No primeiro semestre, o volume de fusões e aquisições envolvendo empresas brasileiras encolheu para 279, menor nível dos últimos oito anos
São Paulo - O crescente cerco da Receita Federal
sobre operações de fusões e aquisições no país coloca ainda mais
pressão negativa sobre um mercado já enfraquecido pela debilidade do
cenário econômico e por dificuldade de compradores e vendedores chegarem
a acordos sobre os preços dos ativos.
No primeiro semestre, o volume de fusões e aquisições envolvendo
empresas brasileiras encolheu para 279 -- menor nível dos últimos oito
anos, segundo dados da Thomson Reuters. No mesmo período do ano passado,
foram realizadas 453 fusões e aquisições de empresas brasileiras.
"A voracidade das autuações do fisco acaba amedrontando investidores
estrangeiros, sem dúvida, e os nacionais também", afirmou à Reuters a
sócia responsável pela área tributária do Tozzini Freire Advogados, Ana
Cláudia Utumi.
A fiscalização tem se intensificado nos últimos anos, especialmente a
partir de 2011, quando começaram a funcionar as delegacias
especializadas em grandes contribuintes, avalia a advogada.
"As delegacias levaram as autuações para outro patamar, ficaram mais
elaboradas e a argumentação ficou mais detalhada", disse Ana Cláudia. No
ano passado, as autuações de empresas pela Receita chegaram a 105,7
bilhões de reais.
Procurada, a Receita Federal não quis se pronunciar.
Os dois pontos mais comumente questionados pelo fisco em operações de
fusões e aquisições são a amortização de ágio e os ganhos de capital. No
primeiro caso, o questionamento é feito sobre o aproveitamento fiscal
do ágio da aquisição, que é a diferença entre o preço pago por uma
companhia e seu valor patrimonial.
O fim deste benefício-- que não é comum em outros países-- está na
pauta da Receita, segundo especialistas consultados pela Reuters.
"Enquanto este assunto não for pacificado pela continuidade ou não do
ágio, pode ter algum receio por parte dos investidores", afirmou o
professor de contabilidade da Fecap, Eduardo Flores.
Na visão do professor Fernando Caio Galdi, da Fundação Instituto de
Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), a retirada
deste benefício poderia tirar ainda mais a atratividade do Brasil para
investimentos.
No segundo caso, o fisco questiona ganhos de capital obtidos na
operação, e neste caso quem recebe a autuação é o vendedor. O caso de
maior monta recentemente se enquadra nesta segunda categoria e recaiu
sobre a fusão que formou o Itaú Unibanco, maior banco privado do país,
em 2008.
A Receita está cobrando cerca de 18,7 bilhões de reais em impostos
atrasados relacionados à operação, ao questionar a forma como a
integração entre Itaú e Unibanco foi realizada. A Receita defende que
fusão deveria ter apurado ganho de capital, com consequente tributação.
Na ocasião, a operação de fusão dos bancos Itaú e Unibanco foi aprovada
pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pelo Banco Central e pelo
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O Itaú Unibanco
contesta o procedimento sugerido pela Receita, pois acredita que não
seria viável do ponto de vista legal.
"Existe uma postura geral da Receita Federal no sentido de
desconsiderar operações legítimas, a exemplo das transações do Santander
e Banespa, empresas de telefonia e energia, e do Itaú Unibanco", disse o
sócio responsável pela área tributária do escritório Machado Meyer,
Celso Costa.
Em sua visão, a "agressividade" da Receita gera um cenário de
insegurança jurídica para o empresariado brasileiro e para investimentos
estrangeiros.
O ação contra o Itaú foi divulgada quase um ano depois que a Receita
afirmou que estava iniciando a cobrança de 86 bilhões de reais em
impostos atrasados, na maior ação de recuperação de débitos já realizada
pelo órgão.
No setor financeiro, outro exemplo apontado do rigor da Receita Federal
é a cobrança de cerca de 410 milhões de reais feita à BM&FBovespa
em tributos que não teriam sido recolhidos em 2008 e 2009, no processo
de união das bolsas BM&F e Bovespa.
A decisão da Receita se baseou em suposta inconsistência do critério
usado para avaliação do patrimônio líquido da Bovespa para apuração do
ágio quando da incorporação pela BM&F, segundo informou a bolsa
naquela ocasião. Procurada pela Reuters, a bolsa não quis comentar o
assunto, que se ainda se arrasta sem decisão final.
A autuação atinge as corretoras de valores, que eram sócias da bolsa e
obtiveram ganhos com a união entre BM&F e Bovespa. Segundo uma fonte
do setor, as multas dificultam a realização de aquisição neste mercado
porque os eventuais compradores não querem assumir o risco de ter de
arcar com o eventual passivo.