quarta-feira, 9 de março de 2022

Julgamento da revisão da vida toda será reiniciado no plenário físico do STF


Nunes Marques pediu destaque mesmo depois de todos ministros votarem. Pelas regras, voto de Marco Aurélio seria desconsiderado


revisão da vida toda
Ministro Nunes Marques / Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

Mesmo depois de todos os onze ministros apresentarem seus votos no julgamento da revisão da vida toda, o ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu destaque do plenário virtual. Com isso, o julgamento, que estava 6 a 5 a favor dos aposentados, será reiniciado no plenário físico.

Com a manobra, o voto do relator Marco Aurélio Mello, de acordo com as regras do plenário virtual, não seria aproveitado e o novo ministro, André Mendonça, ex-AGU, poderá votar e alterar o placar. Mas alguns ministros, que consideraram o destaque como uma tentativa de manipular o resultado do julgamento, articulam uma questão de ordem para manter o voto de Marco Aurélio, a favor dos beneficiários.

O julgamento sobre a revisão da vida toda ocorre no RE 1.276.977. Neste processo, segurados do INSS buscam recalcular suas aposentadorias incluindo, na composição da média salarial, contribuições previdenciárias realizadas antes de julho de 1994. Isso porque, em 1999, uma reforma na legislação previdenciária mudou as fórmulas de cálculo dos benefícios e definiu que, para pessoas que já contribuíam com o INSS naquela época, os pagamentos antes do Plano Real (1994) não seriam considerados.

Na última sexta-feira (4/3),  o ministro Alexandre de Moraes havia desempatado o julgamento e votado a favor dos aposentados. Moraes acompanhou o relator, ministro Marco Aurélio, já aposentado, e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto, no sentido de que o segurado do INSS tem, diante de mudanças nas regras previdenciárias, o direito de optar pela regra que lhe seja mais favorável. Ou seja, uma vitória para os beneficiários e uma derrota para o governo. Leia a íntegra do voto de Alexandre de Moraes.

De acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e nota técnica do Ministério da Economia, o impacto de autorizar a ‘revisão da vida toda’ para os cofres públicos é de R$ 46,4 bilhões ao longo de dez anos. Conforme informou o jornal o Estado de S. Paulo, a União atualizou os cálculos do impacto aos cofres públicos para R$ 360 bilhões em 15 anos.

O grupo “Lesados pelo INSS Revisão da Vida Toda” contesta a previsão do órgão federal e contratou estatísticos e matemáticos, que estimam impacto econômico entre R$ 2,7 bilhões e R$ 5,5 bilhões nos gastos federais com Previdência, conforme a mediana do indicador de inflação.

O relator, Marco Aurélio, havia opinado que não é legítima a imposição de regra de transição mais gravosa que a definitiva. “Desconsiderar os recolhimentos realizados antes da competência julho de 1994 contraria o direito ao melhor benefício e a expectativa do contribuinte, amparada no princípio da segurança jurídica, de ter levadas em conta, na composição do salário de benefício, as melhores contribuições de todo o período considerado”, ponderou. Leia a íntegra do voto do relator.

O relator propôs a seguinte tese de repercussão geral: “Na apuração do salário de benefício dos segurados que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/1999 e implementaram os requisitos para aposentadoria na vigência do diploma, aplica-se a regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/1991, quando mais favorável que a norma de transição”. Os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Lewandowski acompanharam Marco Aurélio.

A divergência

O ministro Nunes Marques, responsável pelo destaque, havia aberto a divergência, argumentando que o recurso sequer deveria ser conhecido por uma questão formal, não fosse um erro cometido pelo STJ. Para Marques, a Corte, ao acolher a tese da revisão da vida toda, de certa forma entendeu ser inconstitucional a regra de transição da Lei 9.876/1999. Porém, sustenta o ministro, a decisão foi proferida pela Primeira Seção do STJ, quando somente o Órgão Especial é quem poderia declarar uma norma inconstitucional.

No mérito, Marques entende que a tese não deve prosperar porque entende ser uma falsa premissa o fato de que seria mais vantajoso para o segurado considerar o cálculo de todo o período de contribuição, inclusive antes de 1994. Segundo o magistrado, os trabalhadores tendem a ter maiores salários na fase mais madura da vida, e não no começo de carreira laboral, de sorte que, em tese, considerar todo o período contributivo é incluir no cálculo as suas primeiras e presumivelmente menores remunerações. Marques ainda destacou os impactos aos cofres públicos que a autorização da revisão da vida toda poderia causar. Leia a íntegra do voto de Nunes Marques.

Assim, o ministro votou por dar provimento ao recurso do INSS e propôs a seguinte tese de repercussão geral: “É compatível com a Constituição Federal a regra disposta no caput do art. 3º da Lei 9.876/1999, que fixa o termo inicial do período básico de cálculo dos benefícios previdenciários em julho de 1994 ”. Foi acompanhado pelos ministros Toffoli, Barroso, Fux e Gilmar Mendes.

O que é a revisão da vida toda?

Em 1999, foi promulgada a Lei 9.876, uma reforma previdenciária que criou duas fórmulas para apuração da média salarial, sobre as quais são calculadas as aposentadorias. A regra geral definiu que, para trabalhadores que começassem a contribuir a partir de 27 de novembro de 1999, o cálculo da previdência deveria ser sobre 80% dos recolhimentos mais altos desde o início das contribuições.

Mas a mesma lei fixou uma regra de transição para quem já era contribuinte: o benefício deveria ser calculado a partir das contribuições realizadas a partir de julho de 1994 (quando foi instituído o Plano Real). No STF, os segurados visam uma revisão, para incluir nos cálculos todo o período de contribuição do segurado, e não só após 1994. Dessa forma, beneficiaria os segurados que tiveram as maiores contribuições antes desse período.

Até 1994, o país tinha uma alta inflação devido às mudanças frequentes de moedas. Naquele ano, foi instituído o Plano Real. A Lei 9.876/1999 então definiu que iriam ser considerados os salários a partir de julho de 1994. No entanto, algumas pessoas tiveram suas maiores contribuições antes de 1994. Então quando elas começaram a se aposentar depois disso, tiveram benefícios menores do que poderiam ter. E muitas pessoas passaram a entrar no Judiciário para pleitear que a aposentadoria considerasse todo o histórico contributivo, e não apenas de 1994 para frente.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em 2019, pela validade da “revisão da vida toda”, autorizando que, quando mais vantajosa, os segurados teriam direito ao cálculo da média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, e não só a partir do Plano Real. O INSS recorreu ao STF por meio do recurso extraordinário que está sendo julgado agora.

Na ocasião, o STJ fixou a seguinte tese: “Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3o. da Lei 9.876/1999, aos Segurado que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999″.

 

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