Juiz titular da comarca de Piancó, Pedro Davi Vasconcelos, desenvolveu chatbot para fazer triagem de solicitações
Quando chegou há pouco mais de um ano para assumir a titularidade da 1ª Vara da Comarca de Piancó, município localizado a 340 quilômetros de João Pessoa, capital da Paraíba, o juiz Pedro Davi Vasconcelos encontrou o caos. A vara, que já estava há um tempo sem magistrado titular, enfrentava diversos desafios para organizar as demandas processuais e garantir o atendimento aos cidadãos e advogados.
Antes de mais nada, Vasconcelos colocou ordem em todo o acervo de processos, mas só isso não seria suficiente para aprimorar a produtividade do tribunal. Com um histórico de interesse por avanços tecnológicos e informatização, o magistrado se debruçou a aprender como desenvolver um modelo de chatbot, um robô de atendimento virtual.
Para produzir efeito, o programa precisava ser desenhado para atender as principais demandas da vara. Foram alguns meses de estudo por conta própria e dois meses para o desenvolvimento do sistema, que começou a realizar atendimentos no início de setembro.
O funcionamento é simples: o interessado em acessar alguma informação relacionada à vara envia uma mensagem para um número no WhatsApp, que responderá com um menu com todas as informações que podem ser colhidas por aquele canal de atendimento.
“Hoje, está tudo programado no aplicativo. Antes era preciso pegar o telefone do servidor e entrar em contato individualmente. A demanda então ficava a critério de quem a recebia. Agora não. O procedimento é objetivo com todas as informações reunidas em um canal só”, diz Vasconcelos em entrevista ao JOTA.
Dentre as solicitações que podem ser feitas por meio do robô estão marcar um atendimento diretamente com o juiz, solicitar a realização de despachos, marcar audiência, pagar custos processuais, negociar dívidas, entre outros.
Tanto advogados quanto cidadãos podem utilizar a ferramenta. Do canal de autoatendimento, o solicitante é direcionado para um formulário do Google, que por sua vez é remetido para o e-mail da vara e, de lá, é distribuído para os servidores analisarem. Desde setembro, segundo estatísticas que ficam armazenadas no próprio programa, já foram concluídas 46 solicitações.
“Nós moramos no sertão da Paraíba e, do meu ponto de vista, a criação desse robô foi um avanço que está muito além da nossa realidade e do que os jurisdicionados e advogados esperavam. A 1ª Vara trouxe a modernização para nós sertanejos, nos colocou no patamar dos grandes centros”, exalta o advogado Gefferson Miguel, do Gefferson Miguel Advocacia e Consultoria Jurídica, que atua com Direito Previdenciário no Vale do Piancó.
Segundo ele, que tem utilizado com frequência a ferramenta, desde a implementação é possível perceber uma maior celeridade nos processos. “Em relação aos despachos, por exemplo, o canal tem trazido uma melhora grande, porque antes o magistrado, para se inteirar do processo, precisava ler todos os autos. Agora, é possível marcar uma conversa prévia tanto por parte do advogado quanto por parte do jurisdicionado. Despachos que levavam três, quatro meses, agora saem em semanas ou até dias”, diz Miguel.
De acordo com o juiz, até mesmo para solicitações que não podem ser atendidas, como por exemplo em processos que precisam respeitar o rito cronológico do Código de Processo Civil, há um retorno para a parte interessada que fez o pedido. “Não é tudo que se pode ser atendido. Tem alguns processos que dependem do tempo mesmo. Então a gente faz essa triagem e avisa”.
Modelo para outras varas
O autoatendimento desenvolvido em Piancó já ganhou projeção no Tribunal de Justiça da Paraíba, que está avaliando a possibilidade de replicar o chatbot em outras varas do estado.
Agora, Vasconcelos está escrevendo um ebook de treinamento para reproduzir o modelo desenvolvido por ele. “Para usar o programa, o próprio juiz das outras varas precisa identificar quais são as principais demandas locais. Porque é preciso adaptar o modelo para atender a outras realidades”, diz o magistrado.
Ele afirma que vem recebendo e-mails de todo o Brasil pedindo para compartilhar a ferramenta. “Ainda estou estudando como fazer isso, mas até escritório de advocacia está interessado”.
Essa não foi a primeira vez que Vasconcelos se destacou ao desenvolver tecnologias para digitalizar o Poder Judiciário brasileiro. Em 2018, quando atuava nas comarcas de Água Branca e Princesa Isabel, também na Paraíba, ele criou o “Fiscal PB”, um aplicativo exclusivo para uso policial.
O modelo consiste em um registro digital de todos os presos da região que cumprem pena em regime aberto. A intenção, de acordo com o magistrado, é fornecer aos policiais informações precisas para a fiscalização de detentos.
“Cidade pequena geralmente não tem estrutura de tornozeleira eletrônica, mas tem gente cumprindo pena no regime aberto que não pode frequentar bares ou tem que haver o recolhimento domiciliar a partir das 22h, por exemplo. E a polícia, quando fazia a fiscalização, não tinha controle nenhum. Às vezes eu via um calhamaço de papel na mão deles, desatualizado há mais de três anos”, conta.
Futuro
A onda de digitalização impulsionada pela pandemia da Covid-19 também chegou ao Poder Judiciário e só deve crescer, na visão de Vasconcelos. Além disso, o ministro Luiz Fux, que assumiu a presidência do Conselho Nacional de Justiça no mês passado, também frisou em seu discurso que fará investimentos em tecnologia e digitalização dos processos.
Para o magistrado, o maior desafio do Poder Judiciário será manter essa cultura de digitalização, bem como conhecer a ferramenta que “vai tomar conta de tudo, a Inteligência Artificial (IA)”. O juiz afirma que, agora, ele vai se dedicar para estudar programas de IA.
“Vai chegar um momento em que causas pequenas que não tenham muita complexidade vão ser julgadas por um robô. Ele vai sugestionar e começar a auxiliar o juiz. Acredito que nunca irá substituir a figura do magistrado, mas podemos melhorar o desempenho com essas tecnologias”.
O magistrado faz parte de grupos que desenvolvem tecnologia voltada para o Judiciário e diz que tem trocado experiências com o CNJ, que no final de 2018 criou a Comissão Permanente de Tecnologia da Informação e Infraestrutura.
“Para variar, no Brasil se cria as providências cada um do jeito que quer e depois alguém fala: ‘bora unificar’. É isso que o CNJ está estudando agora”.
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