Três cientistas da França, da Escócia e da
Holanda, foram laureados por produzir máquinas moleculares como
minúsculos elevadores e motores em escala nanométrica, mil vezes menores
que a espessura de um fio de cabelo
Fábio de Castro,
O Estado de S. Paulo
O Estado de S. Paulo
O Prêmio Nobel da Química de 2016 foi concedido nesta
quarta-feira, 5, aos pesquisadores Jean-Pierre Sauvage, da França, Sir
James Fraser Stoddart, da Escócia e Bernard Feringa, da Holanda, por
seus trabalhos no design e síntese de máquinas moleculares.
Os cientistas desenvolveram moléculas com movimentos
controláveis, que podem realizar tarefas quando recebem energia. As
máquinas moleculares, que incluem minúsculos elevadores e motores, têm
escala nanométrica, ou seja, são mais de mil vezes menores que a
espessura de um fio de cabelo.
O anúncio foi feito nesta quarta-feira, 4, pela organização que
concede o prêmio, o Instituto Karolinska, na Suécia. "O desenvolvimento
da computação demonstra como a miniaturização da tecnologia pode levar a
uma revolução. Os laureados com o Nobel de Química de 2016
miniaturizaram máquinas e levaram a química a uma nova dimensão",
declarou o comitê do Nobel, em um comunicado.
"As máquinas moleculares provavelmente serão usadas no
desenvolvimento de coisas como novos materiais, sensores e sistemas de
armazenamento de energia", disse a academia sueca.
Sauvage, nascido em 1944, atua na Universidade de Estrasburgo,
na França, e é diretor emérito de pesquisa do Centro Nacional de
Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês) no mesmo país. Stoddart,
nascido em 1942, leciona química na Universidade Northwestern, em
Illinois (Estados Unidos). Feringa, nascido em 1951, é professor de
química orgânica na Universidade de Groningen, na Holanda.
O primeiro passo para as máquinas moleculares foi dado em 1983,
por Sauvage, que conseguiu ligar moléculas em forma de anéis para formar
uma corrente. O segundo passo foi dado em 1991, por Stoddart, que
conseguiu fazer com que uma molécula se movimentasse controladamente ao
longo de um eixo. Em 1999, Feringa foi a primeira pessoa a desenvolver
um motor molecular.
Primeira "peça". A corrente formada por
moléculas em forma de anéis, criada por Sauvage, foi batizada de
catenano. Normalmente, as moléculas são unidas por fortes ligações
covalentes nas quais os átomos de cada uma delas compartilham elétrons
entre si. Mas, na corrente de Sauvage, as moléculas ficam livres,
ligadas apenas mecanicamente.
Para realizar o feito, o francês usou o conhecimento de sua área
de pesquisa, a fotoquímica, que permite aos cientistas desenvolver
complexos moleculares capazes de capturar energia do sol para ativar
reações químicas.
Em um desses complexos fotoquímicos, ele percebeu que duas
moléculas ficavam entrelaçadas em torno de um íon de cobre. O cientista
usou o íon de cobre para manter juntas uma molécula em forma de anel e
outra semicircular.
Em uma segunda etapa, ligou uma terceira molécula semicircular ao
conjunto e conseguiu produzir dois anéis entrelaçados, sem ligação
química entre si, permitindo a construção da catenano. Era o primeiro
passo para a criação das máquinas moleculares.
Para que uma máquina seja capaz de realizar uma tarefa, ela deve
ser composta de partes que possam se mover em relação às outras. Os dois
anéis entrelaçados preenchiam exatamente essa exigência.
Controle dos movimentos. Com base nos estudos de
Sauvage, Stoddart desenvolveu a primeira máquina molecular de fato. Ele
conseguiu enfiar uma molécula em forma de anel em um eixo molecular ao
longo do qual ela se move controladamente.
O eixo do minúsculo dispositivo tem dois trechos com maior
concentração de elétrons. Quando se adiciona calor ao sistema, o anel
salta alternadamente entre as áreas do eixo mais ricas em elétrons,
permitindo o controle do movimento. O mecanismo foi batizado de
rotaxano.
O grupo de pesquisa de Stoddart combinou várias rotaxanas,
produzindo mecanismos cada vez mais complexos. Em 2004, eles criaram um
nano-elevador que sobe 0,7 nanômetros. Em 2005, a equipe de Sauvage usou
o rotaxano de Stoddart para criar um "músculo" artificial: os rotaxanos
dobram uma finíssima lâmina de ouro, fazendo o sistema esticar e
contrair.
Fraser e Stoddart também desenvolveram um chip de computador com
memória de 20 kB, baseado em rotaxanos. Um chip convencional de
computador, embora muito pequeno, é gigantesco em comparação ao chip
molecular. Os cientistas acreditam que esse tipo de chip poderá
revolucionar a tecnologia computacional.
Depois da criação desses pequenos mecanismos em escala
nanométrica, Feringa conseguiu produzir um motor molecular que
transforma energia ultravioleta em energia mecânica, girando sempre na
mesma direção.
Mais tarde, ele demonstrou as possibilidades da descoberta usando
o motor molecular para girar um cilindro de vidro 10 mil vezes maior
que o motor. Feringa também criou, em 2011, um "nanocarro": um chassi
molecular unia quatro motores que funcionam como quatro rodas, fazendo o
"veículo" se mover.
Caixa de ferramentas. De acordo com o comitê do
Nobel, os trabalhos de Sauvage, Stoddart e Feringa no desenvolvimento de
máquinas moleculares "resultou em uma caixa de ferramentas de
estruturas químicas que tem sido usada por cientistas de todo o mundo
para construir mecanismos cada vez mais avançados."
Um exemplo desses mecanismos é um robô molecular que consegue
agarrar e conectar aminoácidos, criado em 2013 com base em rotaxanos.
Outros pesquisadores conectaram motores moleculares a longas
cadeias de polímeros, resultando em uma teia intrincada. Quando os
motores moleculares são expostos à luz, eles "enrolam" os polímeros em
um confuso amontoado, fazendo com que a energia da luz fique armazenada
nas moléculas. Se os cientistas descobrirem uma técnica para recuperar
essa energia, um novo tipo de bateria poderia ser desenvolvido.
Em termos de desenvolvimento, o motor molecular está agora no
mesmo estágio do motor elétrico em 1830, quando os cientistas exibiam
orgulhosamente em seus laboratórios manivelas e rodas que giravam. Eles
ainda não tinham, no entanto, nenhuma ideia de que sua descoberta
levaria aos trens elétricos, máquinas de lavar roupa, ventiladores,
processadores de alimentos e outros eletrodomésticos.
Infinitas perspectivas. De acordo com o diretor
do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), em Campinas, Marcelo
Knobel, o Prêmio Nobel de Química ficou em boas mãos. "Foi muito
merecido. Os estudos desses pesquisadores abrem infinitas perspectivas
para a ciência e a tecnologia. Às vezes temos até dificuldade para
imaginar quantas aplicações poderão surgir", disse Knobel ao Estado.
Segundo ele, as perspectivas abertas pelo trabalho dos três
pesquisadores estão ainda em estágio preliminar, mas sua grande
contribuição é aquilo que os cientistas chamam de "prova de conceito".
"Esses pesquisadores mostraram que é possível criar nano-máquinas e
nano-motores. E que é possível reproduzir coisas que existem no mundo
macroscópico em escala nanométrica, por meio da manipulação de moléculas
e átomos de maneira que era impensável tempos atrás. Ainda vamos
desenvolver aplicações específicas, mas agora já sabemos que podemos
controlar dispositivos nessa escala", afirmou.
Computação molecular. Especialista em
nanociência, o químico Henrique Toma, do Instituto de Química da
Universidade de São Paulo (USP) afirma que o ponto mais importante do
trabalho dos três cientistas laureados pelo Nobel é o fato de abrir
portas para a eletrônica molecular.
"Hoje, toda nossa eletrônica é feita com chips de silício. Cada
vez que o chip memoriza o 'um' ou o 'zero', ele movimenta um bilhão de
átomos. A eletrônica molecular fará isso com uma dúzia de átomos. Essa
nova eletrônica será sucessora da atual e deverá ser mais parecida com a
eletrônica neuronal, isto é, com o funcionamento dos nossos cérebros",
explicou Toma.
Toma explica que a nanociência procura fazer com que o caótico
universo das interações químicas e atômicas seja organizado, dispondo as
moléculas alinhadas de uma maneira estratégica para que possam atuar
como uma propriedade específica, criando moléculas inteligentes capazes
de realizar tarefas específicas como fazem as moléculas dos organismos
vivos - que são "nano-máquinas" biológicas.
"No nosso organismo e de todos os seres vivos, é isso que
acontece: os neurônios, por exemplo, são nano-máquinas. Não há uma
interação aleatória entre as moléculas no organismo. As biomoléculas são
inteligentes e têm a capacidade de reconhecer substratos e agir sobre
eles. O objetivo dos nanocientistas é fazer uma química inteligente, com
moléculas inteligentes", explicou.
Toma afirma que o aspecto mais interessante do trabalho dos três
cientistas laureados é que abriu novas perspectivas nesse caminho - com
suas nano-engrenagens, nano-motores, catenanos e rotaxanos. "O mais
interessante é que eles mostraram uma capacidade absolutamente
fantástica de produzir objetos nessa escala, abrindo portas para uma
química mais evoluída", disse.
Outros prêmios. O prêmio de Química é o terceiro
da temporada do Nobel 2016 e o último dos prêmios dedicados à ciência.
Nesta terça, foram divulgados os vencedores do prêmio de Física,
concedido aos britânicos David Thouless, Duncan Haldane e Michael
Kosterlitz por suas descobertas teóricas sobre estados exóticos da
matéria, que abrem caminho para o desenvolvimento de novos materiais com
propriedades incomuns.
Na segunda-feira, o prêmio de Fisiologia ou Medicina foi
concedido ao biólogo japonês Yoshinori Ohsumi, por suas descobertas
sobre os mecanismos de autofagia, que é o processo de reciclagem de
componentes das células. O prêmio Nobel da Paz será anunciado na
sexta-feira, 7 e o das Ciências Econômicas na segunda-feira, 10. A data
para o Prêmio Nobel da Literatura ainda não foi divulgada.
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