Vender o Brasil aos investidores internacionais nunca foi
fácil. E o agravamento da crise nos últimos anos, claro, piorou ainda
mais as coisas. O que mais escuto nas incontáveis reuniões que participo
mundo afora com investidores é que o Custo Brasil, a corrupção, a
instabilidade política e econômica, a infraestrutura precária e até
mesmo a falta de exits (eventos de liquidez, venda de startups) são
fatores que tornam o País pouco atraente frente a outras economias
emergentes que vêm despontando no digital, como China e Índia.
Mas este não é um artigo para pintar um quadro pessimista. Ao
contrário, nunca vivemos um momento tão oportuno para acreditar no
potencial de retorno dos investimentos em startups brasileiras.
Mas quem sou eu pra falar isso? Afinal, esse negócio de startups está
apenas começando, certo? Para que possa ter um pouco de contexto sobre
meu ponto de vista, permita-me relatar rapidamente minha jornada ao
longo dos últimos 20 anos no mercado de tecnologia no Brasil como
empreendedor e investidor.
Estou neste negócio de Internet desde 1997, quando co-fundei o Zeek!,
que chegou a ser o segundo maior site de buscas do País e acabou sendo
comprado pela StarMedia, portal latino-americano com sede nos Estados
Unidos e uma das estrelas da primeira era de ouro da Web brasileira. Em
1999, ela chegou a abrir o capital na Nasdaq (IPO), alcançando um valuation, no pico, de US$ 3,7 bilhões.
Passei um tempo como executivo no portal e decidi partir para minha
primeira experiência como investidor e mentor como co-fundador da
Ideia.com, uma das primeiras incubadoras de startups do País, que junto
com o fundo americano Warburg Pincus investiu em 15 startups entre 2000 e
2004.
Fui também fundador e CEO do Experience Club, maior plataforma de
relacionamento corporativo do Brasil, e da BPG, uma plataforma de
e-commerce (BPG Lojas Virtuais). Em 2011, voltei a ser investidor,
criando a Bossa Nova Investimentos. Hoje, eu e meu sócio, João Kepler,
já contabilizamos mais de 150 startups investidas.
Nestas quase duas décadas, vi a corrida do ouro e o estouro da bolha
da Internet em 2000 (nesta época nem se falava por aqui em termos como
Venture Capital, startups, round A, seed capital, investimento anjo
etc), assisti a chegada ao Brasil das VCs do Vale do Silício e da Europa
e a enxurrada de capital em startups copycats das americanas,
testemunhei a criação de negócios digitais que colocaram em xeque
negócios tradicionais até então considerados imbatíveis.
Com as credenciais de quem viveu na pele todos os altos e baixos do
mercado digital no Brasil, estou confiante de que os próximos anos serão
de vacas mais gordas.
Com base em que digo isso? Vejo quatro pilares que, somados, tornam
este o melhor momento para se investir em startups: 1) a escassez de
investidores, 2) a qualificação dos nossos empreendedores, 3) o ‘mobile
first’ e 4) a adesão crescente aos canais de mídia digitais e o baixo
investimento para atrair audiência e consumidores.
Analiso cada uma delas.
1) A falta de concorrência nas melhores oportunidades.
Mesmo com a queda rápida da SELIC, os investidores ainda não estão
olhando a sério para startups, o que gera baixa concorrência. Negócios
que seriam disputadíssimos em mercado evoluídos, aqui têm que penar para
conseguir um investidor.
2) Empreendedores.
Eles estão, sim, mais preparados.
Há 5 anos, quando fundamos a Bossa Nova, a maior parte não sabia o que
significavam conceitos como Life Time Value, Business Plan, Cloud
Computing, Bounce Rate, Break Even, Bootstraping ou MVP.
Nosso ecossistema é hoje bem mais sólido e graças ao trabalho de
organizações como a Endeavor, a Associação Brasileira de Startups, o
Sebrae e outras tantas temos uma educação empreendedora de primeira
categoria.
A própria Web se tornou uma fonte riquíssima de conteúdos para quem
quer aprender a empreender e basta força de vontade e dedicação para
beber do conhecimento das escolas mais respeitadas do mundo.
Uma pesquisa
encomendada pela PayPal para Mind Miners para fazer um raio X do
empreendedorismo no Brasil e divulgada recentemente revelou que 20% dos
futuros empreendedores querem fundar uma empresa de tecnologia. Mais da
metade, 51%, pensam em abrir um negócio multicanal com uma loja física e
online.
3) Mobile para todos.
O Brasil alcançou a marca de
mais de 241 milhões de celulares em setembro passado, uma densidade de
115,93 celulares/100 habitantes, segundo a Anatel.
Até 2013, o número de feature phones era maior do que o de smartphones.
Atualmente, eles são maioria absoluta. A Fundação Getúlio Vargas estima
que terminaremos 2017 com um smartphone por habitante e que até 2019
teremos 236 milhões de telefones inteligentes em uso no País.
Com esta base crescente, negócios ‘mobile first’ conseguiram
vingar no mercado brasileiro, como é o caso da 99, do iFood e do Nubank
e, impossível não mencionar, as redes sociais.
O Facebook chegou a 2 bilhões de usuários ativos no mundo, 117
milhões deles brasileiros. O Brasil desponta também como um dos top 5 em
número de usuários em vários aplicativos mobile, como Twitter, Waze e
Uber.
O mobile continuará sendo, é irreversível, o berçário para uma
geração promissora de startups. E com tantos dispositivos móveis
conectados, o Brasil poderá ser o pai de muitas delas.
Segundo a consultoria Ebit, no primeiro semestre deste ano as compras
por smartphones cresceram 35,9% e o valor do ticket médio foi 14,9%
superior nos dispositivos móveis. É uma base de usuários muito
interessante para criar e testar novos modelos com ambições globais.
4) YouTube é a nova Globo.
Pare e pense em quantas
marcas você já conhece, se relaciona e consome que nunca anunciaram na
TV ou na grande mídia. Na era do marketing de conteúdo, construir e
engajar a audiência nunca foi tão fácil e barato. As redes sociais se
tornaram a nova telinha dos brasileiros e já não há como negar a
relevância do YouTube, do Facebook, do Instagram, do Google e outros
canais online nos planos de mídia das agências e anunciantes.
Com uma geração que assiste cada vez menos TV e passa mais e mais
horas conectada nas redes sociais, principalmente assistindo vídeos,
criar seus próprios canais ou despejar verbas nos influencers se tornou
mandatório às marcas que, sob pena de perder market share, são obrigadas a pegar carona no crescente sucesso dos youtubers e personalidades do Instagram.
Isso permitiu que os nichos se tornassem grandes negócios.
Celebridades como Whindersson Nunes, com mais de 24,6 milhões de
seguidores, seriam impensáveis há 5 anos. Minha ficha caiu quando meu
filho me pediu para entrar no YouTube (na TV digital) e passei a
conhecer o Marco Tulio, jovem que criou o canal Authentic Games
para dar dicas de como jogar Minecraft. Criado em 2011, o canal tem
mais de 11,4 milhões de seguidores e alguns vídeos têm mais audiência
que muitos programas de grandes emissoras. Além disso, seus eventos são
dignos de um rock star.
Esta turma, sem precisar de megaempresários do show business, chega a
ganhar algumas de centenas de milhares de dólares por mês com eventos,
livros e verbas polpudas de publicidade e patrocínio. A boa notícia é
que, assim como para eles, não é mais preciso fazer pesados
investimentos para construir uma comunidade de consumidores (ou fãs)
fiéis e evangelizadores.
Se você já é investidor ou está pensando em diversificar, agora é a
hora de começar a olhar nosso mercado com muita atenção. Temos uma nova
safra de empreendedores digitais que não devem nada aos gringos. Temos
muitas oportunidades para negócios disruptivos ocuparem espaços em
grandes mercados.
A economia dá sinais claros de melhora e não é mais preciso um
caminhão de capital para colocar uma startup na estrada ou para
investir, Com pouco capital é possível começar a investir e aproveitar
este novo ciclo virtuoso quer está começando. Quem entender que a hora é
esta poderá esperar bons resultados nos próximos anos.
Mas aos que ainda olham o Brasil pelas lentes do pessimismo, fica o
alerta do megainvestidor Warren Buffett: “Tenha medo quando os outros
estão gananciosos e ganância quando os outros estão temerosos.”
Pierre Schurmann é sócio da Bossa Nova Investimentos
https://www.istoedinheiro.com.br/por-que-hora-de-investir-em-startups-no-brasil-e-agora/
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