Ao
sancionar a lei que regulariza recursos mantidos no exterior e não
declarados à Receita Federal (Lei 13.254/2016), publicada nesta
quinta-feira (14/1) no Diário Oficial da União, a presidente
Dilma Rousseff foi contra um dos pilares do direito de defesa: a
presunção da inocência. A presidente vetou o dispositivo que exigia o
“trânsito em julgado” para impedir que pessoas condenadas em ações
penais fossem beneficiadas pela lei.
O princípio da presunção da
inocência impede que pessoas sejam punidas antes de terem esgotado todas
as tentativas de recorrer de uma condenação. Com o veto, no entanto,
pessoas condenadas em primeira instância em crimes que não estão
listados na norma, ainda com recursos pendentes, serão impedidas de
repatriar bens lícitos que estejam em outros países não declarados ou
declarados incorretamente.
A razão oficial para a supressão do
inciso I do parágrafo 5º do artigo 1º, pedida pelo Ministério da
Fazenda, é que, com isso, o governo “impede que pessoas penalmente
condenadas pelos crimes previstos no projeto possam aderir ao Regime
Especial de Regularização Cambial e Tributária”.
No entanto, o
veto vai contra a Constituição, a lei e todos os tratados internacionais
dos quais o Brasil é signatário, segundo o criminalista Augusto de Arruda Botelho,
presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa. “Uma condenação
criminal só pode ser considerada para fins legais com trânsito em
julgado. O veto causa espanto, pois qualquer estudante de Direito
saberia que o que está sendo feito é inconstitucional”, critica Botelho.
O tributarista Marcelo Knopfelmacher,
presidente do Movimento de Defesa da Advocacia, concorda que o veto é
claramente inconstitucional e aponta que a supressão do trecho vai
agitar os tribunais, “pois abre espaço para que a questão seja levada
para discussão em juízo”.
Knopfelmacher, no entanto, comemora a
aprovação da lei como um todo, principalmente com a manutenção do artigo
11, que não permite a aplicação da norma a “detentores de cargos,
empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo
cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por
adoção”. Para o advogado, “isso moraliza a política, pois quem tem
cargo público e estiver sonegando terá de renunciar antes de repatriar”.
O ponto que mais chamou a atenção do criminalista Bruno Rodrigues,
no entanto, não foi um veto, mas na completa omissão da norma em
relação à nova Lei de Lavagem (Lei 12.638/2012). Ao não listar a lei no
rol taxativo de crimes que terão punibilidade extinta caso haja a
repatriação com o pagamento de impostos e multas, deixa de fora todos
aqueles que cometeram crime de lavagem desde a entrada em vigor da nova
lei: 10 de julho de 2012. “É um absurdo, que mostra uma clara falta de
técnica do legislador”, reclama o advogado carioca.
"Acredito que
vedar a aplicação da lei a indivíduos contra os quais foi proferida
decisão condenatória sem trânsito em julgado é manifestamente
inconstitucional. Há, a bem da verdade, violação ao princípio da
não-culpabilidade, porque o indivíduo sofre limitações na possibilidade
de aderir ao RERCT, em razão de decisão que pode, inclusive, ser
reformada pelo Poder Judiciário", resume o também criminalista Conrado Almeida Corrêa Gontijo.
Pare
ele, a legislação deveria ter ido mais longe, para beneficiar também
pessoas condenadas com trânsito em julgado pelos crimes previstos no
artigo 5º, parágrafo 1º da norma, desde que conseguissem comprovar a
licitude dos valores ou bens mantidos no exterior. "O mais importante,
em meu modo de pensar, é que o indivíduo consiga, efetivamente,
comprovar a origem lícita do patrimônio: todos
deveriam ser beneficiados, portanto, caso conseguissem fazer isso,
independentemente de o bem ser móvel ou imóvel", diz Gontijo, criticando
o veto à repatriação de itens como joias e peças de arte.
Apenas aparente
O criminalista Fábio Tofic Simantob afirma que o veto
ao termo "trânsito em julgado" gera uma aparente contradição, com o
artigo 5º do do parágrafo 2º, que permite a extinção de punibilidade
para quem adere ao programa até o trânsito em julgado. Como este artigo é
mais taxativo, ele deve se sobrepor ao artigo 1º, que traz uma previsão
mais vaga e genérica. "Mesmo que houvesse contradição entre os artigos,
pelo princípio Favor Rei, vale a norma mais benéfica ao réu", afirma.
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