Brasil e UE não possuem acordos de livre comércio que regulem a commodity.
As mudanças que entrarão em vigor na Europa em 2017 são o auge de um
processo que já provocou um corte nos subsídios do açúcar na UE depois
de a OMC condenar o bloco em 2005 por praticar dumping em um processo
aberto pelo Brasil, Tailândia e Austrália.
Mudanças expressivas nas barreiras comerciais que controlam o setor
de açúcar estão redesenhando o mapa do mercado de uma das commodities
mais protegidas do mundo.
Muitos países produtores de açúcar protegem
sua indústria doméstica através da combinação de pagamentos garantidos a
agricultores, restrições à produção ou limites de importação. Mas esse
setor está sendo gradualmente liberalizado com uma série de medidas que
podem derrubar os preços do açúcar. Refinarias e exportadores estão
tentando descobrir o que vai mudar quando elas entrarem em vigor.
A
maior mudança será a remoção das cotas de produção e dos pagamentos
mínimos para os produtores de beterraba usada na fabricação de açúcar na
União Europeia a partir de outubro de 2017. A expectativa é que os
agricultores passem a exportar a maior parte do excedente, o que pode
transformar a UE em uma grande concorrente no mercado internacional.
Além
disso, a Organização Mundial do Comércio está analisando se a
Tailândia, o segundo maior exportador de açúcar do mundo, está violando
as regras comerciais ao subsidiar sua produção em um processo aberto
pelo Brasil, o maior produtor mundial e uma voz potente a favor da
liberalização. As barreiras de mercado na África também estão sendo
pressionadas por acordos comerciais regionais.
“O mundo do açúcar vai
ser sacudido por completo”, diz Hartwig Fuchs, diretor-presidente da
Nordzucker AG, o segundo maior produtor de açúcar da Europa. Fuchs
estima que a Europa tem potencial para colocar mais 3,5 milhões de
toneladas de açúcar novo no mercado global por ano, total ligeiramente
superior a 6% do volume de comércio global esperado para este ano.
As
mudanças em andamento criam incertezas em um momento de volatilidade
para o mercado de açúcar. O consumo de açúcar deve ultrapassar a oferta
em 2016, depois de cinco anos de superávits e preços estagnados. O
mercado subiu nos últimos meses depois que secas reduziram a produção em
várias partes do mundo. Ainda assim, analistas acreditam que os preços
podem cair no longo prazo pelo excesso de produção.
As mudanças que
entrarão em vigor na Europa em outubro de 2017 são o auge de um processo
que já provocou um corte nos subsídios do açúcar na UE depois de a OMC
condenar o bloco em 2005 por praticar dumping em um processo aberto pelo
Brasil, Tailândia e Austrália.
Com as reformas do ano que vem, os
produtores europeus, que atualmente ocupam o terceiro lugar no ranking
da produção mundial, dizem que irão elevar a oferta e exportar mais
açúcar.
“A UE certamente se tornará uma exportadora líquida”, diz
Olivier Lippens, diretor administrativo da Finasucre SA, uma produtora
de açúcar da Bélgica. Lippens estima que as exportações líquidas podem
atingir até três milhões de toneladas ao ano.
Enquanto isso, as
restrições sobre as importações de açúcar demerara serão mantidas na UE.
Essa combinação pode prejudicar importadores como Tate &
LyleSugars, cuja refinaria em Londres vem produzindo açúcar há 138 anos.
“Não seremos competitivos depois de 2017 a menos que a regulação mude”, diz Gerald Mason, vice-presidente da Tate & Lyle.
Muitos
produtores de demerara do Caribe e da África dependem das vendas para
refinadores europeus. “As pessoas que vêm fornecendo para a Europa há
mais de 100 anos ou mais, infelizmente, são as vítimas”, diz Karl James,
gerente da Jamaica Cane Products Cales Ltd.,exportadora jamaicana de
açúcar.
Entre essas vítimas potenciais está também o Brasil. As
reformas da UE devem reduzir o acesso do açúcar brasileiro à Europa ao
mesmo tempo em que cria um concorrente para o produto do Brasil no
mercado internacional, disse Geraldine Kupas, assessora sênior da
presidência da Unica para assuntos internacionais, em entrevista ao The
Wall Street Journal, de Bruxelas. A Unica é a entidade que representa a
indústria brasileira de açúcar e etanol.
“Com a abolição das cotas de
produção, os países mais competitivos da UE como França e Alemanha irão
elevar sua oferta de açúcar, reduzindo a necessidade de importação do
bloco em até 50%”, disse ela. Esse açúcar que precisará ser importado
virá de países com os quais a UE possui acordos de comércio ou cotas sem
impostos, acrescentou.
Hoje, o Brasil exporta 600 mil toneladas de
açúcar por ano para a UE através de um sistema de cotas pelo qual paga
um imposto de 98 euros por tonelada, considerando um preço médio de 350
euros por tonelada. “Como o Brasil não possui um acordo de livre
comércio com o bloco para o açúcar e o etanol, esse volume exportado
pode desaparecer a partir de 2017”, disse Kutas.
Além de perder o
acesso ao mercado europeu, o Brasil terá que enfrentar a concorrência
dos produtores da UE no mercado internacional de açúcar. Atualmente, a
UE tem suas exportações limitadas em 1,4 milhão de toneladas, “mas esse
número pode subir consideravelmente com as reformas”, afirma a
assessora.
A mudança também deve atingir os produtores com custo mais
elevado do Caribe, que podem ter dificuldades em competir na Europa
quando os preços caírem com o fim das cotas.
Na Europa, os produtores
de beterraba já cortaram os preços para ganhar mercado antes da reforma
de 2017. O impacto está sendo sentido por todo o setor açucareiro. A
refinaria da Tate & Lyle, às margens do Tâmisa, está operando com
capacidade reduzida. Em outubro, a Jamaica Cane Products Sales concordou
em estender por um ano um contrato de fornecimento de açúcar demerara
para a Tate & Lyle por cerca de US$ 370 a tonelada, bem abaixo dos
US$ 770 registrados no acordo anterior de três anos.
Em uma mudança
de posição em relação à decisão da OMC de 2005 que derrubou as barreiras
europeias, o Brasil agora está colocando a mira em seu antigo aliado, a
Tailândia. O Brasil tem acusado a Tailândia de aumentar sua
participação no mercado de açúcar global subsidiando as exportações. Em
uma manobra complexa, o governo tailandês fixa os preços domésticos do
açúcar, taxa as vendas e usa a receita para subsidiar os produtores de
cana-de-açúcar. O Brasil afirma que isso é uma violação às decisões da
OMC que custa aos seus exportadores cerca de US$ 1 bilhão por ano.
O
Brasil “quer um resultado similar ao que obteve quando processou a União
Europeia”, diz João Botelho, analista da corretora INTL FCStone Inc.
(The Wall Street Journal, 18/5/16)
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