O temor gerado por uma cultura de anos de litígios nas relações com funcionários está reduzindo a disposição das empresas em abraçar a reforma trabalhista de imediato. Saiba o que falta para a modernização pegar de fato
Nos próximos dias, o empresário Sergio Gracia, sócio-fundador
da fabricante de calçados Kidy, com 1.800 funcionários, vai procurar o
sindicato dos trabalhadores para resgatar uma negociação histórica. A
redução no horário de almoço, com equivalente antecipação do fim do
expediente, sempre foi um desejo mútuo entre as partes. Nunca avançou
por temor de que a Justiça do Trabalho anulasse o acordo. Com a entrada
em vigor da reforma trabalhista, a partir de sábado 11, Gracia sente-se
confiante para avançar no tema, já que o texto deixa claro que a
flexibilização é possível. Se concordarem com a mudança, os
trabalhadores da unidade de Mato Grosso do Sul, uma das três do grupo,
poderão voltar até uma hora antes para casa.
A redução de uma hora e meia para meia hora na pausa de almoço fará
com que o turno termine às 16h08 e não mais às 17h08, aumentando a
qualidade de vida e a produtividade. Além disso, pode atrair jovens ao
setor, um desafio atual das fabricantes. Entre as alterações previstas
estão ainda a jornada 12×36 em partes da operação e a terceirização em
áreas administrativas. Algumas delas, porém, devem esperar até que fique
claro se os riscos judiciais estão mesmo descartados. “Temos de nos
precaver porque tudo é muito novo”, diz Gracia. “Não sabemos como será a
reação da Justiça e do sindicato.”
Na maior parte das empresas, o anseio é grande para adotar as normas
mais modernas na relação de trabalho. Afinal, a vigência do novo texto
representa a principal grande mudança desde que a Consolidação das Leis
Trabalhistas foi elaborada, há mais de 70 anos, ainda na Era Getúlio
Vargas. Mais flexibilidade significaria uma alocação mais eficiente de
recursos, maior competitividade, menos custos – em especial o advindo da
enxurrada de processos – e, como consequência, uma potencial geração de
vagas. Mas a cultura de anos de litígio entre as partes e a resistência
de alguns atores em incorporar o novo texto ameaçam emperrar a nova
etapa e motivam uma dose extra de cautela. Criou-se uma dúvida em torno
da reforma comum a novas leis no Brasil: será que vai pegar?
As incertezas são tantas que surge o risco de um efeito
contrário da reforma no primeiro momento: aumentar, em vez de diminuir, o
volume de ações trabalhistas. Mais de três milhões de novos
processos são ajuizados todo ano na Justiça do Trabalho, o que coloca o
país como um dos mais litigantes no tema. “Em geral, temos hoje de 100 a
1.000 vezes mais processo do que outros países”, afirma Antonio Megale,
presidente da associação das montadoras (Anfavea) sobre a situação do
setor. “Não vai ser de hoje para amanhã que as coisas vão mudar.” Nas
montadoras, a tradição de negociações com o sindicato é citada como
diferencial capaz de contribuir para fazer valer uma das alterações mais
esperadas pelas empresas: a da prevalência do negociado sobre o
legislado, em que os acordos tendem a ter mais força do que a lei. Assim
como no caso da calçadista, a primeira novidade será a redução do
almoço e a saída mais cedo.
O temor envolve temas-chave da reforma. Há dúvidas sobre até que
ponto será possível terceirizar, capítulo no qual o texto buscou
esclarecer melhor a permissão para atividades-fim; sobre as condições em
que não haverá problema adotar o trabalho intermitente, em que o
funcionário recebe por hora; sobre a não incidência de encargos em
premiações e bonificações, além de outros. “A discussão que deveria ter
sido terminada com a sanção presidencial não terminou”, afirma Claudio
Hermolin, presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado
Imobiliário (Ademi) e CEO da Brasil Brokers. “Tem órgãos de classe e
sindicatos questionando a legalidade da reforma trabalhista.” Na sua
empresa, por exemplo, os estudos estão mais avançados na adoção de
trabalho remoto. A percepção de dúvidas é recorrente. “O nível de
incerteza ainda persiste”, diz Flavio Amary, presidente do sindicato da
habitação (Secovi-SP). “Esse conjunto de normas é importante porque vai
trazer de volta o incentivo ao emprego.” Numa tentativa de reduzir as
dúvidas, o setor voltará a debater o tema num seminário em Brasília, nos
dias 30 e 1º de dezembro.
CORPORATIVISMO
A confusão é acentuada por diversos
motivos, desde ações ajuizadas pela Procuradoria alegando a
inconstitucionalidade do texto até declarações de juízes e dirigentes
sindicais. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho
(Anamatra) divulgou uma lista dos temas dos quais discorda da reforma.
Entre eles, a cláusula que estabelece uma referência com base no salário
do trabalhador para as indenizações de dano moral, a que abre a
possibilidade de o funcionário arcar com as custas do processo, além da
terceirização e da jornada intermitente. Trata-se de uma sinalização dos
juízes de que, se confrontados em processos, adotarão interpretação
contrária ao texto. “A lei foi aprovada com pouco debate”, afirma
Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra. “O resultado disso é uma
lei com vários vícios e inconstitucionalidades.”
A reação dos magistrados indica uma atitude corporativista, uma vez
que a tendência é de que os acordos entre trabalhadores e empresas
reduzam o papel do Judiciário. “Um dos propósitos da reforma é diminuir o
ativismo judicial”, diz Elton Duarte Batalha, professor de Direito
Trabalhista da Universidade Mackenzie. “É natural haver uma
resistência.” Ao todo, o Brasil possui 1.570 varas do trabalho e 3.332
juízes especializados no tema (leia quadro na pág. 34). Para o
presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva
Martins Filho, a reforma vai melhorar o trabalho do Judiciário. “Vamos
julgar só as causas mais relevantes”, afirmou em entrevista à Folha de
S. Paulo.
Os sindicatos também relutam em aceitar certas mudanças. Os
trabalhadores do comércio em São Paulo, por exemplo, negociaram
salvaguardas com os patrões adiando, até fevereiro, a aplicação de
trabalho intermitente e tipos de terceirização. A esperança de ambos é
que o governo cumpra a promessa de editar uma Medida Provisória
esclarecendo e atenuando certas propostas. “Para os sindicatos dos
comerciários, a lei não vai vigorar este ano”, afirma Ricardo Patah,
presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT). A esperança é de
correções tais como limitar o trabalho intermitente a 10% dos
funcionários, exclusivamente para quem está no primeiro emprego ou é
aposentado.
Se as mudanças não vierem via Legislativo, Patah convida as empresas a
fazerem os ajustes via acordo. “Independentemente da nossa indignação,
vamos negociar”, afirma. “Não dá para ficar debatendo quando temos 14
milhões de desempregados.” Pesa contra também a memória de empresários
acostumados com a litigância e uma visão cética sobre a Justiça
acumulada ao longo dos anos. “Não há nada que faça o contencioso no
Brasil diminuir, a não ser um pacto social”, afirma José Carlos Wahle,
sócio da área Trabalhista do Veirano Advogados. “Juízes, empregados,
empregadores e sindicatos precisam parar de desconfiar um dos outros e
partir do pressuposto de que todos agem de boa fé até que se prove o
contrário.” Se é isso o necessário para que a reforma trabalhista pegue
de vez, é impossível estimar quanto tempo levará até que ela gere o seu
pN o vaivém político de Brasília, numa mesma semana um projeto pelo qual
o governo batalhou por meses pode parecer morto e, em poucos dias,
voltar à vida.
A reforma da Previdência era a
principal aposta do presidente Michel Temer para reverter a trajetória
de avanço da dívida pública e afastar o risco de insolvência do país no
longo prazo. Diante da dificuldade de avançar com a apreciação no
Congresso, Temer admitiu na segunda-feira 6 um eventual fracasso na
votação. “Se em um dado momento, a sociedade não quer a reforma da
Previdência, a mídia não quer e a combate e, naturalmente, o parlamento
que ecoa as vozes da sociedade também não quiser aprová-la, paciência”,
afirmou Temer em reunião com ministros e representantes da base no
Palácio do Planalto. A declaração gerou um mal estar no mercado
financeiro. No dia seguinte, a Bolsa recuou 2,55% e o dólar avançou
0,55%, com investidores destacando a fala do presidente.
A equipe econômica tentou minimizar o dano reforçando a mensagem de
que o texto segue vivo. Após reuniões com líderes do Congresso, o
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sinalizou a importância de
avançar neste ano, antes do calendário eleitoral, mesmo que seja preciso
um texto mais tímido. O governo admite agora flexibilizar o projeto em
diversos pontos e espera agora metade da economia prevista aos cofres
públicos. O relator do projeto, Arthur Maia (PPS-BA) admitiu que deve
cair o trecho que elevava de 15 anos para 25 anos o tempo mínimo de
contribuição – uma das mudanças mais duras do texto – e alterações nas
regras da aposentadoria rural.O governo deve batalhar para manter a
criação da idade mínima de 65 anos para homens, de 62 anos para mulheres
e a equiparação nas regras entre servidores públicos e o setor privado.
Em relatório, o banco Santander sinaliza que as negociações mais
realistas em torno do texto podem ser uma surpresa positiva, uma vez que
a deterioração política observada a partir de junho já havia feito
investidores interpretar a aprovação apenas em 2019. “Isso significa que
vemos uma tendência positiva para o preço das ações caso o Congresso
avance num acordo.” Ao mesmo tempo, a equipe de análise lembra que o
risco negativo de que a reforma fique para 2019 segue presente e,
portanto, atrelado ao resultado das eleições presidenciais do ano que
vem.rincipal efeito ao país: mais empregos.
Na Previdência, uma minirreforma
Sem força no Congresso, governo recua e trabalha texto menos ambicioso para a revisão das aposentadorias
No vaivém político de Brasília, numa mesma semana um projeto pelo
qual o governo batalhou por meses pode parecer morto e, em poucos dias,
voltar à vida. A reforma da Previdência era a principal aposta do
presidente Michel Temer para reverter a trajetória de avanço da dívida
pública e afastar o risco de insolvência do país no longo prazo. Diante
da dificuldade de avançar com a apreciação no Congresso, Temer admitiu
na segunda-feira 6 um eventual fracasso na votação. “Se em um dado
momento, a sociedade não quer a reforma da Previdência, a mídia não quer
e a combate e, naturalmente, o parlamento que ecoa as vozes da
sociedade também não quiser aprová-la, paciência”, afirmou Temer em
reunião com ministros e representantes da base no Palácio do Planalto. A
declaração gerou um mal estar no mercado financeiro. No dia seguinte, a
Bolsa recuou 2,55% e o dólar avançou 0,55%, com investidores destacando
a fala do presidente.
A equipe econômica tentou minimizar o dano reforçando a mensagem de
que o texto segue vivo. Após reuniões com líderes do Congresso, o
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sinalizou a importância de
avançar neste ano, antes do calendário eleitoral, mesmo que seja preciso
um texto mais tímido. O governo admite agora flexibilizar o projeto em
diversos pontos e espera agora metade da economia prevista aos cofres
públicos. O relator do projeto, Arthur Maia (PPS-BA) admitiu que deve
cair o trecho que elevava de 15 anos para 25 anos o tempo mínimo de
contribuição – uma das mudanças mais duras do texto – e alterações nas
regras da aposentadoria rural.O governo deve batalhar para manter a
criação da idade mínima de 65 anos para homens, de 62 anos para mulheres
e a equiparação nas regras entre servidores públicos e o setor privado.
Em relatório, o banco Santander sinaliza que as negociações mais
realistas em torno do texto podem ser uma surpresa positiva, uma vez que
a deterioração política observada a partir de junho já havia feito
investidores interpretar a aprovação apenas em 2019. “Isso significa que
vemos uma tendência positiva para o preço das ações caso o Congresso
avance num acordo.” Ao mesmo tempo, a equipe de análise lembra que o
risco negativo de que a reforma fique para 2019 segue presente e,
portanto, atrelado ao resultado das eleições presidenciais do ano que
vem.
https://www.istoedinheiro.com.br/vai-ter-trabalho/
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