sábado, 7 de setembro de 2013

Cerco da Receita sobre fusões e aquisições pressiona mercado


No primeiro semestre, o volume de fusões e aquisições envolvendo empresas brasileiras encolheu para 279, menor nível dos últimos oito anos

Natalia Gómez, da
Divulgação
Fábrica da Seara
Fábrica da Seara: companhia da Marfrig foi adquirida pela JBS, mas o negócio ainda espera autorização do Cade

São Paulo - O crescente cerco da Receita Federal sobre operações de fusões e aquisições no país coloca ainda mais pressão negativa sobre um mercado já enfraquecido pela debilidade do cenário econômico e por dificuldade de compradores e vendedores chegarem a acordos sobre os preços dos ativos.

No primeiro semestre, o volume de fusões e aquisições envolvendo empresas brasileiras encolheu para 279 -- menor nível dos últimos oito anos, segundo dados da Thomson Reuters. No mesmo período do ano passado, foram realizadas 453 fusões e aquisições de empresas brasileiras.

"A voracidade das autuações do fisco acaba amedrontando investidores estrangeiros, sem dúvida, e os nacionais também", afirmou à Reuters a sócia responsável pela área tributária do Tozzini Freire Advogados, Ana Cláudia Utumi.

A fiscalização tem se intensificado nos últimos anos, especialmente a partir de 2011, quando começaram a funcionar as delegacias especializadas em grandes contribuintes, avalia a advogada.

"As delegacias levaram as autuações para outro patamar, ficaram mais elaboradas e a argumentação ficou mais detalhada", disse Ana Cláudia. No ano passado, as autuações de empresas pela Receita chegaram a 105,7 bilhões de reais.

Procurada, a Receita Federal não quis se pronunciar.
Os dois pontos mais comumente questionados pelo fisco em operações de fusões e aquisições são a amortização de ágio e os ganhos de capital. No primeiro caso, o questionamento é feito sobre o aproveitamento fiscal do ágio da aquisição, que é a diferença entre o preço pago por uma companhia e seu valor patrimonial.

O fim deste benefício-- que não é comum em outros países-- está na pauta da Receita, segundo especialistas consultados pela Reuters. "Enquanto este assunto não for pacificado pela continuidade ou não do ágio, pode ter algum receio por parte dos investidores", afirmou o professor de contabilidade da Fecap, Eduardo Flores.

Na visão do professor Fernando Caio Galdi, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), a retirada deste benefício poderia tirar ainda mais a atratividade do Brasil para investimentos.

No segundo caso, o fisco questiona ganhos de capital obtidos na operação, e neste caso quem recebe a autuação é o vendedor. O caso de maior monta recentemente se enquadra nesta segunda categoria e recaiu sobre a fusão que formou o Itaú Unibanco, maior banco privado do país, em 2008.

A Receita está cobrando cerca de 18,7 bilhões de reais em impostos atrasados relacionados à operação, ao questionar a forma como a integração entre Itaú e Unibanco foi realizada. A Receita defende que fusão deveria ter apurado ganho de capital, com consequente tributação.

Na ocasião, a operação de fusão dos bancos Itaú e Unibanco foi aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pelo Banco Central e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O Itaú Unibanco contesta o procedimento sugerido pela Receita, pois acredita que não seria viável do ponto de vista legal.

"Existe uma postura geral da Receita Federal no sentido de desconsiderar operações legítimas, a exemplo das transações do Santander e Banespa, empresas de telefonia e energia, e do Itaú Unibanco", disse o sócio responsável pela área tributária do escritório Machado Meyer, Celso Costa.

Em sua visão, a "agressividade" da Receita gera um cenário de insegurança jurídica para o empresariado brasileiro e para investimentos estrangeiros.

O ação contra o Itaú foi divulgada quase um ano depois que a Receita afirmou que estava iniciando a cobrança de 86 bilhões de reais em impostos atrasados, na maior ação de recuperação de débitos já realizada pelo órgão.

No setor financeiro, outro exemplo apontado do rigor da Receita Federal é a cobrança de cerca de 410 milhões de reais feita à BM&FBovespa em tributos que não teriam sido recolhidos em 2008 e 2009, no processo de união das bolsas BM&F e Bovespa.

A decisão da Receita se baseou em suposta inconsistência do critério usado para avaliação do patrimônio líquido da Bovespa para apuração do ágio quando da incorporação pela BM&F, segundo informou a bolsa naquela ocasião. Procurada pela Reuters, a bolsa não quis comentar o assunto, que se ainda se arrasta sem decisão final.

A autuação atinge as corretoras de valores, que eram sócias da bolsa e obtiveram ganhos com a união entre BM&F e Bovespa. Segundo uma fonte do setor, as multas dificultam a realização de aquisição neste mercado porque os eventuais compradores não querem assumir o risco de ter de arcar com o eventual passivo.

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