As principais fabricantes de equipamentos hospitalares, como GE, Siemens e Phillips, se preparam para a retomada dos investimentos no setor. Mas o foco não é só vender equipamentos. A ideia é acabar com a ineficiência dos hospitais brasileiros
O Brasil gasta, por ano, 9,5% do PIB com saúde, considerando
os setores público e privado. É um porcentual elevado, acima de alguns
países desenvolvidos – a Inglaterra, por exemplo, destina 9% do PIB ao
setor. O Sistema Único de Saúde (SUS) atende 77% da população. O País
possui cerca de oito mil hospitais, que oferecem quase 500 mil leitos,
segundo dados da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). Não
é um número pequeno. Na verdade, é possível dizer que existe, até, um
excesso de capacidade. A média de ocupação dos hospitais brasileiros não
ultrapassa 55%, no caso de rede estadual, e é de apenas 25% no setor
privado. Há um problema claro na saúde brasileira, que não é a falta de
recursos. É a ineficiência. “Existe um gap na saúde que, em algum
momento, terá de ser resolvido”, afirma Luiz Verzegnassi, CEO da
fabricante de equipamentos médicos GE Healthcare na América Latina.
“Trata-se de um desafio e, ao mesmo tempo, uma oportunidade.”
Alguns números mostram o quanto se é desperdiçado nos hospitais
brasileiros. No SUS, estimativas do Ministério da Saúde apontam que 50%
dos exames solicitados nunca são retirados pelos pacientes. Segundo a
Agência Nacional de Saúde, que regula o setor de saúde suplementar, os
médicos brasileiros são campeões de pedidos de ressonância. Enquanto os
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) realizam, na média, 52 ressonâncias para cada mil habitantes, no
Brasil, são registrados 149 exames. Não por acaso, a saúde no País é tão
cara.
A saída para esse descompasso pode estar em um novo posicionamento
das grandes fornecedoras de equipamentos hospitalares, como a americana
GE, a alemã Siemens e a holandesa Phillips. Após dois anos consecutivos
de quedas de receita no mercado brasileiro de tecnologia para saúde, que
movimentou US$ 9,8 bilhões no ano passado, as empresas se preparam para
uma retomada nos investimentos. “O ponto de inflexão teve início neste
segundo semestre”, afirma Carlos Alberto Goulart, presidente da
Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para
Saúde (Abimed), que prevê um ligeiro crescimento em 2017. “Para 2018,
nossa projeção é de uma expansão de 5%.”
Mas a venda de equipamentos, por si só, já não garante o retorno esperado.“A
tecnologia é muito importante, mas, hoje, com a entrada de novos
modelos de negócios no setor, temos de nos envolver mais com os desafios
do cliente”, afirma Verzegnassi. Esses novos modelos, no caso,
se referem a empresas como Dr. Consulta, Clínica Fares e Megamed, que
estão oferecendo consultas e tratamentos a baixo custo, fora dos planos
de saúde. Para isso, baseiam suas operações, justamente, na eficiência e
no uso de sistemas digitais para atendimento. “A questão não é somente
vender o equipamento. Estamos entrando com consultoria, estudos de
viabilidade econômica e até compartilhamento de risco”, diz o executivo.
A palavra de ordem, na GE, é conectividade. Até o próximo ano, a
empresa americana, que faturou US$ 18 bilhões, em 2016, irá investir US$
500 milhões no desenvolvimento de softwares. A ideia é que, por meio da
análise de dados, hospitais e clínicas possam estabelecer padrões de
atendimento, melhorar o fluxo de trabalho, aumentar a produtividade e,
como consequência, reduzir os custos. Ao mesmo tempo, no campo das
máquinas, o foco da empresa está em tornar os exames mais humanizados,
aprimorando a qualidade do diagnóstico.
Um exemplo desse esforço está no novo mamógrafo desenvolvido pela
companhia, em parceria com o Instituto do Câncer Gustave Roussy,
importante instituição francesa de saúde. O equipamento permite que a
própria paciente controle os níveis de compressão em sua mama,
aumentando o conforto. Testes conduzidos pela GE mostram que 88% das
pacientes relataram uma melhor experiência. Mais relaxadas, elas
conseguiram, ainda, elevar em 25% a compressão, em relação a quando é o
técnico que controla o procedimento. Com isso, foi possível reduzir em
9% a dose de radiação.
Essa abordagem mais humanizada dos diagnósticos também é a estratégia
da Siemens Healthineers, a divisão que reúne as ofertas da companhia
para o setor, dona de um faturamento de € 13,8 bilhões, no ano passado.
No Brasil, a operação possui cerca de 700 funcionários, além de uma
fábrica em Joinville (SC), que produz boa parte dos equipamentos de
ressonância magnética, de tomografia computadorizada e de raio-x da
marca. O País é um dos mercados chave para a empresa. A demanda
crescente por saúde, o envelhecimento da população e a pressão dos
custos na área são alguns dos fatores que explicam esse status. “Hoje, se gasta cerca de 10% do PIB com saúde no Brasil. E esse índice pode dobrar nas próximas décadas”, diz Armando Lopes, CEO local da Siemens Healthineers. “É preciso fazer mais com o que se tem à disposição.”
Nesse contexto, a empresa está buscando diversificar. O escopo é
amplo e combina a demanda por eficiência dos hospitais e clínicas com
uma abordagem mais humanizada na relação com os pacientes. Uma das
aplicações desenvolvidas pela companhia coleta uma série de dados de
cada equipamento, como volume diário e tempo médio gasto nos exames.
Essas informações são usadas para aprimorar a produtividade da base
instalada em um hospital ou clínica. A solução também permite
compartilhar imagens dos procedimentos realizados com outros médicos,
via computação em nuvem e preservando os dados do paciente, para tornar o
diagnóstico mais assertivo.
A Siemens Healthineers também começa a testar tecnologias baseadas em
vertentes como a inteligência artificial. Uma das possíveis aplicações
no radar é reunir informações de milhões de imagens de exames realizados
em seus equipamentos. E, a partir dessa grande base, comparar casos
semelhantes, bem como os diagnósticos e laudos emitidos, para que os
médicos tenham mais dados para indicar o tratamento a um paciente. Outra
gigante que está investindo na associação entre equipamentos de
diagnósticos com grandes volumes de dados é a holandesa Philips.
Nos últimos anos, a empresa tem priorizado as ofertas voltadas ao
setor de saúde e se afastado, gradativamente, dos eletrônicos e lâmpadas
que fizeram a sua fama. “Podemos integrar informações genéticas com os
exames do paciente para tratar, por exemplo, um tumor”, afirmou Jan
Kimpen, principal executivo da área médica da companhia. O executivo
visitou o Brasil no fim de junho e se reuniu com representantes de
hospitais, clientes e parceiros. Segundo estimativas da empresa, a
adoção da tecnologia reduz em 30% os atendimentos nos pronto-socorros e
em 70% das hospitalizações, trazendo uma economia de 35% em sistemas de
saúde de todo o mundo.
Lopes, da Siemens Healthineers, destaca que convencer o mercado
desses benefícios é o grande desafio. “Você pode até investir mais nessa
fase, mas economiza lá na frente”, afirma. Ele ressalta ainda os ganhos
potenciais na gestão da saúde da população, para antecipar
diagnósticos. “Quanto mais precoce, maiores as chances de cura e menores
os custos de tratamento.” Esse é um ponto em que o Brasil precisa
melhorar muito. A falta de atenção básica com a saúde causa prejuízos
enormes. Se, por um lado, há até um excesso de hospitais no País, por
outro, o número de médicos familiares é ínfimo: apenas 0,1 para cada mil
habitantes. No México, esse número é de 0,8; no Chile, 1; e na
Alemanha, 1,7. O Brasil precisa investir mais em saúde. Mas com
inteligência.
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