Ao
contrário da prova pericial convencional, não existe um roteiro único
na perícia feita para arbitragem. Cada caso é um caso e não existe
roteiro, pois tudo pode ser negociado. É como o engenheiro
Flávio Figueiredo, que há mais de 20 anos atua com perícias em arbitragens no Brasil, define sua atividade.
Junto com Francisco Maia Neto, Figueiredo organizou a recém-lançada segunda edição do livro
Perícias em Arbitragens.
Cada capítulo é escrito por um profissional da área, abordando temas
distintos com o objetivo de traçar um panorama geral deste ramo ainda
pouco explorado.
Na arbitragem, o perito assume um protagonismo
singular, conta Figueiredo. Pode ter que fazer um relatório inicial para
explicar o caso ao árbitro, pode produzir prova como seus testemunho
técnico, pode questionar o perito da outra parte. Tudo depende de como
os procedimentos arbitrais foram combinados pelas partes.
Em entrevista à
ConJur,
Flávio Figueiredo detalha o papel do perito na arbitragem e ressalta
que o profissional deve estar atento com nulidades que podem ser
plantadas no processo. "A parte pode fazer isso com o intuito de, se não
ganhar, anula o processo".
Leia a entrevista:
ConJur — O que faz um perito na arbitragem?
Flávio Figueiredo — De início eu destaco que pode ter
apresentação prévia dos técnicos. É marcada uma audiência e vão lá os
assistentes de cada parte, antes de ter um perito, e fazem uma
apresentação técnica. Não fica só aquele frio que está no papel, você
pode expor, responder perguntas. Pode haver, por exemplo, dos árbitros
pedirem que, em um determinado momento, os assistentes das partes
apresentem um laudo técnico sobre a questão. Um laudo aberto. Pode
acontecer — as hipóteses são muitas — que já formulem quesitos a serem
respondidos por esses laudos técnicos prévios. Pode não acontecer nada
disso. Pode ter só o início da fase das provas e os técnicos vão e fazem
ali, já como prova, um depoimento, que até pode ser um depoimento
especializado, que é o que se chama de testemunha técnica. É uma
denominação um pouco diferente para nós, porque não é uma testemunha que
viu um fato. É um conhecedor do tema que vai depor sobre o tema.
ConJur — Existe alguma peculiaridade na atuação dos peritos?
Flávio Figueiredo — Tem uma gama enorme de alternativas para a
prova pericial, algumas ainda nem na fase da prova, mas que envolvem os
assistentes técnicos de ambas as partes. Então a pessoa que vai fazer
uma perícia em arbitragem tem que saber interpretar em que momento está,
o que deve ser apresentado neste momento, como deve ser apresentado.
ConJur — Como assim?
Flávio Figueiredo — Vou dar um exemplo: estive envolvido em uma
arbitragem em que foi determinado, já quando se estabeleceu como o
procedimento arbitral iria transcorrer, uma data que iria ter uma
apresentação técnica de 20 minutos. Apresentação técnica é mostrar para
os árbitros o que eles teriam que saber daquela disputa. Não é defender
ferrenhamente uma posição. A outra parte também tinha a mesma
oportunidade, porque sempre as oportunidades são iguais. Só que era um
pessoal muito preparado tecnicamente, mas que não tinha a menor ideia do
que eles estavam fazendo naquela arbitragem, que momento era aquele.
Eles levaram uma apresentação com 80
slides de Power Point para
apresentar em 20 minutos. Tragédia total, porque eles fizeram
imaginando que eles estavam fazendo uma apresentação como prova. E não
era isso.
ConJur — Por que o padrão se tornou três árbitros para decidir os casos?
Flávio Figueiredo — Quando se tem determinado procedimento em
que há um laudo técnico, sobre o laudo as partes vão ter oportunidade de
falar e trazer o contraditório, pedir esclarecimentos para o perito e
assim por diante. Se você tiver um árbitro, ele vai examinar a questão e
dar a sentença. E se esse árbitro for o próprio técnico, no momento em
que ele trouxer a sentença para as partes, já não tem mais o
contraditório. Todas as arbitragens mais recentes das quais participei,
foram com três árbitros. Poderiam ser cinco, mas, no geral, são três
árbitros, um indicado por uma parte, outro por outra e o presidente do
tribunal escolhido pelos dois, indicado pelas partes. Eu não vi mais
essa conformação de árbitro único, especialista.
ConJur — O que tem de mais diferente entre um perito arbitral e um perito judicial?
Flávio Figueiredo — Tem um procedimento que é chamado de
hot tubbing,
que é uma acareação técnica. Os peritos de ambas as partes ficam frente
a frente debatendo o caso, com o árbitro podendo intervir para pedir
maiores esclarecimentos. Agora, é bom para as partes? Pode ser
excelente, pode ser péssimo. Se você tiver uma pessoa que está
defendendo seu interesse, que conheça muito o tema, mas que seja tímido,
titubeante, você pode ter um problema, pois ele pode se sair mal no
debate.
ConJur — Em que parte do processo é comum o perito errar?
Flávio Figueiredo — Organização de documentos dentro de um
processo. Quando você pega um processo judicial comum, a parte, o
advogado, junta lá uma petição e depois os anexos. Documento um,
documento dois, documento três e documento quatro. Mais para frente, vão
ter outros momentos em que ele vai chamar documento um, documento dois,
documento três daquela petição, e vai juntar. Quando você pega, por
exemplo, uma arbitragem, você organiza de outro jeito os documentos. Eu
começo a numerar desde o primeiro documento que eu junto até o último.
Eu vou juntando na sequência. Parece bobeira, mas quem não está
familiarizado se perde nisso. Então, na arbitragem tem muita coisa que
parece muito boba, mas que ganha relevância porque, se não for bem
resolvido, atrapalha a vida de todo mundo. Tive uma arbitragem em que,
quando apresentei a estimativa de custos, não estou falando de
honorários, eu coloquei lá “edição e impressão: cento e pouco mil
reais”. Aí o pessoal achou absurdo. Tive que desdobrar o que era aquele
custo. A perícia envolvia 30 e tantos imóveis que precisavam ser
vistoriados e avaliados. Cada avaliação vai ter mais ou menos tantas
folhas. Tantas folhas vezes trinta imóveis, mil folhas vezes sete vias,
dá tantas mil folhas.
ConJur — O senhor uma vez disse que
os peritos devem tomar cuidado com cascas de banana que são colocadas
pelo caminho. Pode citar alguns exemplos?
Flávio Figueiredo — A gente percebe que, muitas vezes, ficam se
plantando nulidadezinhas, sementes de nulidades no decorrer do processo
— porque se não for bom para mim, vou tentar anular a sentença por
causa daquela sementinha que deixei lá atrás. Muitas vezes, a perícia é
usada para plantar essas sementes. Então a perícia precisa ser muito bem
conduzida para que não fiquem essas sementes de nulidade. Quer dizer, o
perito arbitral precisa estar atento para não dar margem a isso.
https://www.conjur.com.br/2018-dez-09/entrevista-flavio-figueiredo-engenheiro-perito-arbitral