Algumas empresas do Sul mostram
que é possível não se enredar na malha de riscos e oportunidades que a internet
oferece
Por Laura D´Angelo
laura.cauduro@amanha.com.br
Ela já passou há muito dos 20 anos, mas é um
sucesso na internet. São quase 200 mil seguidores no Facebook e outros 54 mil
no Instagram. A cada foto postada, colhe centenas de “curtidas” e outras
dezenas de comentários. Seus seguidores a tratam como uma “amiga” íntima que
faz parte do dia a dia. Mas não se trata de uma atriz, de uma modelo ou mesmo
de uma celebridade da web. A famosa personagem em questão é a Círculo,
fabricante catarinense de fios e linhas de Gaspar que, com quase oito décadas
de atuação no mercado, começa a consolidar a sua identidade digital.
As ações de marketing digital na Círculo começaram
há cinco anos e exigiram diversas reformulações até que a companhia encontrasse
o melhor caminho para aproveitar o que a internet oferece. “Antes
estávamos em tudo que era canal, tudo o que aparecia a gente entrava. Fomos pesquisando
como as consumidoras gostariam de ser comunicadas e escolhemos atuar naquelas
mídias onde elas estão”, conta Fernanda Wieser (foto), coordenadora de
marketing da empresa. Hoje, a Círculo está presente em seis canais na web, mas
é no Instagram e no Facebook onde ocorre o maior número de interações entre a
marca e o público. É através desses meios que as consumidoras tiram dúvidas,
reclamam e sugerem melhorias. É também com eles que a empresa interage com suas
clientes e coleta ideias para novos produtos. A linha Neon, de fios com cores
vibrantes, foi fabricada a partir de uma demanda identificada nas redes
sociais, por exemplo. Concebida para ser uma edição limitada de verão, fez
tanto sucesso que permaneceu no portfólio.
A Círculo exibe uma desenvoltura digital de dar
inveja a suas concorrentes multinacionais Coats Corrente e Pingouin, que não
mobilizam a multidão de admiradores da grife catarinense. A verdade é que, com
sua enxuta equipe digital, a Círculo transita corajosamente por um terreno que
as empresas ainda estão aprendendo a desbravar. Ao mesmo tempo em que a
internet oferece uma série de oportunidades, as marcas nunca estiveram tão
expostas. A disponibilidade de informações que se encontra na rede, aliada à
proliferação de sites de avaliação de serviços e produtos, além do
compartilhamento de experiências nas redes sociais, levou a construção da
reputação organizacional para outro espaço, o digital, e para outro patamar,
bem mais complexo que o anterior. E não há como fugir dessas duas realidades.
“O ambiente digital não é mais um canal de comunicação. Ele é ´o´canal de
comunicação. Tudo passa por ele”, enfatiza Rafael Barcellos, chief data officer
da consultoria Plugar.
Não ter estratégia de atuação na internet
representa fechar portas para inúmeras oportunidades de negócio que o público e
o mercado podem oferecer e, mais importante, fechar os olhos para a imagem que
todos fazem da marca. Se uma empresa acha que pode proteger sua reputação
simplesmente mantendo-se distante dos canais on-line, está enganada. A presença
nesse ambiente não é mais uma questão de escolha. “As mesmas pessoas que estão
consumindo os produtos na rua estão conectadas. O digital é um meio adicional
no qual as pessoas manifestam suas percepções e revelam seu nível de satisfação
sobre os serviços e produtos”, diagnostica Eduardo Prange, diretor de negócios
e marketing da Plugar. Tanto que a voz da internet tem sido levada em
consideração na hora de adquirir algum produto ou contratar serviços. Um estudo
da Serasa Experian, ainda em 2015, mostrou que 90% dos entrevistados tem o
hábito de pesquisar sobre os produtos antes de adquiri-los.
A consultoria
argentina Oh! Panel teve a mesma conclusão em outro estudo: 73% dos
latino-americanos costumam ler comentários sobre marcas nas redes sociais e,
desses, 62% admitem que as informações influenciam sua decisão de compra.
O comportamento do consumidor contemporâneo explica
o sucesso de sites que dão voz ao elo mais fraco na relação de compra e venda,
como o Reclame Aqui. Esse portal se tornou referência para quem quer conhecer
em detalhes a “ficha corrida” de alguma grife antes de cogitar assumir um
relacionamento sério com ela. Enquanto abre espaço para o consumidor registrar
a sua (in)satisfação, o Reclame Aqui provoca reação nas empresas. Recentemente,
o site produziu uma campanha chamada “Jantar da Vingança”, na qual três
executivos de empresas com recordes de reclamações tiveram a mesma experiência
de seus consumidores. Em um restaurante, depois de sofrerem com o mau serviço
dos garçons, os profissionais eram presenteados com um calhamaço que trazia as
milhares de queixas registradas no site. As companhias antenadas com a nova
lógica cliente-marca podem extrair de sites como esse um feedback precioso para
aprimorar sua reputação. Já aquelas presas ao passado analógico correm o sério
risco de cair na boca do povo da pior maneira possível.
No livro Valor Absoluto: o Que Realmente Influencia
os Consumidores em uma Época de Informação (Quase) Perfeita, os professores
norte-americanos Itamar Simonson e Emanuel Rosen revelam que, com a quantidade
de informações disponíveis na internet, os consumidores se tornaram mais
céticos. A perfumaria desenvolvida pelo marketing não encanta mais tanto os
clientes. O que pesa, mesmo, é a capacidade que a empresa tem de realmente
entregar aquilo que promete. Se há um descompasso entre o discurso da marca e
aquilo que ela oferece, o público saberá. A web permitiu essa busca pela
verdade e por aquilo que há por trás de cada empresa. E provocou o empoderamento
dos consumidores em um nível inédito.
Caiu na rede é crise
Esquivar-se de uma presença ativa na web não evitará que eventuais problemas
apareçam. Eles estarão lá, se tornarão públicos e, como tudo na rede mundial de
computadores, poderão repercutir de maneira tão veloz a ponto de instalar uma
crise de imagem. As organizações mais atentas possuem planos de prevenção que
incluem, entre outras medidas, o monitoramento, através de softwares, das
menções à marca em toda a internet. O objetivo é detectar – e cortar – o mal
pela raiz, sempre que possível. Gil Kurtz, especialista em gestão de imagem da
agência Vossa Estratégia e Comunicação, revela que, apesar de melhorarem sua
estrutura voltada ao ambiente digital, as empresas ainda pecam por não contar
com um plano de prevenção de crises no meio on-line. Um planejamento, enfatiza
ele, que deve ser adequado à veloz dinâmica do mundo digital. Não é raro ver
corporações com poucos canais na rede para interlocução com seu público – seja
ele acionista, consumidor final, imprensa ou comunidade. Também é comum
encontrar empresas prestando atendimentos morosos a solicitações corriqueiras.
“No SAC, existe quem promete resposta em 48 horas. Isso é uma eternidade no
mundo digital. Em dois dias, o consumidor já se irritou e começou a bombardear
a marca na internet”, critica Kurtz. Ele assinala que a maioria das
crises de reputação começa com um pequeno conflito mal administrado e que
poderia ser evitado com um simples mapeamento das demandas na web e com um atendimento
ágil.
É o que procura fazer a Cia. Hering, considerada
uma das pioneiras no desenvolvimento do chamado SAC 2.0. A gigante catarinense
do vestuário coloca à disposição dos consumidores atendimento pelo chat em seu
site e também em sua página no Facebook. A companhia monitora, registra e
responde às reclamações e sugestões nos seus perfis da rede social com
agilidade e diretamente ao interlocutor.
Por precaução, especialistas aconselham as empresas
a ocupar espaços on-line, aproveitando para transformá-los em um canal de
comunicação e de relacionamento com o target. “A marca se fortalece quando
ocupa este espaço”, afirma Ana Luisa Almeida, presidente do Reputation
Institute Brasil. Ela acredita que a maioria das corporações tem dificuldade de
entender qual o seu novo papel em um cenário digital, que se caracteriza
justamente por ser mais democrático e plural. “A organização é apenas um dos
atores da rede. Ela não tem mais controle sobre o discurso organizacional
porque qualquer um pode emitir uma opinião ou informação a respeito dela”,
reforça.
Na web, some o monólogo típico da publicidade
tradicional e entra em cena o diálogo, nem sempre organizado e civilizado, de
infinitas vozes – algumas anônimas e outras bastante conhecidas. Nos últimos
anos, tornou-se comum ex-funcionários utilizarem as redes sociais ou blogs para
revelarem os bastidores ou reclamarem do ambiente de trabalho das suas antigas
empregadoras. Para Ana Luisa, é justamente dentro da empresa que se começa a
erguer os primeiros alicerces de uma boa imagem.
“Se ela não construir uma
reputação forte com os empregados, não o fará com mais ninguém”, sentencia. Por
isso, a estratégia de prevenção das organizações no meio digital deve se
estender a outros públicos. Kurtz recomenda que, além do monitoramento das
citações dos nomes dos executivos na rede, as organizações façam com que esses
profissionais sigam normas e condutas nos meios on-line.
Na web, o microfone está em todo lugar e essa
multiplicidade de vozes é que costuma assombrar os departamentos de marketing.
A primeira reação, muitas vezes, é cortar o som, ou seja, blindar a marca. Mas,
como ensina aquela música de Erasmo Carlos, “proteção desprotege” – o que não
torna a companhia imune a erros. A diferença é que a cena digital não perdoa quem
mascara suas verdades e negligencia a correção de suas falhas. No entanto, há
simpatia e até valorização para quem assume as pisadas na bola a ponto de
encará-las como uma intenção sincera de melhorar a relação com o público.
Peculiaridades digitais
Um dos desafios enfrentados pelas corporações é compreender que, apesar de
atingir milhares de pessoas, o universo digital não pode ser caracterizado
exatamente como um meio de comunicação de massa – não, ao menos, da maneira
clássica. Cada canal on-line comporta tipos de conteúdo distintos e atrai
consumidores diferentes. Daí a importância de, antes de elaborar qualquer
estratégia digital, conhecer o perfil do público a fim de não desperdiçar tempo
e dinheiro com ações que não mobilizem as pessoas certas. “Cada uma das
ferramentas tem o seu modus operandi e sua lógica. Uma é mais pessoal, outra é
mais imagética, outra, ainda, é mais interativa. Isso se deve entender e
respeitar quando se concebe uma tática para o meio on-line”, exemplifica Ana
Luisa. A depender do ramo de atuação da companhia, muitas vezes o mais
importante não é se comunicar com o consumidor final e sim com acionistas ou
clientes corporativos. Nesses casos, é provável que as redes sociais não sejam
as mais apropriadas e que o bom e velho e-mail marketing faça mais sentido.
Até mesmo a linguagem deve ser adaptada. Na
interlocução com seus associados nas redes, a cooperativa de crédito Sicredi
preza sempre por um tom sem formalidades, embora longe de ser definido como
descontraído. É uma forma de atrair o interesse do correntista por um tema que
pode ser um tanto quanto árido para a maioria dos usuários. Sem, contudo,
deixar de lado um certo tom de credibilidade e segurança que se espera de uma
instituição financeira. Recentemente, a Círculo também mudou o estilo de sua
comunicação no Instagram, depois de perceber, pelo monitoramento dos
comentários nas redes sociais, que as consumidoras se reportavam à marca como
“amiga”. A partir dessa constatação, as postagens das fotos deixaram o tom
institucional e começaram a ser feitas somente em primeira pessoa, dando um
toque informal e mais próximo das consumidoras.
O meio on-line pede também conteúdo e atendimento
mais personalizados, que fujam de algo que seja muito padronizado. “É uma
comunicação one to one, mais customizada. Se a pessoa está tentando se
comunicar com a empresa, ela quer uma resposta direta”, ressalta Ana Luisa. Com
1,8 milhão de seguidores do Facebook, a Hering dá conta do atendimento com uma
equipe de 20 profissionais próprios – seguindo uma tendência observada por
Eduardo Prange de “internalização” do processo de atendimento ao evitar a
terceirização. A medida, segundo ele, possibilita às empresas oferecer um
padrão de atendimento em sintonia com seu posicionamento, além de minimizar os
riscos à imagem da marca causados por um profissional despreparado. Afinal, os
meios on-line são apenas mais um dos espelhos dos valores da marca. “Adaptar-se
às mudanças não é deixar para trás a essência da marca. Achamos que o meio
digital é um excelente canal para construir essa inovação e comunicar as
diferentes mensagens do posicionamento pretendido. É muito bacana ter esse
contato próximo com nosso consumidor e fazer parte de uma conversa bilateral”,
assegura Edson Amaro, diretor de marcas da Hering.
Rede de oportunidades
Já habituada ao ambiente digital, a Hering tira proveito da internet também
para o aprimoramento de produtos e estratégias. Em um segmento de varejo de
moda, que exige antecipação de tendências, o acompanhamento das opiniões dos consumidores
(da própria marca e dos concorrentes) é fundamental para desenvolver coleções
certeiras. “É poderosíssimo quando você se apropria das informações que vêm do
público e as usa para interagir melhor com seus consumidores e, baseado nessa
experiência, toma suas decisões de negócio. Esses elementos são uma poderosa
vantagem competitiva”, garante Prange, da Plugar.
A coleta e a avaliação dos dados na internet
permitem traçar um mapa do comportamento dos consumidores através do qual a
empresa pode se orientar para desenvolver as próprias estratégias. As
percepções sobre a marca na web indicam caminhos não só para criar serviços e
produtos cada vez mais personalizados, como também para reforçar atributos que
são relacionados a ela. A observação das redes sociais também pode levar uma
marca a identificar brechas no posicionamento dos concorrentes. Segundo Prange,
nos últimos dois anos as companhias brasileiras têm se mostrado mais
interessadas em mergulhar no revolto mar de informações da web – ainda que mais
motivadas pela preocupação com eventos que manchem a reputação do que com as
oportunidades a aproveitar.
“Hoje, toda e qualquer grande organização já
presenciou uma situação de crise no meio digital ou viu algum concorrente
passar por isso. Elas são sensíveis à questão de reputação, sabem quão difícil
é construir uma imagem positiva e o quão fácil é destruí-la”, adverte Prange.
Mesmo assim, companhias como O Boticário mostram
que é possível ampliar o horizonte para criar ferramentas que aproximem e fidelizem
o público à grife. O grupo paranaense lançou em 2013 o Clube Viva O Boticário,
onde cada cliente tem à sua disposição conteúdo personalizado, com dicas
de beleza (e de produtos da marca, claro) de acordo com seu perfil. Tudo
elaborado com base nos dados obtidos no e-commerce, nas lojas físicas e nas
pesquisas no site.
A web tem proporcionado, inclusive, a participação
dos consumidores no processo de concepção dos produtos de fabricantes como Lego
e Fiat. É a chamada cocriação, um estágio mais avançado do relacionamento
entre marca e público cultivado na internet. Constitui possivelmente o maior
exemplo de que, na rede, o consumidor pode ser muito mais que um simples
comprador. Ele passa a ser um participante, um crítico ou mesmo um
garoto-propaganda. “Nesse momento, a marca tem a grande oportunidade de
reforçar o vínculo com a comunidade que se identifica com ela e que tem a
intenção sincera de contribuir para melhorá-la”, constata Rafael Barcellos, da
Plugar.
Em resumo: quanto maior o envolvimento das
empresas, mais espontâneo é o marketing. O sistema Sicredi vivencia esta
realidade dia a dia. Por ser uma cooperativa de crédito, é comum receber
questionamentos em suas redes sociais sobre qual a diferença entre seu modo de
funcionamento e o de um banco convencional. E quem trata de dirimir as dúvidas
são os próprios associados. “Temos uma grande quantidade de ‘advogados da
marca’. Há um sentimento de apropriação do Sicredi por parte dos associados”,
orgulha-se Ana Pais, superintendente de comunicação e marketing da instituição
financeira. É verdade que a natureza da cooperativa, em que todos são sócios e
não somente clientes, por si só estimula a sensação de pertencimento. Mas o
Sicredi faz questão de potencializá-la com ações que provoquem a participação.
Um exemplo foi a campanha de Dia das Mães deste ano veiculada no Facebook e que
teve as associadas e seus filhos como personagens principais.
O marketing do sistema Sicredi também demonstra que
a relação com o consumidor não precisa sempre ser constituída com base na
oferta e na demanda. Para tanto, mantém um blog onde publica notícias que
exemplificam a força do cooperativismo. A Círculo lançou no ano passado uma TV
on-line cuja programação inclui receitas, dicas de saúde e entrevistas, além do
tradicional passo a passo para fazer tricô e crochê. “Mesmo se a cliente não
está usando nosso produto, ela assiste a algo onde a marca da Círculo aparece.
Desse modo, estamos direta e indiretamente presentes no dia a dia dela”,
salienta Fernanda Wieser, coordenadora de marketing da empresa. Afinal, o fio
do novelo digital pode até se enredar com quem não tem o dom da trama, mas se
transforma em uma rede de infinitas oportunidades em mãos habilidosas.
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