Vários
estudos afirmam que o político que rouba, mas é competente e faz coisas
importantes para a população, tem longevidade garantida (tanto no
Brasil como em vários outros países do mundo todo). Um exemplo
paradigmático disso é Paulo Maluf (que possibilitou a ampliação do nosso
léxico, dando ensejo a um novo verbo: malufar). Tais estudos indicam
que os cidadãos que assimilam essa ideia (competência ligada à
corrupção) reduzem, do ponto de vista psicológico, a tensão associada ao
ato de votar em político corrupto. É mais frequente do que se possa
imaginar o trade-off (jargão usado na economia para dizer que a
escolha de uma opção se dá em detrimento de outra) entre a competência e
a corrupção. Para quem tem plena consciência do voto, é deveras
indigesto votar num conhecido pilhador do dinheiro público. Mas os
eleitores fazem isso pensando nos benefícios que já conquistaram ou no
que poderão alcançar, em razão da competência do corrupto.
Julivan
Vieira (O Globo 22/9/14) cita o estudo comparativo entre Suécia e
Espanha (de 2007) feito por Peter Esaiasson e Jordi Muñoz (da
Universidade Pública de Gotemburgo), que tomaram como base o prefeito do
município valenciano de Vall d’Alba, que protagonizou um escândalo de
corrupção ao desviar a finalidade de 13 propriedades imobiliárias.
Propriedades agrícolas foram vendidas indevidamente e usadas para fins
residenciais e industriais. O prefeito tirou proveito pessoal nessas
transações, mas atraiu investimentos e captou dinheiro para o município;
construiu escola, centro médico, capela, uma área industrial, piscina
pública, centro de atenção ao idoso, uma nova delegacia de polícia e
arena de touradas, reelegendo-se com 71% dos votos. Ou seja: os autores
concluíram que os espanhois (assim como os suecos), em determinadas
condições, preferem o corrupto competente ao honesto incompetente.
O
estudo citado foi inspirado em outro similar feito no Brasil por
Winters e Weitz-Shapiro, que chegou a conclusões opostas e inesperadas:
os brasileiros pesquisados não priorizaram a competência sobre a
corrupção (disseram, inclusive pessoas mais humildes ouvidas, que não
votariam num candidato corrupto). Quais as razões da diferença
encontrada? Primeira: no estudo de Esaiasson e Muñoz foram fornecidas
aos participantes informações mais genéricas, mais vagas, mais neutras
(não emocionais), sobre o comportamento corrupto do prefeito. No Brasil
essas informações foram mais detalhadas, mencionando-se as vantagens
obtidas pelo corrupto assim como os altos custos da corrupção. Segunda:
não podemos esquecer que o brasileiro padece de um paradoxo descomunal,
tal como evidenciado por Eduardo Giannetti (Vícios privados, benefícios públicos?):
temos uma imagem bastante favorável de nós mesmos (autoimagem), ou
seja, nos sentimos honestos, honrados e probos nos nossos discursos, mas
isso nem sempre se converte em ação concreta. O resultado concreto do
todo (do País), que conta com vários políticos corruptos reeleitos, não
bate com as partes (as opiniões e os discursos dos eleitores).
De acordo com a hipótese trade-off
original (de Rundquist et al. 1977, citados por Esaiasson e Muñoz), os
eleitores se envolvem em um cálculo racional (?) de custos e ganhos.
Trata-se de um mecanismo psicológico que traz um certo conforto para o
eleitor que vota num corrupto. É a famosa relação utilitarista do
custo-benefício. Custa muito votar num corrupto que faz muitas coisas,
mas os benefícios compensam. Tudo isso seria, na verdade, uma
irracionalidade, mas com resultados práticos benéficos. Como isso
acontece? De várias formas. Uma delas passa pela chamada “redução da
dissonância”, evidenciada por Festinger 1957; Aronson 1969 e Pedra 2000,
todos citados pelos mesmos autores, que sugerem que os cidadãos reduzem
a tensão psicológica associada a votar em um político corrupto, mas
eficiente, minimizando a severidade do delito. Quem faz muito pela
população acaba contando com sua benevolência (misericórdia), que vê sua
corrupção como menos grave. Há uma negociação (coletiva, psicológica)
frente à competência e a corrupção. Quando ela é mostrada de forma
neutra (menos onerosa), prepondera o lado da competência. Quanto é
revelada de forma dura, nefasta (emocionalmente carregada), predomina a
rejeição ao corrupto (tal como demonstrou outro estudo na Suécia, de
Klasjna & Tucker 2013). Ou seja: conforme a maneira como se
evidencia a corrupção, o “rouba, mas faz” tem aprovação da população.
Tudo isso seria fruto de um cálculo racional (?) (conforme demonstração
de Rundquist et al. 1977). A existência ou não de bons candidatos
alternativos também tem relevância (Kurer de 2001; Caselli & Morelli
2004; Bågenholm de 2011).
Saiba mais
O
estudo de Matthew S. Winters e Rebecca Weitz-Shapiro (sobre a corrupção
no Brasil) evidenciou que quanto mais informação sobre ela, menos
tolerante é o eleitor com o desvio do dinheiro público. Os brasileiros
têm sofrido muito com a corrupção, inclusive depois da redemocratização.
Todos os governos da transição democrática ou da redemocratização foram
tachados de corruptos (desde Sarney até Lula-Dilma, passando por
Collor, Itamar e FHC). Perguntas diretas da pesquisa sobre as atitudes
dos entrevistados em relação à frase “rouba, mas faz” sugerem que ela
conta com o apoio de uma minoria substancial da população brasileira. Em
uma pesquisa de 2000, 47% dos entrevistados disseram que preferiam um
prefeito que não era “totalmente honesto”, quando ele resolvia os
problemas de um município, enquanto que apenas 40% afirmaram que
preferem um prefeito totalmente honesto, mesmo que ele “não seja tão
eficiente”. Da mesma forma, uma pesquisa de 2002 encontrou que 40% dos
entrevistados concordam com a afirmação de que “um político que realiza
uma série de obras públicas, mesmo que ele rouba um pouco, é melhor do
que um político que realiza poucas obras públicas e não roubar nada”.
Por
outro lado, há alguns dados que sugerem que os eleitores brasileiros
não perdoam a corrupção quando eles são bem informados sobre ela. Um
experimento de campo realizado em São Paulo, com eleitores que detinham
informações sobre denúncias de corrupção contra dois candidatos a
prefeito, produziu algumas evidências de que os eleitores podem votar
contra políticos corruptos ou então optar por não ir às urnas. Em um
levantamento nacional (feito pelos autores deste estudo) os resultados
não confirmam a alegação do trade-off (eleição de um item em
detrimento de outro) entre competência e corrupção; são mais
consistentes com a hipótese de que um problema de informação explica a
difusão continuada de corrupção política no Brasil (ou seja: quanto mais
informação, menos leniência com a corrupção). No experimento da
pesquisa, em vez de perguntas diretamente inquirindo seus pontos de
vista sobre a corrupção, foram distribuídos aleatoriamente para cada
entrevistado áudios com 12 vinhetas diferentes, variando a informação
que recebia sobre o passado corrupto hipotético de um político e sua
competência geral no fornecimento de obras públicas. O personagem
Gabriel foi colocado no centro das respostas. Variaram-se também as
informações sobre partido do político. A conclusão foi: quanto mais
informação sobre a corrupção, menos tolerância do eleitor.
A
percentagem média dos entrevistados que acreditam que Gabriel votaria em
um candidato descrito como não-corrupto é de 78%, mas apenas 19%
acreditavam que ele optaria por votar em um candidato corrupto, uma
diferença de quase 60 pontos percentuais. Em uma das questões, quando
informados de que o prefeito era honesto mas incompetente, 62% se
mostraram propensos a acreditar que o personagem na questão votaria
neste candidato. Em contraste, somente 28% dos entrevistados votaram
pelo corrupto, mas competente. Essa diferença percentual de 34 pontos
vai no sentido oposto do que a hipótese de trade-off poderia prever. A
reação negativa à corrupção entre a amostra é, em média, muito mais
forte do que a reação positiva ao desvio de bens públicos.
O
“rouba, mas faz” (“roba pero hace” ou “he steals but he delivers”), como
se vê, está incrustado na alma dos eleitores. Em 2012, agrega Julivan
Vieira (citado), os pesquisadores Marko Klasjna e Joshua Tucker,
trabalhando sobre a mesma hipótese na Suécia e na Moldávia (de alta
corrupção), constataram que os eleitores moldavos estavam dispostos a
apoiar políticos corruptos quando as condições econômicas são boas. Em
outras palavras, os moldavos (de alguma forma) aceitam também o “rouba,
mas faz”. Esta pesquisa detectou ainda a predisposição do eleitor em
fazer julgamentos menos severos dos políticos pertencentes ao seu
partido preferido. O eleitor acha que esse político é menos propenso à
corrupção. Se se trata de político de outro partido, o julgamento foi
mais duro.
Na Suécia o resultado apresentado mostrou que os
suecos culpam os políticos pelo agravamento das condições econômicas da
população, independentemente do nível de corrupção. Em outras palavras,
não há nenhum efeito de interação (não há aqui o trade-off).
Inquiridos, os moldavos, no entanto, culpam a corrupção somente quando a
economia do país vai mal, mas não quando a economia está boa (ou seja,
há uma interação entre a má corrupção e uma economia ruim). Em termos
absolutos, os entrevistados suecos são geralmente mais sensíveis (mais
críticos) tanto para a situação da economia quanto para a corrupção. Por
fim, a interação entre a economia ruim e a corrupção é decididamente
maior na Moldávia (há o efeito trade-off com mais evidência na Moldávia).
De
acordo com a interpretação destes resultados, para os suecos qualquer
desvio no desempenho ideal é suscetível de ser punido. O fato de que nós
encontramos esse comportamento em um país onde a corrupção é rara,
sugere que isto pode ser visto como reflexo de um equilibro no assunto
corrupção. Nesses casos, um destaque negativo sobre corrupção e/ ou a
economia é imediatamente punido. Isto, por sua vez, cria fortes
desincentivos para o envolvimento com a corrupção e/ou uma má gestão da
economia, e, provavelmente, cria fortes desincentivos para um tipo de
pessoa ruim (tanto desonestos como incompetentes) concorrer a um cargo
político (efeito de seleção).
Na Moldávia, constatou-se que os
eleitores são mais rigorosos quando o político vai mal nos dois itens:
corrupção e gestão econômica. O crescimento dos casos de suborno (neste
país) é galopante e a percepção dos funcionários corruptos é
generalizada. Nesse ambiente, um registro incorreto sobre a corrupção
não é notícia; ele fornece pouca informação sobre o político, além do
fato de que a corrupção é apenas “mais do mesmo”. O mesmo é válido para o
efeito da má economia. No entanto, uma economia ruim juntamente com a
corrupção pode revelar informações adicionais sobre o político: o
político está falhando em dois campos, ao invés de um. Se o político vai
bem em pelo menos um campo (da honestidade ou da boa economia), é mais
facilmente perdoado. Se vai mal nos dois, é tendencialmente julgado com
severidade.