Pedro Passos relembra os caminhos que o levaram à sociedade na Natura e expõe sua visão do papel que cabe à iniciativa privada na construção de um mundo mais justo, sustentável — e que gere riqueza
Quem entra no escritório da Anima Investimentos, no Jardim
Europa, em São Paulo, se depara com diversas obras de arte. O ambiente
da instituição que cuida das finanças da família Ruggiero Passos não
lembra, nem de longe, os locais que pavimentaram a trajetória de sucesso
de Pedro Passos. Foi orientando o chão de fábrica da Natura que ele
mostrou ser um executivo diferente, cuja missão, além de desenvolver a
equipe, era aprender ao lado dela. Se a Natura é hoje uma companhia que
fatura R$ 13,3 bilhões e registra lucro líquido anual de R$ 381,7
milhões, muito se deve ao trabalho dele, considerado uma pessoa
fundamental para a criação dessa gigante mundial do mercado de beleza e
cuidados pessoais.
Foi numa partida despretensiosa de futebol que Passos conheceu o
amigo e sócio Guilherme Peirão Leal, em 1976. O encontro mudaria o seu
destino. Não era um exímio jogador, confessa, mas reza a lenda que foi
um lateral-direito muito esforçado. Leal, que atuava na mesma faixa de
campo, como quarto zagueiro, viu nesse empenho a característica
essencial para um executivo promissor. Levou o companheiro de time para a
Ferrovia Paulista (Fepasa) e depois para o embrionário projeto da
Natura. “A atitude do Pedro no futebol, como também a sua formação, fez
dele um candidato para a posição mais importante que eu tinha para
preencher nos quadros da Natura”, diz Leal, hoje com 69 anos. “Durante o
trabalho na Fepasa, ele conseguiu aumentar a receita proveniente da
venda de sucata em mais 1.000% de um ano para o outro.”
No entanto, não
foi tão simples para que Passos aceitasse a proposta do amigo. “Eu saí
de uma multinacional para trabalhar com o Guilherme e o Luiz Seabra, mas
deixei claro que eu gostaria de virar sócio da empresa em algum
momento. Acho que revelei um pouco da minha atitude empreendedora
naquela época, quando ainda nem se falava em empreendedorismo”, relembra
Passos.
O desafio era grande. A começar pela troca de cargo: da direção de
uma multinacional com mais de 700 funcionários por uma pequena indústria
em momento incipiente, com menos de 20 empregados — isso, embora já
tivesse mais de 10 anos de existência. Num primeiro momento, até mesmo a
família desaprovou a escolha. A convite de Guilherme Leal, Passos
assumiu, em 1983, o cargo de gerente geral da YGA, que fabricava e
comercializava produtos de perfumaria e maquilagem com a marca L’arc en
Ciel. “Eu já tinha certa admiração pelo que a Natura vinha fazendo.
Era
uma marca nacional que se expunha a uma concorrência com as grandes
empresas multinacionais, que já estavam presentes aqui no Brasil naquele
momento”, comenta Passos. Com experiência em diversos tipos de
indústrias, Passos era a peça que faltava para a Natura destravar.
Enquanto Seabra era tido como o “filósofo” por trás da empresa, Leal era
arrojado e inventivo. Passos, por sua vez, misturava as duas coisas,
dando vida aos sonhos dos sócios, trabalhando diretamente com a fábrica
para conhecer os problemas da operação. “Sempre fui mais envolvido com a
gestão executiva. Aprendi muito com o que costumamos chamar de chão de
fábrica. Além dos cursos formais que fiz, minha grande escola foi
conversar com a turma que está com a mão na massa, próximo ao cliente e
na fabricação”, diz.
MODELO DE GOVERNANÇA Em 1988, as cinco empresas que
faziam parte do Sistema Natura se fundiram e Passos tornou-se o diretor
superintendente da nova empresa. Dez anos depois, o executivo ascendeu
ao cargo de presidente de operações da Natura Cosméticos. Sob sua
liderança, a companhia solidificou a operação. As vendas cresceram mais
de cinco vezes, a gestão se profissionalizou, a imagem sustentável da
marca Natura foi consolidada. Além disso, em 2001, ele inaugurou um
complexo industrial em Cajamar (SP). O espaço é voltado à pesquisa e
desenvolvimento de cosméticos, treinamento e logística. “Ter o Pedro ao
nosso lado, por mais de 30 anos, tem sido muito construtivo. Sua visão
empresarial, capacidade de trabalho, pragmatismo e comprometimento com
um Brasil mais ético, contribuíram e contribuem muito para a contínua
construção da Natura”, afirma Luiz Seabra.
Passos deixou a presidência da empresa em 2005 e se tornou o terceiro
copresidente do conselho de administração. Mas o modelo de governança
implementado por ele é tido como referência pelo mercado. Hoje, a Natura
tem diversos certificados de empresa sustentável e é um exemplo não só
para empresas brasileiras como para as estrangeiras. “A Natura busca
cumprir com os princípios de sua criação, de ser uma empresa que
realmente preza o meio ambiente”, diz Luiz Marcatti, CEO da consultoria
Mesa Corporate Governance. “Esse posicionamento sustentável tem trazido
resultados bastante consistentes para a empresa.”
Engana-se, porém, quem pensa que a vida de Passos se restringe à
Natura. Hoje, o executivo divide seu tempo entre a empresa de
cosméticos, a ONG Instituto Semeia, que presta consultoria e fomenta
parcerias público-privadas (PPPs) para a administração de parques
públicos no Brasil; a ONG SOS Mata Atlântica, da qual ele é presidente
desde 2013; os conselhos do Instituto Endeavor, da FAPESP e do hospital
A.C. Camargo. “O Pedro Passos contribui há 15 anos como conselheiro
voluntário da SOS Mata Atlântica e está à frente da ONG desde 2013. Sob
seu comando, foram instituídas metas em todos os setores e definidas
prioridades para uma atuação com mais foco em resultados, sem deixar de
lado a importância do relacionamento e engajamento com os nossos
públicos”, diz Marcia Hirota, diretora-executiva da entidade.
No Instituto Semeia, organização fundada por ele em 2011, o objetivo é
profissionalizar a gestão dos parques públicos nacionais. Segundo
Passos, os Estados Unidos são referência para a conservação dos espaços.
Mas não é necessário ir muito longe para identificar a diferença.
“Quando você vai para o Chile ou para a Argentina, tanto no interior
quanto nas áreas centrais, nota que os parques são destinos turísticos”,
afirma Passos. Diretor-presidente do Semeia, Fernando Pieroni,
corrobora com a opinião do fundador da ONG: “Nos Estados Unidos, os
parques são motivo de orgulho da população. Aqui no Brasil, isso pouco
existe. O Semeia foi a forma que encontramos para fomentarmos modelo de
gestão profissional dos espaços através de mais PPPs.”
A amizade de Passos e Leal não fica restrita somente à Natura. Eles
habitam o mesmo prédio e pensam juntos até na hora de investir. “Nós
participamos do conselho da Natura de forma bastante ativa, mas também
temos alguns investimentos juntos. Coinvestimos em alguns negócios, como
na Raia Drogasil, e somos acionistas e parceiros numa outra empresa
chamada Bresco”, diz Leal.
Nos últimos anos, a exemplo de Leal, que chegou a ser candidato a
vice-presidente na chapa de Marina Silva nas eleições de 2010, Passos
também tem atuado em órgãos ligados à política. Ex-presidente do
Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), ele é um
dos integrantes do movimento “Você Muda o Brasil”, ao lado de
empresários como Rubens Menin, da MRV; Luiza Helena Trajano, do Magazine
Luiza; Paulo Kakinoff, da Gol; e Walter Schalka, da Suzano. Durante o
último período eleitoral, o grupo se reuniu diversas vezes com o público
para debater alternativas para mudar o País. “Eu participo de alguns
movimentos. Nós achávamos importante a população se envolver mais no
processo eleitoral. A nossa ideia era provocar uma reflexão”, diz
Passos. Em tempos de devastação massiva da natureza, nomes como o de
Passos serão cada vez mais impactantes para a manutenção do meio
ambiente.
O dilema da compra da Avon
A possibilidade da aquisição da Avon por parte da Natura mexeu com os
ânimos dos investidores. Em 22 de março, quando a multinacional
brasileira confirmou as negociações, suas ações ordinárias fecharam o
pregão com queda de 7,78%. Para a Avon, o efeito foi oposto: seus papéis
avançaram 10% na Bolsa de Nova York (Nyse). A reação do mercado adiou o
desfecho do negócio.
A aposta da Natura é ampliar as possibilidades de
ganhos no mercado americano, onde a Avon já tem uma grande estrutura
logística e importante penetração por meio do canal de venda
direta. “Apesar de contar com algumas lojas da The Body Shop, a Natura
ainda não tem uma presença forte nos EUA.
Um dos fatores positivos é que
essa seria uma aquisição barata, já que a Avon vem sofrendo bastante”,
diz Andres Estevez, analista do banco Brasil Plural. A consolidação do
negócio criaria a 5ª maior companhia de cuidados pessoais e produtos de
beleza no mercado mundial, com cerca de US$ 10 bilhões em vendas.
Entretanto, o mercado investidor olha com cautela para a operação.
Segundo um relatório do BTG Pactual, o posicionamento ‘eco-friendly’ da
Natura poderia entrar em risco com a chegada da Avon. Além disso, por
atuarem com categorias de produtos muito similares, as empresas poderiam
demorar a criar sinergia. A negociação está sendo tocada nos EUA e
envolve bancos de investimentos como Goldman Sachs, Morgan Stanley e
UBS.
“Muitos empresários ainda vivem à base de proteção ou de estímulos fiscais. Isso precisa acabar”
Pedro Passos defende a abertura comercial e a segurança jurídica para que o País estimule a competitividade e o empreendedorismo
Por participar do movimento “Você Muda o Brasil”, que
incentiva o voto consciente, ao lado de outros empresários, o sr. tem
pretensões de ingressar na política nas próximas eleições?
Como cidadão, temos de participar. Alguns participam como eleitores, outros como candidatos. Temos que estimular a cidadania e a cobrança em prol dos direitos. Minha participação na política deve ser nesse sentido. Agora, não me vejo tendo uma participação político partidária. No meu papel de empresário, posso dar uma contribuição maior, discutindo o País, inclusive me expondo publicamente. Mas isso sempre pela ótica do empresário, que obviamente se envolve com questões que vão além da própria empresa.
Como cidadão, temos de participar. Alguns participam como eleitores, outros como candidatos. Temos que estimular a cidadania e a cobrança em prol dos direitos. Minha participação na política deve ser nesse sentido. Agora, não me vejo tendo uma participação político partidária. No meu papel de empresário, posso dar uma contribuição maior, discutindo o País, inclusive me expondo publicamente. Mas isso sempre pela ótica do empresário, que obviamente se envolve com questões que vão além da própria empresa.
Quais são os maiores desafios para quem empreende no Brasil?
O Brasil é um país muito complexo para o empresário, seja para aquele que está iniciando, seja para o empresário mais estabelecido. As complexidades são de várias ordens. Mas, destaco, primeiramente, os processos burocráticos de relação com o governo. O segundo aspecto é o tributário. Trata-se de um grande nó, que atrapalha o desenvolvimento do País. Não estou falando do tamanho da carga tributária, mas sim da complexidade e da insegurança jurídica. Mesmo que você pague tudo certo e faça tudo direito, existe sempre uma dupla interpretação. Esse nível de estímulos negativos é o que faz com que o País tenha um menor nível de empreendedorismo ou de empresas que são bem-sucedidas em vista do que poderia ter. Outra questão é que o Brasil é um país fechado à competição. Ainda estamos num modelo ultrapassado. Precisamos abrir a economia brasileira para ter mais competição. A competição estimula a inovação, o empreendedorismo, a criação de novas empresas, diminui custos e aumenta a produtividade. O governo precisa parar de tratar de forma desigual setores e empresas. No Brasil, muitos empresários ainda vivem à base de proteção ou de estímulos fiscais. Isso precisa acabar. Se implementarmos essa agenda de simplificação e de homogeneização de tratamento, tenho a impressão de que nós daremos uma boa acelerada nos investimentos nacionais e estrangeiros no País.
O Brasil é um país muito complexo para o empresário, seja para aquele que está iniciando, seja para o empresário mais estabelecido. As complexidades são de várias ordens. Mas, destaco, primeiramente, os processos burocráticos de relação com o governo. O segundo aspecto é o tributário. Trata-se de um grande nó, que atrapalha o desenvolvimento do País. Não estou falando do tamanho da carga tributária, mas sim da complexidade e da insegurança jurídica. Mesmo que você pague tudo certo e faça tudo direito, existe sempre uma dupla interpretação. Esse nível de estímulos negativos é o que faz com que o País tenha um menor nível de empreendedorismo ou de empresas que são bem-sucedidas em vista do que poderia ter. Outra questão é que o Brasil é um país fechado à competição. Ainda estamos num modelo ultrapassado. Precisamos abrir a economia brasileira para ter mais competição. A competição estimula a inovação, o empreendedorismo, a criação de novas empresas, diminui custos e aumenta a produtividade. O governo precisa parar de tratar de forma desigual setores e empresas. No Brasil, muitos empresários ainda vivem à base de proteção ou de estímulos fiscais. Isso precisa acabar. Se implementarmos essa agenda de simplificação e de homogeneização de tratamento, tenho a impressão de que nós daremos uma boa acelerada nos investimentos nacionais e estrangeiros no País.
As declarações do governo Bolsonaro em relação ao meio
ambiente são vistas como uma ameaça à agenda ambiental do planeta. Isso
também acontece nos Estados Unidos, com Donald Trump. Mesmo assim,
algumas empresas e estados americanos seguem com uma agenda sustentável.
Qual é o papel da iniciativa privada nisso?
O papel da iniciativa privada é fundamental para o desenvolvimento em questões ambientais e de impacto social. Independentemente de governos específicos, vemos que essa agenda ganha corpo no mundo inteiro, pois é algo que a sociedade quer. As mudanças climáticas são evidentes para todos hoje, além de serem uma realidade para a comunidade científica. O mundo já mudou nessa direção. Seria uma loucura lutarmos contra essa agenda. Na verdade, temos de tirar proveito dela. Nos Estados Unidos, apesar das sinalizações do governo de Donald Trump no sentido contrário, as corporações adotaram essa agenda muito rapidamente. Apesar dos incentivos à indústria do carvão americana, quem mais emprega hoje é a indústria das energias alternativas. A China também está fazendo muita coisa nessa direção. É um movimento irreversível.
O papel da iniciativa privada é fundamental para o desenvolvimento em questões ambientais e de impacto social. Independentemente de governos específicos, vemos que essa agenda ganha corpo no mundo inteiro, pois é algo que a sociedade quer. As mudanças climáticas são evidentes para todos hoje, além de serem uma realidade para a comunidade científica. O mundo já mudou nessa direção. Seria uma loucura lutarmos contra essa agenda. Na verdade, temos de tirar proveito dela. Nos Estados Unidos, apesar das sinalizações do governo de Donald Trump no sentido contrário, as corporações adotaram essa agenda muito rapidamente. Apesar dos incentivos à indústria do carvão americana, quem mais emprega hoje é a indústria das energias alternativas. A China também está fazendo muita coisa nessa direção. É um movimento irreversível.
A sustentabilidade é, atualmente, um dos termos mais citados
pelas empresas. A Natura é uma referência nisso. Mas existem corporações
que são acusadas de praticar boas ações de ‘fachada’. Como o sr.
enxerga isso?
Existe um grupo de empresas que faz isso mais por marketing profissional do que por uma mudança de práticas real. Mas, a sociedade moderna tem instrumentos poderosos. A agenda do ‘greenwash’, do marketing de fachada, está perdendo espaço porque hoje o consumidor está dentro das empresas. As redes sociais são muito poderosas e estão cada vez mais influentes.
Existe um grupo de empresas que faz isso mais por marketing profissional do que por uma mudança de práticas real. Mas, a sociedade moderna tem instrumentos poderosos. A agenda do ‘greenwash’, do marketing de fachada, está perdendo espaço porque hoje o consumidor está dentro das empresas. As redes sociais são muito poderosas e estão cada vez mais influentes.
https://www.istoedinheiro.com.br/futuro-em-equilibrio/