quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Como desfazer o nó digital





Algumas empresas do Sul mostram que é possível não se enredar na malha de riscos e oportunidades que a internet oferece

Por Laura D´Angelo
laura.cauduro@amanha.com.br

 Fernanda Wieser, coordenadora de marketing da Circulo


Ela já passou há muito dos 20 anos, mas é um sucesso na internet. São quase 200 mil seguidores no Facebook e outros 54 mil no Instagram. A cada foto postada, colhe centenas de “curtidas” e outras dezenas de comentários. Seus seguidores a tratam como uma “amiga” íntima que faz parte do dia a dia. Mas não se trata de uma atriz, de uma modelo ou mesmo de uma celebridade da web. A famosa personagem em questão é a Círculo, fabricante catarinense de fios e linhas de Gaspar que, com quase oito décadas de atuação no mercado, começa a consolidar a sua identidade digital. 

As ações de marketing digital na Círculo começaram há cinco anos e exigiram diversas reformulações até que a companhia encontrasse o melhor caminho para aproveitar o que a internet oferece.  “Antes estávamos em tudo que era canal, tudo o que aparecia a gente entrava. Fomos pesquisando como as consumidoras gostariam de ser comunicadas e escolhemos atuar naquelas mídias onde elas estão”, conta Fernanda Wieser (foto), coordenadora de marketing da empresa. Hoje, a Círculo está presente em seis canais na web, mas é no Instagram e no Facebook onde ocorre o maior número de interações entre a marca e o público. É através desses meios que as consumidoras tiram dúvidas, reclamam e sugerem melhorias. É também com eles que a empresa interage com suas clientes e coleta ideias para novos produtos. A linha Neon, de fios com cores vibrantes, foi fabricada a partir de uma demanda identificada nas redes sociais, por exemplo. Concebida para ser uma edição limitada de verão, fez tanto sucesso que permaneceu no portfólio. 

A Círculo exibe uma desenvoltura digital de dar inveja a suas concorrentes multinacionais Coats Corrente e Pingouin, que não mobilizam a multidão de admiradores da grife catarinense. A verdade é que, com sua enxuta equipe digital, a Círculo transita corajosamente por um terreno que as empresas ainda estão aprendendo a desbravar. Ao mesmo tempo em que a internet oferece uma série de oportunidades, as marcas nunca estiveram tão expostas. A disponibilidade de informações que se encontra na rede, aliada à proliferação de sites de avaliação de serviços e produtos, além do compartilhamento de experiências nas redes sociais, levou a construção da reputação organizacional para outro espaço, o digital, e para outro patamar, bem mais complexo que o anterior. E não há como fugir dessas duas realidades. “O ambiente digital não é mais um canal de comunicação. Ele é ´o´canal de comunicação. Tudo passa por ele”, enfatiza Rafael Barcellos, chief data officer da consultoria Plugar. 

Não ter estratégia de atuação na internet representa fechar portas para inúmeras oportunidades de negócio que o público e o mercado podem oferecer e, mais importante, fechar os olhos para a imagem que todos fazem da marca. Se uma empresa acha que pode proteger sua reputação simplesmente mantendo-se distante dos canais on-line, está enganada. A presença nesse ambiente não é mais uma questão de escolha. “As mesmas pessoas que estão consumindo os produtos na rua estão conectadas. O digital é um meio adicional no qual as pessoas manifestam suas percepções e revelam seu nível de satisfação sobre os serviços e produtos”, diagnostica Eduardo Prange, diretor de negócios e marketing da Plugar. Tanto que a voz da internet tem sido levada em consideração na hora de adquirir algum produto ou contratar serviços. Um estudo da Serasa Experian, ainda em 2015, mostrou que 90% dos entrevistados tem o hábito de pesquisar sobre os produtos antes de adquiri-los. 

A consultoria argentina Oh! Panel teve a mesma conclusão em outro estudo: 73% dos latino-americanos costumam ler comentários sobre marcas nas redes sociais e, desses, 62% admitem que as informações influenciam sua decisão de compra. 

O comportamento do consumidor contemporâneo explica o sucesso de sites que dão voz ao elo mais fraco na relação de compra e venda, como o Reclame Aqui. Esse portal se tornou referência para quem quer conhecer em detalhes a “ficha corrida” de alguma grife antes de cogitar assumir um relacionamento sério com ela. Enquanto abre espaço para o consumidor registrar a sua (in)satisfação, o Reclame Aqui provoca reação nas empresas. Recentemente, o site produziu uma campanha chamada “Jantar da Vingança”, na qual três executivos de empresas com recordes de reclamações tiveram a mesma experiência de seus consumidores. Em um restaurante, depois de sofrerem com o mau serviço dos garçons, os profissionais eram presenteados com um calhamaço que trazia as milhares de queixas registradas no site. As companhias antenadas com a nova lógica cliente-marca podem extrair de sites como esse um feedback precioso para aprimorar sua reputação. Já aquelas presas ao passado analógico correm o sério risco de cair na boca do povo da pior maneira possível. 

No livro Valor Absoluto: o Que Realmente Influencia os Consumidores em uma Época de Informação (Quase) Perfeita, os professores norte-americanos Itamar Simonson e Emanuel Rosen revelam que, com a quantidade de informações disponíveis na internet, os consumidores se tornaram mais céticos. A perfumaria desenvolvida pelo marketing não encanta mais tanto os clientes. O que pesa, mesmo, é a capacidade que a empresa tem de realmente entregar aquilo que promete. Se há um descompasso entre o discurso da marca e aquilo que ela oferece, o público saberá. A web permitiu essa busca pela verdade e por aquilo que há por trás de cada empresa. E provocou o empoderamento dos consumidores em um nível inédito.


Caiu na rede é crise

 
Esquivar-se de uma presença ativa na web não evitará que eventuais problemas apareçam. Eles estarão lá, se tornarão públicos e, como tudo na rede mundial de computadores, poderão repercutir de maneira tão veloz a ponto de instalar uma crise de imagem. As organizações mais atentas possuem planos de prevenção que incluem, entre outras medidas, o monitoramento, através de softwares, das menções à marca em toda a internet. O objetivo é detectar – e cortar – o mal pela raiz, sempre que possível. Gil Kurtz, especialista em gestão de imagem da agência Vossa Estratégia e Comunicação, revela que, apesar de melhorarem sua estrutura voltada ao ambiente digital, as empresas ainda pecam por não contar com um plano de prevenção de crises no meio on-line. Um planejamento, enfatiza ele, que deve ser adequado à veloz dinâmica do mundo digital. Não é raro ver corporações com poucos canais na rede para interlocução com seu público – seja ele acionista, consumidor final, imprensa ou comunidade. Também é comum encontrar empresas prestando atendimentos morosos a solicitações corriqueiras. “No SAC, existe quem promete resposta em 48 horas. Isso é uma eternidade no mundo digital. Em dois dias, o consumidor já se irritou e começou a bombardear a marca na internet”, critica Kurtz.  Ele assinala que a maioria das crises de reputação começa com um pequeno conflito mal administrado e que poderia ser evitado com um simples mapeamento das demandas na web e com um atendimento ágil. 

É o que procura fazer a Cia. Hering, considerada uma das pioneiras no desenvolvimento do chamado SAC 2.0. A gigante catarinense do vestuário coloca à disposição dos consumidores atendimento pelo chat em seu site e também em sua página no Facebook. A companhia monitora, registra e responde às reclamações e sugestões nos seus perfis da rede social com agilidade e diretamente ao interlocutor. 

Por precaução, especialistas aconselham as empresas a ocupar espaços on-line, aproveitando para transformá-los em um canal de comunicação e de relacionamento com o target. “A marca se fortalece quando ocupa este espaço”, afirma Ana Luisa Almeida, presidente do Reputation Institute Brasil. Ela acredita que a maioria das corporações tem dificuldade de entender qual o seu novo papel em um cenário digital, que se caracteriza justamente por ser mais democrático e plural. “A organização é apenas um dos atores da rede. Ela não tem mais controle sobre o discurso organizacional porque qualquer um pode emitir uma opinião ou informação a respeito dela”, reforça.

Na web, some o monólogo típico da publicidade tradicional e entra em cena o diálogo, nem sempre organizado e civilizado, de infinitas vozes – algumas anônimas e outras bastante conhecidas. Nos últimos anos, tornou-se comum ex-funcionários utilizarem as redes sociais ou blogs para revelarem os bastidores ou reclamarem do ambiente de trabalho das suas antigas empregadoras. Para Ana Luisa, é justamente dentro da empresa que se começa a erguer os primeiros alicerces de uma boa imagem. 

“Se ela não construir uma reputação forte com os empregados, não o fará com mais ninguém”, sentencia. Por isso, a estratégia de prevenção das organizações no meio digital deve se estender a outros públicos. Kurtz recomenda que, além do monitoramento das citações dos nomes dos executivos na rede, as organizações façam com que esses profissionais sigam normas e condutas nos meios on-line.

Na web, o microfone está em todo lugar e essa multiplicidade de vozes é que costuma assombrar os departamentos de marketing. A primeira reação, muitas vezes, é cortar o som, ou seja, blindar a marca. Mas, como ensina aquela música de Erasmo Carlos, “proteção desprotege” – o que não torna a companhia imune a erros. A diferença é que a cena digital não perdoa quem mascara suas verdades e negligencia a correção de suas falhas. No entanto, há simpatia e até valorização para quem assume as pisadas na bola a ponto de encará-las como uma intenção sincera de melhorar a relação com o público. 


Peculiaridades digitais

Um dos desafios enfrentados pelas corporações é compreender que, apesar de atingir milhares de pessoas, o universo digital não pode ser caracterizado exatamente como um meio de comunicação de massa – não, ao menos, da maneira clássica. Cada canal on-line comporta tipos de conteúdo distintos e atrai consumidores diferentes. Daí a importância de, antes de elaborar qualquer estratégia digital, conhecer o perfil do público a fim de não desperdiçar tempo e dinheiro com ações que não mobilizem as pessoas certas. “Cada uma das ferramentas tem o seu modus operandi e sua lógica. Uma é mais pessoal, outra é mais imagética, outra, ainda, é mais interativa. Isso se deve entender e respeitar quando se concebe uma tática para o meio on-line”, exemplifica Ana Luisa. A depender do ramo de atuação da companhia, muitas vezes o mais importante não é se comunicar com o consumidor final e sim com acionistas ou clientes corporativos. Nesses casos, é provável que as redes sociais não sejam as mais apropriadas e que o bom e velho e-mail marketing faça mais sentido.

Até mesmo a linguagem deve ser adaptada. Na interlocução com seus associados nas redes, a cooperativa de crédito Sicredi preza sempre por um tom sem formalidades, embora longe de ser definido como descontraído. É uma forma de atrair o interesse do correntista por um tema que pode ser um tanto quanto árido para a maioria dos usuários. Sem, contudo, deixar de lado um certo tom de credibilidade e segurança que se espera de uma instituição financeira. Recentemente, a Círculo também mudou o estilo de sua comunicação no Instagram, depois de perceber, pelo monitoramento dos comentários nas redes sociais, que as consumidoras se reportavam à marca como “amiga”. A partir dessa constatação, as postagens das fotos deixaram o tom institucional e começaram a ser feitas somente em primeira pessoa, dando um toque informal e mais próximo das consumidoras. 

O meio on-line pede também conteúdo e atendimento mais personalizados, que fujam de algo que seja muito padronizado. “É uma comunicação one to one, mais customizada. Se a pessoa está tentando se comunicar com a empresa, ela quer uma resposta direta”, ressalta Ana Luisa. Com 1,8 milhão de seguidores do Facebook, a Hering dá conta do atendimento com uma equipe de 20 profissionais próprios – seguindo uma tendência observada por Eduardo Prange de “internalização” do processo de atendimento ao evitar a terceirização. A medida, segundo ele, possibilita às empresas oferecer um padrão de atendimento em sintonia com seu posicionamento, além de minimizar os riscos à imagem da marca causados por um profissional despreparado. Afinal, os meios on-line são apenas mais um dos espelhos dos valores da marca. “Adaptar-se às mudanças não é deixar para trás a essência da marca. Achamos que o meio digital é um excelente canal para construir essa inovação e comunicar as diferentes mensagens do posicionamento pretendido. É muito bacana ter esse contato próximo com nosso consumidor e fazer parte de uma conversa bilateral”, assegura Edson Amaro, diretor de marcas da Hering. 


Rede de oportunidades

Já habituada ao ambiente digital, a Hering tira proveito da internet também para o aprimoramento de produtos e estratégias. Em um segmento de varejo de moda, que exige antecipação de tendências, o acompanhamento das opiniões dos consumidores (da própria marca e dos concorrentes) é fundamental para desenvolver coleções certeiras. “É poderosíssimo quando você se apropria das informações que vêm do público e as usa para interagir melhor com seus consumidores e, baseado nessa experiência, toma suas decisões de negócio. Esses elementos são uma poderosa vantagem competitiva”, garante Prange, da Plugar. 

A coleta e a avaliação dos dados na internet permitem traçar um mapa do comportamento dos consumidores através do qual a empresa pode se orientar para desenvolver as próprias estratégias. As percepções sobre a marca na web indicam caminhos não só para criar serviços e produtos cada vez mais personalizados, como também para reforçar atributos que são relacionados a ela. A observação das redes sociais também pode levar uma marca a identificar brechas no posicionamento dos concorrentes. Segundo Prange, nos últimos dois anos as companhias brasileiras têm se mostrado mais interessadas em mergulhar no revolto mar de informações da web – ainda que mais motivadas pela preocupação com eventos que manchem a reputação do que com as oportunidades a aproveitar. 

“Hoje, toda e qualquer grande organização já presenciou uma situação de crise no meio digital ou viu algum concorrente passar por isso. Elas são sensíveis à questão de reputação, sabem quão difícil é construir uma imagem positiva e o quão fácil é destruí-la”, adverte Prange.

Mesmo assim, companhias como O Boticário mostram que é possível ampliar o horizonte para criar ferramentas que aproximem e fidelizem o público à grife. O grupo paranaense lançou em 2013 o Clube Viva O Boticário, onde cada cliente tem à sua disposição  conteúdo personalizado, com dicas de beleza (e de produtos da marca, claro) de acordo com seu perfil. Tudo elaborado com base nos dados obtidos no e-commerce, nas lojas físicas e nas pesquisas no site. 

A web tem proporcionado, inclusive, a participação dos consumidores no processo de concepção dos produtos de fabricantes como Lego e Fiat.  É a chamada cocriação, um estágio mais avançado do relacionamento entre marca e público cultivado na internet. Constitui possivelmente o maior exemplo de que, na rede, o consumidor pode ser muito mais que um simples comprador. Ele passa a ser um participante, um crítico ou mesmo um garoto-propaganda. “Nesse momento, a marca tem a grande oportunidade de reforçar o vínculo com a comunidade que se identifica com ela e que tem a intenção sincera de contribuir para melhorá-la”, constata Rafael Barcellos, da Plugar. 

Em resumo: quanto maior o envolvimento das empresas, mais espontâneo é o marketing. O sistema Sicredi vivencia esta realidade dia a dia. Por ser uma cooperativa de crédito, é comum receber questionamentos em suas redes sociais sobre qual a diferença entre seu modo de funcionamento e o de um banco convencional. E quem trata de dirimir as dúvidas são os próprios associados. “Temos uma grande quantidade de ‘advogados da marca’. Há um sentimento de apropriação do Sicredi por parte dos associados”, orgulha-se Ana Pais, superintendente de comunicação e marketing da instituição financeira. É verdade que a natureza da cooperativa, em que todos são sócios e não somente clientes, por si só estimula a sensação de pertencimento. Mas o Sicredi faz questão de potencializá-la com ações que provoquem a participação. Um exemplo foi a campanha de Dia das Mães deste ano veiculada no Facebook e que teve as associadas e seus filhos como personagens principais.

O marketing do sistema Sicredi também demonstra que a relação com o consumidor não precisa sempre ser constituída com base na oferta e na demanda. Para tanto, mantém um blog onde publica notícias que exemplificam a força do cooperativismo. A Círculo lançou no ano passado uma TV on-line cuja programação inclui receitas, dicas de saúde e entrevistas, além do tradicional passo a passo para fazer tricô e crochê. “Mesmo se a cliente não está usando nosso produto, ela assiste a algo onde a marca da Círculo aparece. Desse modo, estamos direta e indiretamente presentes no dia a dia dela”, salienta Fernanda Wieser, coordenadora de marketing da empresa. Afinal, o fio do novelo digital pode até se enredar com quem não tem o dom da trama, mas se transforma em uma rede de infinitas oportunidades em mãos habilidosas.



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