um dos membros da comissão que elaborou o
projeto, o imigrante não será mais tratado como um tema de segurança
nacional e sim de direitos humanos. “Com a nova lei, as pessoas teriam
direitos por serem pessoas. O projeto propõe que haja facilidade na
regularização migratória, justamente para o Estado saber quem são e onde
estão os imigrantes”. A professora afirma, também, que “o estatuto
[ainda vigente] proíbe os imigrantes de realizarem ações públicas, como
passeatas e manifestações. É uma lei que pratica a violações de diversos
direitos dos imigrantes”.
Outra mudança destacada pela professora é a criação de um órgão que
agregaria todos os setores responsáveis pelos imigrantes. “Em minha
opinião e na dos especialistas, o trabalho não é o único direito que
deve ser respeitado. Quando o governo parar de vincular direitos ao
trabalho, o mercado de exploração ilegal e do trabalho informal
diminuirá”.
Muitos imigrantes reclamam por não ter auxílio do governo e, para
muitos, a ajuda é proveniente de casas de abrigo e programas sociais. A
paróquia Nossa Senhora da Paz, além de mediar o contato do imigrante com
as empresas, conta com um abrigo com capacidade para atender 110
imigrantes. “Aqui, eles recebem três refeições por dia, têm lugar para
dormir, uma lavanderia para lavar suas roupas. Para as crianças, temos
carrinhos, uma sala de brinquedos. Tentamos dar o maior suporte possível
para eles”, conta padre Paolo.
Muito trabalho e pouco dinheiro
No Bairro São Pedro, em Esmeraldas, Minas Gerais, os números
impressionam: para cada 10 pessoas nos pontos de ônibus a média é de
cinco ou seis imigrantes do Haiti, pequeno país caribenho arrasado por
um terremoto em 2010 e assolado pela pobreza. Com suas peculiaridades
culturais, os imigrantes se integram lentamente com os brasileiros, por
quem são considerados sérios demais, trabalhadores e honestos.
A maioria dos homens trabalha na construção civil, como demonstrou a
pesquisa “Migração haitiana para o Brasil”, da Organização Internacional
para as Migrações (OIM), que revela que 40% dos haitianos no Brasil têm
curso médio e 30% trabalham como pedreiros ou serventes. Muitos
imigrantes passam de alunos a professores, dando aulas de francês e
inglês em espaços cedidos pelas igrejas evangélicas, principais
instituições responsáveis pelo auxílio a estes.
De acordo com a pesquisa da OIM, os haitianos que chegam ao Brasil
têm nível de instrução elevado, até maior que dos brasileiros com quem
trabalham. Dos 2 mil haitianos que já foram atendidos pela Missão Paz
(associação desenvolvida pelos Missionários Scalabrianos que acolhe
migrantes, imigrantes e refugiados), 17% possui formação acadêmica e
falam três ou mais línguas. Entre eles há médicos, músicos
profissionais, engenheiros, contadores, professores e até juízes e
diplomatas. Muitos trabalham na construção civil, como garçom, ajudante e
outras funções bem diferentes das suas qualificações, mas que aceitam
devido à crença muito forte que possuem de que o trabalho significa
liberdade, vida e dignidade.
Muitos brasileiros começam a se incomodar com a “concorrência”
estrangeira e com o desempenho profissional dos imigrantes. Comentários
como “eles queimam o nosso filme porque trabalham demais, são muito
produtivos” parecem aflorar nas empresas empregadoras dos imigrantes.
Em BH, a média salarial dos haitianos é de um salário mínimo (R$
724). “Muito trabalho e pouco dinheiro”, é o que reclama Jonas Louís,
29, que chegou a três meses no Brasil e trabalha numa fábrica de sapatos
em Contagem, de segunda à sexta, de 7h30min às 17h30min.
Daniel Edgardo