Juíza alega falta de provas para estabelecer responsabilidade criminal, e Ministério Público Federal irá recorrer. Rompimento de barragem em 2015 deixou 19 mortos e causou enormes danos ambientais.A Justiça Federal absolveu nesta quarta-feira (14/11) por falta de provas as empresas Samarco, BHP Billiton e Vale, acusadas pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana, ocorrido em 2015, que resultou na morte de 19 pessoas.
Foram absolvidas no total 22 pessoas, entre diretores, gerentes e técnicos das empresas, incluindo o presidente da Samarco, Ricardo Vescovi. A juíza do caso afirmou que havia “ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal” dos réus, e avaliou que houve uma “busca obtusa por culpados” durante as investigações.
O Ministério Público Federal (MPF) informou que vai recorrer da decisão. Em outubro de 2016, os promotores do MPF denunciaram as quatro empresas e 22 pessoas físicas, 21 das quais foram denunciadas por homicídio qualificado, inundação, desabamento, lesões corporais graves e crimes ambientais. Um dos acusados respondia por suposta apresentação de laudo ambiental falso. Todos eles foram absolvidos.
Em 2019, a Justiça Federal retirou do processo os crimes de homicídio por entender que as mortes foram causadas pela inundação. Ao longo dos anos, diversos crimes ambientais incluídos no processo prescreveram.
Os suspeitos foram absolvidos apesar das evidências dos danos causados pelo rompimento da barragem. A Justiça Federa concluiu que não foi possível atribuir condutas específicas e determinantes que configurassem os crimes.
O que disse a juíza
Em sua decisão, a juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho argumentou que “os documentos, laudos e testemunhas ouvidas para a elucidação dos fatos não responderam quais condutas individuais contribuíram de forma direta e determinante para o rompimento da barragem de Fundão. E, no âmbito do processo penal, a dúvida – que ressoa a partir da prova analisada no corpo desta sentença – só pode ser resolvida em favor dos réus”.
Ela afirmou que, após analisar as “milhares de páginas” que integram o processo, tomou a “única decisão possível diante da prova produzida, convicta de que o exercício do poder punitivo em um Estado Democrático de Direito é subsidiário, fragmentário e não pode ser convertido em um instrumento de escape para a ineficácia das demais formas de controle social”.
“Impor ao Direito Penal um papel central na gestão de riscos extremos nem sempre é útil, adequado e racional. Pelo contrário. Quando um risco se concretiza em uma catástrofe colossal, os esforços da investigação deveriam ser prioritariamente dirigidos a descortinar as razões de ordem técnico-científicas que determinaram o evento, para que ele jamais volte a ocorrer. Nesse sentido, a busca obtusa por culpados é incapaz de evitar outras tragédias e, dificilmente, desastres dessa ordem podem ser explicados, exclusivamente, pela conduta de alguns indivíduos”, afirmou a juíza.
Ela lembrou ainda o acordo na esfera cível que obrigou a Samarco, a Vale e a BHP a se responsabilizarem pela reparação dos danos decorrentes da tragédia, que previa “um aporte bilionário de recursos”.
Acordo prevê R$ 170 bilhões em reparações
O acordo, assinado no dia 25 de outubro, prevê que a Vale, a BHP e a Samarco devem pagar R$ 170 bilhões em reparações à população e ao meio ambiente afetados pelo desastre ambiental.
Desse valor, R$ 100 bilhões reverterão para a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Os recursos, divididos em parcelas anuais ao longo de 20 anos, serão destinados a iniciativas como reassentamentos, indenizações, recuperação da bacia do Rio Doce e obras de infraestrutura.
A verba será gerida pelo Fundo Rio Doce, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo este, o primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo.
Além disso, as mineradoras terão que destinar R$ 32 bilhões a ações de reparação já em andamento, como o reassentamento das comunidades mineiras de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo.
Pelos termos do acordo, as mineradoras terão que implementar um sistema de indenização para quem não conseguiu comprovar documentalmente os danos sofridos e que tenha ficado sem acesso à água potável. A medida deve beneficiar 320 mil pessoas, segundo estimativa do governo federal.
“Espero, com profunda sinceridade, que todos os atingidos que sobreviveram a esta catástrofe sejam justa e efetivamente reparados, consciente de que mesmo a mais vultuosa das indenizações já pagas será incapaz de compensar o que lhes foi tomado. Tampouco uma sentença penal condenatória proferida em uma miríade de incertezas poderia honrar a memória daqueles que perderam a vida em 05 de novembro de 2015”, concluiu a juíza.
Julgamento em Londres pede R$ 230 bi
O acordo é fruto de uma negociação que durou dois anos e teve início ainda durante a gestão de Jair Bolsonaro. Ele saiu do papel apenas quatro dias após o início de um megajulgamento no Reino Unido contra a BHP, mineradora anglo-australiana acionista da Samarco, empresa que controlava a barragem de Fundão.
O caso, que tramita na justiça britânica desde 2018, é movido por 620 mil pessoas, 46 municípios e 1,5 mil empresas afetadas no Brasil, que pedem uma indenização de R$ 230 bilhões, numa das maiores ações coletivas da história.
O desastre de Mariana
O rompimento da barragem de Fundão aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, liberando no meio ambiente 44,5 milhões de metros cúbicos de lama tóxica, o equivalente a 13 mil piscinas olímpicas.
O dano se estendeu pelos dias subsequentes, quando outros 13 milhões de metros cúbicos continuaram escoando. Ao todo, os rejeitos percorreram 675 quilômetros, atingindo o Rio Doce, desaguando no oceano Atlântico e chegando ao Espírito Santo e sul da Bahia. Dezenove pessoas morreram.
Em 2016, Samarco, Vale e BHP assinaram um Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e criaram a Fundação Renova, para reparar os danos causados pelo rompimento.
rc/bl (DW, ots)
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