É dos engenheiros que o mundo precisa para evitar a destruição da
biodiversidade, a catástrofe climática e o alastramento da pobreza,
afirma o economista Jeffrey Sachs, professor da Universidade Columbia
(EUA).
À frente dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, Sachs
tem se dedicado a descobrir como pôr em prática o compromisso firmado em
2015.
"Da manhã à noite, a questão na minha mente é como ser
operacional e bem-sucedido. Como evitar a sina do Eco-92 [conferência
que reuniu no Rio 180 países para tentar evitar danos ambientais]",
disse na sexta (17) em palestra na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo).
Trabalho decente, educação de qualidade,
fome zero, inovação industrial e consumo responsável são alguns dos 17
objetivos que deveriam ser alcançados até 2030, segundo documento
subscrito por 193 membros da ONU (Organizações das Nações Unidas).
Para
Sachs, diretor da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável
da ONU, o mais urgente é o 13: ação contra a mudança global do clima.
"Estamos
próximos de mudanças irreversíveis e gravíssimas. Há até quem ache que
já ultrapassamos o limiar. E as consequências serão parecidas com as de
uma guerra nuclear."
A missão de tornar reais as ideias precisa
passar das mãos dos diplomatas para a dos engenheiros, segundo ele,
porque o que falta são sistemas para operacionalizar o conhecimento.
"Engenheiros, porém, costumam ser contratados para dar lucro", observou em entrevista após a palestra.
Para
Sachs, as soluções de engenharia terão que ser financiadas por
governos, filantropos e impostos sobre as empresas e as pessoas mais
ricas. "Precisamos olhar para o desenvolvimento sustentável não apenas
como uma atividade orientada pelo mercado, mas para o bem social e o
interesse público."
Das pranchetas dos engenheiros, ele espera que saiam cinco grandes transformações:
1. das fontes de energia, acabando com o uso de petróleo e carvão,
2. do uso da terra, produzindo alimentos sem destruir a biodiversidade, esgotar ou poluir as fontes de água e o solo,
3. das cidades, preparando-se para receber bilhões de novos moradores,
4. dos serviços públicos, fornecendo saúde e educação de qualidade para todas as pessoas e
5. das sociedades, treinando e educando as pessoas para que se adaptem a um mundo de profunda inovação tecnológica.
O economista defendeu também planejamento que conduza a força bruta
do mercado, comentou "acidentes eleitorais" a que estão sujeitos "países
presidencialistas como EUA e Brasil" e falou sobre o risco de
tecnologias elevarem a desigualdade.
*
Folha - Uma das metas do
desenvolvimento sustentável, emprego de qualidade para todos, é
ameaçada pela expansão dos robôs. Há risco de um novo problema sério
antes de resolvermos os antigos?
Jeffrey Sachs - É um risco real.
Tecnologia pode ser positiva, tornar mais eficientes saúde, educação,
agricultura, mineração, finanças, comércio. Mas, como em toda grande
inovação, há riscos enormes, se for mal usada ou não prestarmos atenção
nos efeitos colaterais.
Muitos empregos serão eliminados. Muitos
trabalhadores vão perder seu emprego. Alguns serão treinados para novas
funções, mas elas vão requerer habilidades que nem todos terão. Outros
terão trabalho, mas os salários vão cair e eles ficarão pobres.
E
alguns ficarão fantasticamente ricos. Principalmente os donos das
máquinas e aqueles que tiram vantagem da automação. A torta vai ficar
maior, mas será fatiada de uma maneira menos justa.
Se falharmos em
reconhecer isso, vamos criar sociedades ainda mais desiguais, com mais
sofrimento dos pobres e mais instabilidade.
O que fazer?
Há três
caminhos. Um é mais treinamento e educação. Ainda seremos melhores seres
humanos que as máquinas, portanto funções que requeiram o toque humano
poderão sobreviver.
O segundo ponto é que o total de trabalho humano
já está encolhendo. Chamamos isso de lazer, de aposentadoria, de férias.
Gosto da ideia de que as máquinas trabalhem por mim enquanto tomo café.
Mas é preciso compartilhar esse tempo de lazer.
Neste momento, os
que têm ótimos empregos se beneficiam com longas férias, enquanto outros
trabalham sem um único dia de descanso remunerado e mal conseguem pagar
suas contas.
A terceira parte é a redistribuição de renda. Os ricos
precisam pagar mais impostos para financiar o bem estar dos pobres. Se
fizermos essas três coisas, não apenas a torta vai crescer, mas todos
teremos uma fatia melhor: na forma de mais renda, mais lazer e trabalho
mais interessante.
Os EUA vão na direção inversa.
Exatamente na
direção inversa, porque temos o mais perverso grupo de doadores
bilionários financiando o Partido Republicano. Estão votando cortes de
impostos para os super-ricos e tirando os serviços dos pobres. O
resultado será horrendo.
Os americanos que saem do ensino médio estão
vendo seus salários reais encolherem, enquanto uma elite com diploma
universitário tem ganhos galopantes. E a maioria está gritando "Ei, e a
gente?".
Até agora não tem havido resposta a estes gritos, e isso é
um perigo tremendo para países como o Brasil e os EUA, que já partem de
uma sociedade muito desigual, que pode piorar ainda mais.
Parte dos supersalários está nas gigantes de tecnologia. Qual o perigo de tanta concentração de poder e capital?
As
cinco grandes, Apple, Amazon, Alphabet [Google], Facebook e Microsoft,
têm hoje um valor mercado de US$ 3,2 trilhões. É simplesmente
inimaginável a concentração de valor e o quanto seus donos ficaram
ricos.
E elas têm uma vantagem que só agora está sendo compreendida:
monitoram tudo o que fazemos e vendem nossas identidades. Estão vendendo
nossos hábitos de consumo, as suposições que fazem sobre nossas
personalidades e preferências políticas.
Também monopolizam a distribuição de informação?
Não
apenas monopolizam, distorcem a distribuição, ao enviar informações
diferentes para diferentes pessoas, e sendo pagos para isso.
Todos
nós tivemos um choque de realidade nos últimos seis meses, com as
revelações sobre hackers nas eleições dos EUA, compra de anúncios no
Facebook, microtargeting, Cambridge Analytica [consultoria de uso de
dados para campanha eleitoral), coisas nas quais jamais havíamos
pensado.
Há especialistas muito preocupados com isso. Quanto mais
especialista, mais preocupado, a não ser que trabalhe para uma das cinco
companhias. Essas empresas agregam conhecimento sobre nós não apenas
quando fazemos uma busca no Google. Praticamente qualquer site que a
gente visite fornece informações ao Google sem o nosso consentimento.
Essas informações estão sendo crescentemente comercializadas e mal usadas, e os riscos desse abuso são profundos.
Quais são?
Não
há nada que impeça essas companhias de violar nossa privacidade das
maneiras mais horríveis. Não sabemos exatamente o que eles fazem com
nossos dados, não entendemos como os algoritmos funcionam, não
concordamos com nada disso.
No Parlamento Italiano discutem-se formas
específicas para combater esse monopólio. Por exemplo, tornar nosso
perfil numa rede social automaticamente portátil entre redes
concorrentes. Se sairmos do Facebook, podemos levar conosco todos nossos
amigos para outra rede. Hoje você está trancado dentro do Facebook.
Há
ótimas ideias em curso sobre como regular essas empresas. E eles
precisam pagar muito mais impostos, porque escondem seus lucros, e isso
simplesmente não é aceitável.
Por que os estudos sobre desenvolvimento sustentável não se transformam em ações práticas?
Sem os cientistas, nem saberíamos o tamanho do desafio que temos, como o aquecimento global, a perda de biodiversidade.
Mas
são os engenheiros que fazem coisas. Tecnologias, ferramentas. Podem
ser softwares ou hardwares, ideias ou máquinas. Parte do que precisamos
agora é que os engenheiros ajudem a desenhar um sistema de energia de
baixo carbono, e um novo sistema para manejar água escassa em lugares do
mundo em que os cursos d'água têm sido esgotados.
Frequentemente os
engenheiros são contratados para desenvolver coisas que dão lucro, mas
não têm sido contratados para fazer coisas para o bem comum.
Se eles vão trabalhar para o bem público, quem vai pagá-los?
É
por isso que precisamos olhar para o desafio do desenvolvimento
sustentável não apenas como um problema de mercado, orientado pelo
mercado, mas também como uma atividade orientada para o bem social e o
interesse público, financiada por governos, filantropos, e impostos
sobre empresas e pessoas mais ricas.
O sr. sugere algum planejamento
para dirigir as forças de mercado, e nos EUA vários economistas,
filósofos do direito e cientistas políticos vêm promovendo ideias
semelhantes, como o Novo Progressismo. O quanto isso foi afetado com a
eleição de Trump?
O Partido Republicado se transformou em um partido
de libertários. O libertarismo americano é muito específico, é
ultraneoliberal ao extremo. Mas os americanos não são ultraneoliberais.
São alguns poucos ultrarricos, principalmente os irmãos Koch, que
patrocinaram o movimento libertário americano nos últimos 25 anos.
Fundaram
departamentos em universidades, think tanks em Washington, parte por
ideologia e parte por interesse econômico, para manter os lucros e não
pagar impostos.
Os irmãos Kochs são a maior potência petrolífera dos
Estados Unidos. Eles não querem regulações ambientais. Não querem a
verdade sobre a mudança climática. Parte da mudança política americana
não é um movimento de bases, de raiz, mas vindo de cima para baixo que
pretende se mostrar como de base, com muito dinheiro sendo despejado de
cima para baixo.
Trump é um fenômeno bem particular. Intelectualmente
despreparado e instável psicologicamente. Até mesmo republicanos
acreditam que ele é inadequado para presidir os Estados Unidos. Ele é um
acidente em nossa história. O Brasil também conhece essas tristes
circunstâncias, quando acidentes acontecem. O sistema presidencialista,
que o Brasil e o Estados Unidos têm, permite que muita coisa aconteça
por azar, no jogar dos dados.
Trump é uma aberração. Mas muito do que
está movendo a política agora é a agenda libertária. Paul Ryan
[presidente da Câmara] e Mitch McConnell [líder da maioria do Senado]
são absolutamente dependentes financeiramente dos irmãos Koch. É dessa
forma que a política está profundamente corrompida pelo dinheiro.
Estamos lutando contra isso no nível da política, mas temos que lutar
também no nível das ideias.
O mundo mudou muito desde 2015, quando o senhor escreveu "A Era do Desenvolvimento Sustentável". Como isso afeta suas propostas?
A
grande mudança de lá para cá é que estamos já a dois anos do lançamento
dos objetivos e o relógio anda rápido. As metas foram fixadas para 15
anos, e dois já se passaram. Os objetivos são muito difíceis de atingir.
Tenho
usado a maior parte do meu tempo tentando fazê-los mais operacionais,
tentando engajar governos a adotá-los. Tentando mantê-los no centro das
atenções. Por exemplo, na próxima reunião do G20 na Argentina [em
novembro de 2018], tenho tentado colocar os SDG como centrais. Como tema
central na organziação do encontro.
Outra coisa que aconteceu nesses
dois anos foi Trump. Não esperávamos esse tipo de política bizarra nos
EUA. Estamos tentando, nós da oposição, fazer com que as coisas voltem
ao normal. Ou melhor que o normal, porque o normal não era bom o
suficiente.
Mas o que temos agora é definitivamente anormal (Folha de S.Paulo, 21/11/17)
Sachs defende cinco grandes transformações lideradas pelas universidades
“Precisamos de engenheiros trabalhando em questões referentes ao
desenvolvimento sustentável, pois são problemas sistêmicos que precisam
de um novo desenho para serem superados”, disse o economista
norte-americano Jeffrey Sachs, em palestra realizada no dia 17 de
novembro, no auditório da FAPESP.
Para o renomado professor da
Columbia University, no caminho do desenvolvimento sustentável, o mundo
também precisa de cinco grandes transformações e é só com o auxílio de
universidades e de centros de pesquisa que elas poderão se tornar
realidade.
As cinco grandes transformações são: descarbonização da
energia; uso sustentável do solo; desenvolvimento de cidades
sustentáveis; instituição de serviços públicos de qualidade (saúde e
educação); e a criação de institutos de pesquisa que auxiliem nessa
transformação geral da sociedade.
“Sem a ciência, não saberíamos o
que está acontecendo conosco. Mas é preciso fazer uma distinção entre
ciência básica e ciência aplicada. Por isso, precisamos de engenheiros.
São eles que desenvolvem coisas, sejam tecnologias, ferramentas,
softwares, hardwares, ideias ou máquinas. Parte do que precisamos agora
são engenheiros que possam desenhar um novo sistema de baixo carbono, de
energia, de água”, disse.
“Precisamos ter uma visão dos desafios do
desenvolvimento sustentável não só como atividade que mereça o
tratamento de mercado, mas também como atividade de bem público, que
precisa de governos, da filantropia e que imponha taxas maiores a
empresas e pessoas ricas, para que seja possível pagar pela agricultura
sustentável ou pelos sistemas de energia sustentável, por exemplo”,
disse.
As universidades seriam os locais ideais para que essas
transformações se tornem realidade. “Elas são ótimos lugares para fazer
esse progresso. O problema é que geralmente as universidades não são
organizadas por problemas sociais, mas por disciplinas. Isso é bom, pois
parte do sucesso das universidades se baseia nessa divisão, mas também é
preciso que pessoas de diferentes áreas trabalhem juntas em equipes
multidisciplinares”, disse.
Sachs destaca que as universidades
precisam pensar em novas formas de envolver os estudantes não apenas em
aulas ou disciplinas, mas na solução de problemas de alto nível.
“Recomendo, ainda, que uma cidade como São Paulo se aproxime de suas
universidades e diga: ‘Olha, precisamos alcançar as metas de
desenvolvimento sustentável, que tipo de sistema de transporte, de
energia, de uso do solo podemos desenhar? Como resolver a desigualdade
entre os bairros?’. E, a partir desse diálogo, fazerem planos”, disse.
Sachs
está à frente de discussões sobre liderança em desenvolvimento
sustentável há décadas, sendo considerado, inclusive, uma das forças
motrizes por trás da criação dos Objetivos do Desenvolvimento do
Milênio, plano que antecedeu os 17 Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (SDGs). “Tínhamos cerca de 300 objetivos que concentramos em
17”, disse.
Além de autor de grandes sucessos editoriais – como O
fim da pobreza, publicado em 2005, e A era do desenvolvimento
sustentável (2015) –, Sachs tem atuado como assessor especial dos três
últimos secretários-gerais da Organização das Nações Unidas (ONU): Kofi
Annan, Ban Ki-Moon e o atual António Guterres.
Sachs alerta que o
mundo corre o risco da irreversibilidade. “Um exemplo é que estamos
perdendo muitas espécies, que não vão voltar como fizeram em Jurassic
Park”, disse.
Para ele, dos três pilares que sustentam o
desenvolvimento sustentável –econômico, social e ambiental – o ambiental
é o mais difícil de ser resolvido. “Porque ele é irreversível e não
temos como atingir os outros dois pilares sem ele”, disse.
Gilberto
Câmara, membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças
Climáticas Globais (PFPMCG), comentou que a palestra de Sachs na FAPESP
é mais um sinal de um momento importante na história da Fundação.
“O
fato de Sachs aceitar o convite para vir aqui e falar ao público de São
Paulo, depois de termos conversado na COP em Paris, é marcante e
demonstra a importância das atividades da FAPESP e da preocupação em
financiar iniciativas para o desenvolvimento sustentável”, disse
.
(Agência Fapesp, 21/11/17)