Medida Provisória deve igualar taxação de fundos de milionários, hoje isentos, às aplicações financeiras dos investidores de varejo. Entenda o terremoto que isso provoca na gestão de fortunas
Publicada em uma edição extra do Diário Oficial na noite da
segunda-feira 30, a Medida Provisória (MP) 806 tem o potencial de
provocar o maior terremoto da história recente do País na área de gestão
de fortunas. Para resumir, a MP extinguiu uma vantagem tributária
usufruída por fundos fechados, exclusivos e de participação. Os dados
ainda não estão consolidados. Porém, um levantamento realizado por
DINHEIRO junto a tributaristas e administradores de fortunas indica que o
Leão pode abocanhar, de uma vez, R$ 10 bilhões quando a primeira rodada
de cobrança do imposto for aplicada, em maio do ano que vem. Para que
isso ocorra, essa mudança na tributação terá de ser confirmada pelo
Congresso antes do fim deste ano, o que não está garantido. Porém, mesmo
que a mudança fique apenas para 2019, a nova regra fiscal vai provocar o
maior terremoto entre as finanças dos endinheirados desde o início do
Plano Real.
É simples entender a mudança. A grande maioria dos investidores em
fundos paga imposto duas vezes por ano, em maio e em novembro. O
rendimento dos investimentos é tributado, e as alíquotas variam de 22,5%
para aplicações de menos de 180 dias até 15% para aplicações de mais de
720 dias. Essa tributação é chamada pelo mercado de “come-cotas”. A
Receita retira dinheiro dos fundos, reduzindo o número de cotas do
investidor. No entanto, no caso dos fundos fechados, aqueles que não
podem sofrer resgates, o imposto é adiado. O nome técnico é diferimento.
Não há “come-cotas”, o investidor só paga o tributo quando resgatar o
dinheiro, no encerramento do fundo. Se nunca sacar, nunca vai pagar. Isso
se aplica a fundos normais, de renda fixa, multimercados e de ações. E
também a um tipo especial de fundo, conhecido como Fundo de Investimento
em Participação, ou FIP. É aqui que devem ocorrer as maiores mudanças.
Os FIP foram criados para facilitar o investimento em empresas
fechadas, em uma modalidade conhecida como private equity. No entanto, a
estrutura legal desses fundos foi usada – legalmente – para outros
fins. “Muitas famílias montaram FIPs para facilitar a sucessão, os
chamados FIPs patrimoniais”, diz o advogado Guilherme Cooke, sócio do
escritório Velloza e Girotto. “Esses fundos costumam ter diversas
classes de ativos, como participações em empresas, imóveis e
investimentos líquidos.” Dessa maneira, é fácil para uma família com um
patrimônio vultoso colocar tudo em um fundo e distribuir as cotas
proporcionalmente entre os herdeiros. A principal vantagem é que o
imposto sobre o ganho só será pago no futuro. Até lá, o dinheiro não vai
para a Receita, fica rendendo a favor dos investidores. Com a mudança,
esses fundos passam a ter “come-cotas”.
Os impactos serão imensos. “Muitos investidores que criaram fundos
para abrigar seu patrimônio serão incentivados a desfazer essas
estruturas, e terão de pagar impostos nesse processo”, diz Ricardo
Vieira, sócio do escritório Barcellos e Tucunduva. Segundo ele, ainda há
dúvidas sobre como os dividendos das empresas em que o fundo investe
serão tributados, e o que vai ocorrer no caso de fundo que têm um só
ativo, como por exemplo a empresa da família. “Se o imposto a pagar for
elevado, nesses casos, o investidor pode não tem uma folga de caixa para
pagar o tributo”, diz ele. “Essa é uma questão cuja solução ainda não
está clara.” No limite, o investidor pode ser obrigado a vender o ativo
para se acertar com o Leão. Vieira, porém, diz acreditar que será
estabelecida uma regra para evitar esses casos.
Não há números oficiais do tamanho desse mercado, tradicionalmente
opaco devido ao sigilo que cerca as áreas de gestão de fortunas. No
entanto, um levantamento realizado no sistema de informações financeiras
Economatica mostra que, no fim do terceiro trimestre, os FIP continham
R$ 150 bilhões em patrimônio. “Por baixo, 80% disso, ou R$ 120 bilhões,
são de FIPs patrimoniais”, estima um consultor. Apesar de a medida
ameaçar-lhe o trabalho, ele a defende. “Isso acaba com uma vantagem
fiscal que só ajudava os muito ricos, ao passo que pequenos investidores
não tinham como escapar do imposto.”
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