Cientista político vê na mudança de sistema de
governo a via para reformas fundamentais no país
Por Eugênio Esber
eugenioesber@amanha.com.br
O
acirramento de ânimos e o clamor popular por mudanças no cenário político
brasileiro trouxeram para o primeiro plano questões que, nos últimos
anos, ficaram limitadas a debates acadêmicos e vinham acomodadas nos corredores
e gavetas de Brasília. Luiz Felipe d’Avila (foto), cientista político, mestre
em Administração Pública e diretor-presidente do Centro de Liderança Pública,
vê o momento como uma janela de oportunidades para a reestruturação da
governabilidade do país. Em entrevista exclusiva para AMANHÃ, o fundador da
extinta revista cultural Bravo! avalia o cenário que levou o país à
crise, as prioridades no governo interino de Michel Temer, e examina a
viabilidade da implantação do sistema parlamentarista no Brasil. Mas pondera:
“Se fosse Temer, não colocaria isso na pauta até 2018”.
O
parlamentarismo no Brasil é desejável?
Primeiro, precisamos fazer um retrospecto de por que o presidencialismo, de
certa forma, deu errado. Desde o golpe republicano de 1889 já havia uma divisão
nítida entre três grupos. Um era dos liberais, ou constitucionalistas. E dois
eram antiliberais – os jacobinos e os positivistas – que queriam adotar o
regime presidencialista, justamente pela concentração de poder nas mãos do
presidente da República. Não gostamos do presidencialismo pelas suas virtudes,
mas justamente pelo seu defeito – a concentração de poder nas mãos do
presidente. No início da República, os dois movimentos antiliberais causaram a
renúncia do primeiro presidente, o Marechal Deodoro da Fonseca, e outra crise
constitucional no governo do Floriano Peixoto. Quando finalmente a ala
minoritária, constitucionalista liberal, venceu, na Constituinte comandada por
Prudente de Moraes, o exercício do poder era dos dois movimentos antiliberais,
mas com uma constituição liberal que criava o equilíbrio entre os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário. Esse conflito no presidencialismo existiu
desde então e causou enormes problemas ao longo da nossa história, justamente
por essa deformação de origem. Por essa razão, precisamos adotar o
parlamentarismo, não como um casuísmo para resolver um problema de agora, mas
por uma certa conscientização de que, nos momentos de crise em que seja preciso
remover um presidente, o presidencialismo é muito traumático. Nesses 120 anos
de história, nosso presidencialismo contabiliza 12 estados de sítio, duas
ditaduras, nove governos autoritários, sete constituições e 19 rebeliões
militares.
E vai
caminhando para mais um impeachment...
Exatamente. Por que o parlamentarismo? Primeiro, porque não há conflito de
poder. No parlamentarismo o poder está concentrado no Parlamento, onde
Executivo e Legislativo são da mesma casa. Segundo: o parlamentarismo é o
melhor regime para fazermos a famosa reforma política, que jamais vai sair no
presidencialismo. Bem ou mal, todos já estão viciados no sistema: os
partidos já sabem como se elegem, os candidatos sabem como ganham eleição.
Qualquer mudança no regime eleitoral partidário, não vai sair. Para os governos
sobreviverem no parlamentarismo, precisamos ter primeiro um limite no número de
partidos, via elevação da cláusula de barreira, para evitar uma queda de
governo atrás da outra. A estabilidade é muito importante. Com três ou quatro
grandes partidos interessados, seria mais fácil aprovar a cláusula de barreira
no sistema parlamentarista. Além disso, o próprio parlamentarismo acabaria com
as coligações, mediante a adoção de uma espécie de voto distrital misto, por
lista ou voto direto. A mudança de governo é muito menos traumática – o governo
cai e é substituído imediatamente por outro.
Que outro
grande país, além dos Estados Unidos, é presidencialista?
Tocqueville
dizia que o presidencialismo é uma daquelas invenções que foram feitas nos
Estados Unidos, mas que nunca dará muito certo se replicado em outros lugares.
Porque é um regime muito difícil. O equilíbrio constitucional entre poderes foi
algo muito particular, de um contexto histórico dos Estados Unidos no século
XVIII, para conciliar as províncias. Foi uma tentativa de manter um país
continental unido. Com o federalismo, a melhor forma encontrada foi o regime
presidencialista.
Qual a
viabilidade dessa mudança, neste momento, no Brasil?
Se fosse o presidente Michel Temer, não colocaria isso na pauta até 2018. Isso
deve ficar para o próximo governo. Nos próximos dois anos, a pauta é
recuperação da economia e geração de emprego. Por isso, critico a lista que o
PSDB apresentou ao Temer. Ali estão reformas que teriam um altíssimo custo
político, que este governo não tem tempo nem legitimidade para conduzir. Elas
acabariam desgastando a relação política com o Congresso, sem colocar o Brasil
de volta nos trilhos do crescimento econômico e da geração de emprego. Teríamos
um problema institucional muito mais sério que o anterior com uma eleição
trazendo candidatos populistas. Isso seria um desastre para o Brasil em 2018.
Mas em
2018, nas mesmas condições, elegeremos um parlamento parecido com o atual, com
senso de autopreservação...
Poderia ser convocado um tipo de referendo em 2018, junto com as eleições, para
mudar o regime de governo, prevendo algo como uma “assembleia de notáveis
convocada por especialistas”, caso aprovado.
Temer não
teria condições de fazer essa proposição?
Acho que não, porque vai gastar voto e tempo político. Não podemos esquecer o
efeito colateral, que pode fazer a coisa andar muito pior. A reforma
política acabou suspendendo somente o financiamento privado de campanha, como
se o dinheiro fosse o culpado, e não o sistema. Confundem a causa com o
sintoma.
O Supremo
está analisando uma consulta de 1997 sobre um plebiscito para a introdução do
parlamentarismo.
Eu colocaria a questão plebiscitária junto com a eleição, ou mesmo em separado,
convocando um plebiscito para 2017. Mas não vejo isso como ônus ou pauta do
governo, porque temos reforma trabalhista, fiscal, previdenciária. São questões
tão importantes que, se colocarmos essa questão do parlamentarismo no meio,
fica politicamente muito difícil.
Qual deve
ser a pauta do novo governo?
O foco deve ser uma matriz de alto impacto e baixo custo político, ou custo
moderado. Buscar uma via rápida nos investimentos de infraestrutura, criando um
sistema que simplifique regras, com maior transparência, acabando com essa
ideia estúpida de impor um limite de retorno sobre o capital investido. Outra
medida a ser adotada, como em todo país civilizado, é o performance bond,
uma cláusula de desempenho que obriga a entrega de uma obra no prazo e no preço
acordado, sem aditivos. E rever essa politização que houve nas agências
reguladoras. Há dinheiro no mundo para ser investido na infraestrutura do
Brasil, já que o Estado não tem recursos. Precisamos dessas parcerias
público-privadas, que também geram emprego, especialmente na base da pirâmide.
O segundo ponto é a reforma trabalhista, com a qual é preciso ser muito
cuidadoso, evitando um custo político grande ao se mexer na CLT. Há uma
sugestão muito ponderada do professor José Pastore: salvo comum acordo entre
trabalhador e empregador, vale a CLT. Ou seja, você cria uma única emenda
constitucional que permite às partes relacionadas estabelecer acordos legais
diferentes da CLT. Esta valeria no caso de desacordo entre as partes, empresa e
empregado.
Isso não
seria enfrentado furiosamente pelos sindicatos?
A máquina sindical, neste momento, está muito fragilizada. Os sindicatos são
categorias organizadas em torno dos segmentos da indústria, entre outros. Mas
na gigantesca indústria de serviços, as pessoas são muito autônomas. Ninguém
vai discutir. E não há um sindicato forte de vendedores de telemarketing, por
exemplo, segmento que gera 100 vezes mais emprego que a indústria. As pessoas,
nesse momento, querem ser empregadas. Se passar uma emenda constitucional desse
tipo, sem mexer na CLT, está se abrindo outro canal de oportunidades para a
geração de emprego. E o discurso ficaria mais fácil também.
Seria um
drible nas regras da CLT?
Exatamente. Mas é com um custo político aceitável. Se entrar naquela discussão
de 13º salário, FGTS, não termina nunca mais. O terceiro ponto é a reforma da
Previdência. Já existe um consenso sobre a elevação da idade mínima para 65
anos, porque as pessoas sabem que essa conta pública vai estourar. Mas, depois
de elevar a idade, eu separaria a previdência pública da privada. Por quê? Para
ter o apoio da sociedade, qu tem previdência privada. Se não mexer com a
previdência privada num primeiro momento, e focar a solução do problema da
previdência pública, o governo mostraria que está cortando da própria carne. Os
970 mil funcionários públicos aposentados custam o mesmo que 28 milhões de
trabalhadores privados. O custo da conta previdenciária hoje já é quase 13% do
PIB. E o quarto ponto é a questão das relações externas. Ou seja, o Brasil
precisa voltar a se inserir na economia global. Nós tivemos um retrocesso
absurdo na política externa, na política comercial, especificamente.
A
diplomacia comercial ficou pouco pragmática?
Sim, e isso marcou o Brasil. Perdemos produtividade, competitividade, e nossa
pauta de exportação piorou drasticamente. Deixamos de exportar produtos de
maior complexidade, voltamos a ser um mero exportador de commodities.
Exportávamos, por exemplo, carros, caminhões, peças, maquinário. Hoje,
exportamos soja, milho, enfim, produtos agrícolas. Não só piorou a relação
comercial, como também o comércio com outros países. Por exemplo, os chineses
estão exportando para o Brasil produtos de maior valor agregado, e nós estamos
apenas enviando commodities para eles. Somos a oitava economia do mundo, mas a 24ª
em exportação. Estados Unidos é a primeira economia, segundo exportador. A
China é segundo PIB, e o primeiro exportador. Só o Brasil que tem essa
discrepância. Exportamos menos que a Ilha de Taiwan, o que é um absurdo.
Precisamos reverter esse quadro rapidamente, com uma política comercial muito
mais agressiva, voltando a participar das questões de mundo.
O
empresário brasileiro pede um ambiente mais favorável à livre iniciativa, mas
ao mesmo tempo se vale de protecionismos. Qual a capacidade da indústria
brasileira para se inserir nas cadeias globais de produção?
Há duas questões. Primeiro, 40% do PIB passa pelo Estado. O Estado é o melhor
negócio, melhor que exportar, melhor que qualquer coisa. Isso causa distorções
criadas pela legislação tributária pródiga em incentivos. Aqui, a lei nunca
vale para todo mundo, nunca ninguém paga a mesma alíquota. Se você exporta
calçado, seu PIS/Cofins é diferenciado, se eu vendo café é outro. Com dinheiro
do BNDES, tenho maior vantagem competitiva sobre quem toma dinheiro em bancos
comerciais. Parte desse rombo gigantesco do Estado, que vimos especificamente
nesse governo Dilma, é o custo desses subsídios cruzados. Somente com o BNDES,
nesses últimos oito anos, tivemos um déficit de R$ 400 bilhões por tomar o
dinheiro no mercado a 13% de juros e emprestar a 6%. Uma reforma tributária
seria interessantíssima e positiva para integrar o Brasil nos padrões de
comércio global. Simplificar, trazer transparência, começar a tratar como uma
democracia: todo mundo igual. Todo mundo quer uma meia-entrada e acha que a sua
meia-entrada é legítima. Isso causa enormes distorções.
Com base
no perfil de Temer, do PMDB, e nas condições do ecossistema político
brasileiro, o que você espera do governo?
Se o governo focar uma agenda com esses quatro pontos, tem grandes chances de
ser exitoso. Porque é um governo que vai reconstituir a maioria do Parlamento.
São políticos profissionais, e ter a maioria é algo muito importante nesse
jogo. O governo começa com um grau de tolerância da imprensa, que é muito
importante. As pessoas darão esse voto de confiança para o governo apresentar
as primeiras medidas. E existe uma boa vontade do resto do mundo, que está
louco para voltar a acreditar, confiar e fazer negócios no Brasil. Se as
primeiras medidas mostrarem um esforço para resgatar a confiança e a
credibilidade no país, o governo tem a chance de ter um início de mandato muito
bom. E há outra vantagem: todo mundo tem baixa expectativa em relação ao
governo Temer, como indicam as pesquisas. Isso é bom em tempo de crise, porque
qualquer melhoria reverte imediatamente essa expectativa.
A base de
comparação favorece...
Isso é uma coisa que ajuda. Se o governo tomar as medidas certas, haverá também
a reversão do impacto negativo que temos em relação ao investimento externo.
Hoje, todo mundo quer tirar dinheiro do Brasil. O capital especulativo tem que
ir embora mesmo. Mas o capital de longo prazo, quando mostrarmos que as regras
são claras, confiáveis, e que mudamos de atitude em relação ao capital estrangeiro,
pode gerar muito recurso para o Brasil.
A
Argentina conseguiu fazer a “virada de chave” na percepção dos investidores.
Mas ainda estão com 40% de inflação. Foi mais questão de atitude. O risco é a
complacência. Tenho medo dos “veranicos”, desses sucessos momentâneos, quando,
após os primeiros quatro meses de sacrifício, todos acham que podem se
acomodar. E como evitar que o sucesso traga a acomodação nas reformas?
Conseguindo aprovar esses pacotes todos no início, aí vamos passar a fazer
reformas e avançar na agenda, se possível. O governo não tem tempo para se
acomodar. Precisamos ter dois anos de muita mudança estrutural no país, para
que em 2018 o Brasil já esteja em normalidade política, para não eleger
populismo. O que me tira o sono é que, caso o Brasil em 2018 esteja
decepcionado com seus políticos, desiludido com a democracia, possamos ter um
concurso público de populistas disputando a Presidência da República. À direita
e à esquerda.
Você acha
que Temer pode querer a reeleição?
Acho que não. Temer, por se dizer um constitucionalista, que pensa em
instituições, em legado, acho que não concorre. A armadilha é essa acomodação
que pode acontecer em função do sucesso. Outra coisa muito preocupante é a
“guerra santa” no seio do fisiologismo político, que também dilacera o país.
Isso ele pode evitar. Uma pessoa que foi 14 anos presidente do PMDB tem todas
as ferramentas e destreza para administrar essa situação.
A
esquerda tem o passivo de ter colocado a economia brasileira em frangalhos. Mas
uma grande parcela da população, que não entende o que é responsabilidade
fiscal, dará apoio à esquerda na defesa do trabalhador e do aposentado. A
esquerda pode chegar forte na eleição de 2018?
Eu acho que não. O grande erro da esquerda na era Fernando Henrique foi o
discurso do Lula de que o Real era estelionato eleitoral. Como isso não
correspondia à realidade, a esquerda foi derrotada nas duas eleições. Quando o
discurso está dissociado da percepção das pessoas, só afunda o partido. Se
Temer tiver êxito nessa agenda de retomada do emprego e do crescimento, e as
pessoas sentirem isso, a esquerda não poderá insistir em “golpe” e que
“acabaram com os benefícios” por- -que será um discurso falso, e perderão
votos. Acho que, após a finalização do processo do impeachment, vai ocorrer uma
divisão da esquerda. Teremos uma esquerda pragmática, que vai tentar se
reinventar. É preciso se manter à esquerda, e acho que partidos como o PSB e a
Rede vão ocupar esse vácuo, isolando a turma do PSOL. O PT vai ter que se
reinventar, ou as pessoas vão deixar o PT. Se mantiverem o discurso de golpismo
até 2018, e o governo Temer tiver sucesso, serão fragorosamente derrotados.
Reinventar é não cometer o erro de insistir em um discurso que está descolado
da percepção da realidade das pessoas. A esquerda sempre vai ter um discurso de
grande apelo no Brasil, por causa das desigualdades sociais, etc. Mas acho
muito pouco provável que o PT ocupe esse espaço. O discurso vai ser encabeçado
por muitos outros partidos. Acho que um deles vai ser o PSB.
Quais são
os nomes que chegam com força em 2018?
Em 2018, teremos uma eleição muito fragmentada, parecida com a de 1989. Vai ter
Bolsonaro, Caiado, Marina, Ciro Gomes... Pode até acontecer o que eu chamo de
“divisão do átomo do PSDB”, com o Alckmin saindo pelo PSB e o Aécio pelo PSDB.
E, evidentemente, o PT terá candidato forte também. Será uma eleição muito
pulverizada e, ao contrário da última, que teve praticamente dois candidatos
fortes e alguns nanicos, desta vez são todos roubadores de voto, com 10%, 8%,
15%. A capacidade de formar aliança no segundo turno será fundamental. A
dificuldade é saber quem sobrevive e passa ao segundo turno. No fundo, todos
têm muita chance de decolar. Por isso, o meu medo do populismo. Se o novo
governo não conseguir entregar o resultado do crescimento, há uma chance enorme
de isso acontecer.
O
ambiente digital fez as discussões passarem da mesa de bar para a rede, e os
entes tradicionais que pautavam a sociedade, como a imprensa, sindicatos e até
partidos, estão em baixa. Como você vê o futuro da democracia representativa?
As placas tectônicas da democracia se movem de tempos em tempos e causam
grandes terremotos. A nossa democracia representativa foi construída por uma
transição da sociedade aristocrática para uma sociedade de massas. Ela foi
criada pensando em uma estrutura hierárquica, quase que seguindo o modelo da
Igreja, dos sindicatos, das Forças Armadas, com comandantes, generais,
soldados. Os governos precisaram se organizar de forma hierárquica para atender
à demanda da grande massa. Este foi o apogeu da democracia representativa, que
começa no final do século XVIII e vai até a nossa época. O que está acontecendo
com essa revolução tecnológica é o combate à intermediação entre o Estado e o
cidadão. Houve um momento de “desintermediação”.
Como
aconteceu na economia...
Exatamente. E a “desintermediação” rompe com as hierarquias, todos passam a
tratar todos como pares. Quando faço palestras, ninguém mais é chamado de
“senhor”, é sempre “você”. E é legal, porque todo mundo se coloca no mesmo
nível. Nessa sociedade de pares, a maneira pela qual as pessoas se relacionam é
através das redes e através da colaboração. O Estado hierárquico não consegue
reagir a isso, assim como os sindicatos não conseguem reagir a isso. Eles estão
estruturados para um mundo que acabou. A transferência do mundo analógico para
o mundo digital está causando a descrença nas instituições democráticas. Há uma
mudança que o Estado não consegue acompanhar na velocidade da transformação
tecnológica, com reformas estruturais que precisam ser feitas para se adequarem
aos novos tempos. Outra coisa grave está acontecendo: Larry Summers [ex-secretário
do Tesouro dos Estados Unidos] fez um estudo mostrando que, antigamente,
após o pico de uma recessão, demorava três anos para que a economia voltasse ao
patamar anterior, gerando os mesmos empregos. Agora, esse período subiu para
seis a oito anos. E a retomada nunca resgata o mesmo nível de emprego anterior.
Alguns postos são perdidos para sempre. Isso aumenta o ressentimento das
pessoas que se organizam em torno da democracia representativa, pois são elas
que têm interesse no Estado. Se olharmos para as primárias do Partido
Republicano, quem votou em massa foram os mais radicais, do Tea Party, porque
os moderados deixaram para votar apenas na eleição presidencial. O cidadão mais
centrista, acomodado, está dissociado da política. A política está se tornando
a ferramenta de interesses corporativistas e de pessoas ressentidas, o que
acaba refletindo no voto. Na eleição americana para presidente da República –
quando é muito disputada –, apenas 48% do eleitorado vota.
Podemos
ter, em breve, referendos e plebiscitos digitais?
Sim. Isso é extremamente saudável, porque para algumas questões locais, precisa
ter mesmo. Por isso sou muito favorável ao federalismo. Essa descentralização
do poder é muito importante. Uma das metas principais da reforma política é
esvaziar o poder do governo federal, transferindo mais poder para Estados e
municípios. Para as questões locais, as pessoas sabem pensar soluções criativas
e importantes. Mas, quando os problemas estão distantes das suas realidades,
fica mais difícil julgarem. Para problemas locais, é preciso ter referendo toda
hora, como em vários países. Quer fazer um campo de futebol, quer fazer uma
concessão para ter uma coleta de lixo seletivo naquele bairro? A frustração com
os ciclos econômicos que causam a diminuição do emprego e maior concentração de
renda, acaba fazendo com que as pessoas que votam sejam as insatisfeitas com o
sistema. O mundo teve uma crise parecida nos anos 1920, entre a primeira e a
segunda guerra mundial. Havia uma soma de lideranças medíocres, e os partidos
moderados foram perdendo a legitimidade, ao não conseguirem resolver problemas
graves, como inflação, e retomar o crescimento. O voto foi migrando, cada vez
mais, para a direita e para a esquerda, elegendo partidos comunistas,
fascistas, nazistas. Aí aconteceu um colapso do sistema. Não estou dizendo que
é isso que vai acontecer, mas, se o sistema não reagir e conseguir se adaptar
aos novos tempos, a legitimidade e a credibilidade das instituições
democráticas podem ser colocadas em risco.
Você
liderou um importante projeto na área cultural, a Revista BRAVO!, que tentou se
viabilizar com a ajuda de legislações de incentivo à cultura. Nesta cisão da
sociedade brasileira, tivemos intelectuais de um lado e de outro, o que trouxe
a questão: até que ponto intelectuais financiados, ou apoiados, pela legislação
de incentivo à cultura, poderiam estar sendo cooptados pelo poder e pela
politização da cultura?
É uma combinação de duas coisas. Essa turma é assim no mundo inteiro, porque
tem mais simpatia pela esquerda. Mas as leis de incentivo no Brasil,
infelizmente, criaram uma dependência. A arte, hoje, tornou-se um apanágio da
burocracia estatal das leis de incentivo. Você não consegue fazer filme no
Brasil, cinema, televisão, exposição, ou nada, se não tiver lei de incentivo.
Criou-se um vício no mercado. Pensando em retrospectiva, essas leis foram muito
importantes para a produção cultural. Teve um lado positivo. Mas agora vale a
pena parar e fazer uma reflexão sobre o uso das leis nesses últimos tempos.
Qualquer forma de ajuda ou subsídio, não só para a cultura, precisa ter data
marcada para acabar. Dar um incentivo para alguém iniciar um projeto é
perfeitamente legítimo. Mas não se pode criar uma dependência disso, porque ai
você deixa de ser competitivo, de buscar outras fontes. Você se acomoda. O
benefício pode tentar criar e organizar um determinado mercado, e depois deixar
o próprio mercado tomar conta daquilo. Tudo que precisa de subsídio o tempo
inteiro não é um bom negócio, nem para o Estado, nem para as pessoas. Só é bom
para quem depende daquilo. Aí nós não teríamos 50 anos financiando a Zona
Franca de Manaus. Financiar o sistema até quando? A indústria automobilística
recebe dinheiro desde a época do Juscelino Kubitschek. É preciso parar e
viver do mercado. Outra questão é a estrutura hierárquica de ministérios e
de secretarias de cultura poder dizer o que é cultura ou não, o que é bom ou
não. Isso é um absurdo. Quem deve definir isso é quem está disposto a dar o
benefício. Se sou de uma pequena cidade do interior e quero patrocinar a
companhia de dança da minha cidade, porque devo ter o desconto de 4% da Lei
Rouanet? Eu poderia dar muito mais se houvesse incentivo. O sistema americano é
muito melhor: todo o dinheiro dado é deduzido de despesas operacionais, sem
incentivo, e não é descontado do importo de renda. É preciso criar uma regra
única, que causaria um tremendo impacto em projetos culturais locais. Se eu
puder deduzir 100% da minha doação em despesa operacional para a companhia de
teatro da minha cidade, isso pode fazer uma diferença enorme localmente – sem o
limite de 4%. Isso causou uma concentração: os 4% de quem tinha capacidade,
praticamente estatais ou os principais grupos econômicos do Brasil. O resto não
contribui nem com cinco ou seis mil reais.
E acabam
financiando produções ou grupos que têm viabilidade de mercado.
Aí você já está pensando em mercado, não no valor cultural daquilo. É preciso
criar mecanismos para os doadores decidirem onde querem colocar o dinheiro. Não
importa se ele quer colocar em uma associação de caridade, numa ONG, ou na
cultura. O critério será igual para todo mundo. Precisamos acabar com essa
política de subsídio no Brasil. Isso cria um mercado viciado, com profissionais
que conseguem o dinheiro, pois já têm o contato no governo. Isso não ajuda, mas
atrapalha a cultura no Brasil.
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