Em
quatro tribunais regionais, número de processos despencou em relação à
média mensal, porque advogados e trabalhadores estão inseguros quanto à
aplicação da reforma, em vigor há um mês, e preferem esperar as
primeiras decisões.
Os advogados trabalhistas praticamente pararam no último mês. Como a
aplicação da reforma que mudou as relações de trabalho ainda provoca
dúvidas entre magistrados, a ordem tem sido esperar as primeiras
decisões e “sentir a direção do vento” para retomar os processos. O
número de ações que chegam aos tribunais despencou desde que a
legislação entrou em vigor, no dia 11 de novembro.
Dados de quatro tribunais regionais – São Paulo, Paraíba, Goiás e
Espírito Santo – apontam queda de 67% entre o dia 11 e 6 de dezembro, na
comparação com a média mensal, calculada de janeiro a novembro.
Na comparação com os 30 dias anteriores à entrada em vigor da reforma
a queda é maior, porque houve uma corrida para dar entrada nos
processos antes do início da nova lei. O Tribunal Regional do Trabalho
da 2.ª Região, em São Paulo, recebeu mais de 12 mil novas ações no dia
anterior, contra apenas 27 no dia seguinte. No Espírito Santo, foram
1.418 novos processos depois da reforma, contra 3.322 um mês antes.
O aumento súbito ocorreu no início de novembro, porque muitos
trabalhadores foram incentivados a entrar com ações antecipadamente,
para que seus casos fossem julgados ainda seguindo a legislação
anterior, o que explica o pico no número de novas ações. Grande parte
dos magistrados interpreta que os contratos encerrados no período de
vigência da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deverão ser julgados
seguindo a legislação antiga.
Mas nem o prazo é consenso. Em São Paulo e Sergipe, dois juízes
trabalhistas determinaram que mesmo os processos que chegaram aos
tribunais antes da mudança da lei deveriam ser adaptados às novas
regras.
José Augusto Rodrigues, especialista em direito trabalhista da
Rodrigues Jr. Advogados, critica essa postura dos juízes. “Houve mesmo
um movimento dos escritórios no sentido de ‘desovar’ processos. A nova
lei prometia acabar com a insegurança jurídica para empregadores e para
os trabalhadores. Mas se perguntarmos hoje a advogados ou juízes,
ninguém tem um entendimento definido.”
Além de terem desaguado os processos no início do mês passado, os
advogados frearam a entrada de ações, para “sentir a direção do vento”.
Como a aplicação da reforma ainda provoca dúvidas entre os magistrados,
os trabalhadores que podem aguardar para entrar com um processo – antes
da prescrição, após dois anos – são aconselhados a esperar até que sejam
tomadas as primeiras decisões.
Dúvidas
Entre os tópicos mais polêmicos está a aplicação da nova litigância
de má-fé, que pode multar o trabalhador em até 10% do valor da causa e o
pagamento de honorários para o advogado da parte vencedora, a chamada
sucumbência.
A administradora de empresas Estela de Souza preferiu aguardar.
Ex-executiva em uma rede de aluguel de carros, ela planejava ingressar
com uma ação contra o antigo empregador, alegando falta de pagamento de
horas extras. “Li no jornal que houve um caso na Bahia em que o
trabalhador teve de arcar com as custas do processo e o juiz entendeu
que ele deveria pagar os honorários do advogado da empresa. É difícil
não se sentir insegura. A gente conversa com os advogados e sente que
ninguém está 100% certo de como aplicar a reforma.”
Também já há interpretações que questionam decisões tomadas pelas
empresas, ainda que não contrariem a nova legislação. Um juiz
trabalhista de São Paulo reverteu uma demissão de mais de cem
trabalhadores de um hospital. Com a reforma, não é mais preciso
consultar o sindicato de uma categoria antes de uma demissão em massa.
Para o juiz, a dispensa feria a Constituição.
Na semana passada, uma juíza do Rio concedeu uma liminar que obrigava
a universidade Estácio de Sá a suspender a demissão em massa de
professores. A instituição havia demitido 1,2 mil docentes em todo o
País, alegando que iria contratar outros profissionais, com salários
mais baixos.
O presidente da Associação de Advogados Trabalhistas de São Paulo
(AATSP), Livio Enescu, diz que em todos os casos de demissão em massa,
os juízes deverão barrar a dispensa até que a empresa apresente os nomes
dos funcionários demitidos e dos que serão contratados, para evitar que
o empregador recontrate os profissionais como intermitentes, por
exemplo. “O funcionário só poderia ser readmitido como intermitente após
um ano e meio” (O Estado de S.Paulo, 10/12/17
‘Argumentar que a reforma traz mais segurança é errado’
Entrevista com Elizio Perez, juiz do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo
Para Perez, dúvidas que nova legislação gerou indicam que texto que mudou a CLT foi aprovado às pressas
Para o juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª. Região, em São
Paulo, Elizio Perez, ao contrário do que argumenta quem defende a
reforma trabalhista, o novo texto gera mais dúvidas e inseguranças do
que antes dela. O magistrado, que reverteu a demissão em massa de
trabalhadores de um hospital em São Paulo no mês passado, diz que as
mudanças são complexas demais para terem sido decididas em um tempo tão
curto e sem discussão com a sociedade. Leia, a seguir, trechos da
entrevista.
Estado: Com o tempo, a reforma tende a reduzir ou aumentar o número de novos processos na Justiça?
Elizio Perez: Ainda é muito cedo para fazer uma
avaliação precisa e esse primeiro mês não serve de parâmetro. Se a gente
olha os números, dá para ver que houve uma redução nos processos, mas
acho que esse é um movimento que não tem consistência. Na semana
anterior, houve uma distribuição dos processos por parte dos
escritórios, que zeraram os processos, por insegurança. Tudo que se
disser agora será um exercício de futurologia, mas a tendência é
aumentar o número de processos. O único dado concreto é que há muitas
dúvidas.
Por que há tantas dúvidas sobre como aplicar a legislação?
Porque a questão é que a reforma foi elaborada em um prazo muito
pequeno e a entrada em vigor do texto não foi precedida por um debate
com a sociedade. Se essa discussão tivesse sido feita, não teríamos
tanta dificuldade em aplicar a nova lei. A impressão que eu tenho é que
tudo foi aprovado às pressas e se desconsiderou diversas questões
práticas.
Algumas entidades falam em não aplicar a reforma. O sr. pensa assim?
É errado dizer que o juiz deixa de cumprir a lei, ele tem a obrigação
de cumprir. O que cabe ao juiz é interpretar as leis. Boa parte dos
dispositivos da legislação trabalhista depende de uma interpretação.
Mas há mais simpatia ou antipatia por parte dos juízes em relação à reforma? E por que já há tantos recursos nos tribunais?
Neste momento, só dá para dizer que há muita controvérsia. A
finalidade dos recursos nos tribunais é tentar unificar esses
entendimentos divergentes, mas como há muitas mudanças ao mesmo tempo, a
insegurança é grande.
Não havia mais insegurança jurídica antes da reforma?
O argumento de que a reforma traz mais segurança é errado. Não traz.
Se pensarmos, sobretudo, em pequenos e médios empresários, é tranquilo
afirmar que eles não estão mais seguros para contratar nas novas
modalidades que a reforma trouxe. Talvez as grandes empresas ainda
tenham fôlego para entrar na Justiça e suportar algum questionamento.
A antiga CLT não travava o mercado de trabalho?
Não concordo. Esse argumento volta à discussão, de tempos em tempos. O
que inibe a contratação não é a legislação trabalhista, são os
indicadores econômicos. É claro que dá para aperfeiçoar a legislação, e
isso vinha sendo feito com a CLT. A questão é que o debate não é
colocado de uma forma muito honesta, uma coisa é um funcionário que tem
poder de negociar verdadeiramente melhores condições de trabalho e para
ele não faz sentido ter muita proteção. Outra coisa é um trabalhador em
início de carreira, transformado em Pessoa Jurídica e com poder de
barganha quase zero (O Estado de S.Paulo, 10/12/17)
‘Não vamos perder tempo com discussões impertinentes’
Entrevista com Marlos Melek, juiz do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná
Para Melek, haverá uma ‘racionalização’ dos processos, com número menor de pedidos por parte dos trabalhadores
Um dos idealizadores da reforma trabalhista, o juiz do Tribunal
Regional do Trabalho do Paraná, Marlos Melek, estima que a reforma ainda
demore cerca de dois anos para ser assimilada tanto pela sociedade
quanto pelos magistrados. Ao Estado, ele rebateu as
críticas de que o texto foi aprovado em um período curto demais e que as
novas modalidades de contratação devem gerar precarização dos
direitos.
Estado: Recentemente, um processo de demissão em massa sem
consulta ao sindicato, como autoriza a reforma, foi revertido. Há muitas
críticas de entidades de classe ao texto. A reforma não previa esse
tipo de questionamento?
Marlos Melek: Por lei, eu não posso comentar a
decisão de um colega sobre um caso específico, mas posso dar o argumento
que levou a esse artigo da lei. Não há necessidade de negociar com o
sindicato a demissão em massa. Se o empregador é livre para contratar
cinco pessoas, tem de ser livre para dispensar cinco. O Estado tem de
dar suporte para que as pessoas consigam fazer os negócios girarem.
Entre 60% e 70% dos empregadores têm no máximo 15 empregados, para quem
tem até 15, o que é dispensar em massa? A equipe de redação da lei quis
prestigiar a liberdade.
As novas modalidades de contração, como o trabalho intermitente, não geram precarização?
Eu imaginei que a questão do trabalho intermitente traria mais
dúvidas, por ser uma forma de trabalho completamente inovadora. Em tempo
parcial já existia, a terceirização também. O trabalho intermitente é
algo novo, que traz muitas discussões. Mas vi muitos argumentos
incorretos a respeito, no sentido de precarização. Estão veiculando, por
exemplo, um anúncio de uma rede de fast-food oferecendo um salário
baixíssimo por hora. Mas aceita quem quer. Quem consegue contratar uma
diarista por menos de R$ 100? As pessoas usam a exceção para falar da
regra.
Uma das críticas que se faz à reforma é que ela foi aprovada em tempo muito curto.
O tempo foi suficiente, estamos debatendo a legislação trabalhista há
70 anos. Direito do trabalho é uma coisa que as pessoas debatem por
toda a parte. A Constituição determina o rito de criação de uma lei e
foram cumpridos todos os regimentos internos. Eu comecei a auxiliar a
Casa Civil da Presidência em outubro do ano passado. Discutimos até o
último minuto da votação, em abril. Até o último minuto, no Senado, a
gente estava interagindo com os legisladores.
Quanto tempo deve levar para que os magistrados tenham menos dúvidas sobre as novas leis?
As coisas devem se estabelecer em um prazo de um a dois anos. O País
vai assimilar a nova lei, aos poucos, e particularmente estou muito
feliz. O viés da reforma é dar mais racionalidade à Justiça do Trabalho e
dar mais oportunidades para gerar empregos. Eu acredito que vai haver
uma contratação vertiginosa no Brasil, os empresários estavam esperando o
11 de novembro, queriam ter mais segurança jurídica.
O número de processos deve continuar em queda, como no primeiro mês?
Eu espero uma diminuição. Talvez não no número absoluto, mas uma
racionalização. Se antes um processo vinha com 42 pedidos, deve vir com
10. Não vamos perder tempo com discussões impertinentes
(O Estado de
S.Paulo, 10/12/17)
http://www.brasilagro.com.br/conteudo/acoes-trabalhistas-caem-quase-70-com-indefinicoes-sobre-nova-legislacao.html