Tomaz Silva/ Agência Brasil
Vergonha: a poluição das águas, agora exibida ao mundo pelo Rio, é um dos piores indicadores do atraso do país
São Paulo — Construída para ser o cartão de boas-vindas do Rio de Janeiro aos atletas que disputarão a Olimpíada,
a Vila Olímpica mostrou-se uma decepção para as primeiras delegações
que chegaram para ocupar os 31 prédios construídos com gasto de 2,9
bilhões de reais. Defeitos primários nas instalações de água, luz e gás
levaram algumas delegações a procurar hotel para passar os primeiros
dias.
Reagindo mal ao fiasco, o prefeito Eduardo Paes fez uma piada de mau
gosto, dizendo que colocaria cangurus para fazer a delegação da
Austrália se sentir em casa. Recebeu um troco merecido: “Não precisamos
de cangurus, e sim de encanadores”, disse Mike Tancred, diretor do
comitê australiano.
A encrenca com as acomodações é um começo ruim e pode até ser resolvida
em pouco tempo, mas a competição no Rio dificilmente se livrará de um
triste rótulo que o jornal americano The Washington Post lhe pregou há
alguns dias ao escrever que será a “Olimpíada da Sujeira”.
Trata-se de uma história que os brasileiros conhecem bem: para sediar os
Jogos, uma das promessas, em 2009, era reduzir a 20% do esgoto
despejado na Baía de Guanabara.
Sete anos depois, pouco foi feito pela Cedae, estatal fluminense
responsável pela despoluição das águas que receberão as provas de vela —
em 2015, durante um evento-teste para os Jogos, alguns atletas
estrangeiros foram hospitalizados devido à imundície da baía.
Na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde ocorrerão provas de outras modalidades
aquáticas, a sujeira é tamanha que a equipe americana de remo vestirá
traje antimicróbio para evitar risco de contaminação.
O caso da Baía de Guanabara é um exemplo clamoroso de falta de gestão e
desperdício de dinheiro público. Nos últimos 20 anos, de acordo com a
Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, foram gastos 2,5
bilhões de reais para tentar a despoluição. Mas 15 municípios continuam
jogando dejetos sem tratamento.
Na cidade do Rio de Janeiro, menos de 47% do esgoto coletado é tratado.
Em Duque de Caxias, cidade de 883 000 habitantes, o índice é de 5%. O governo do estado estima que ainda serão necessários 12 bilhões de reais para concluir a limpeza.
“A região metropolitana do Rio tem cidades pobres, onde não se paga
conta de água e, portanto, também não se investe em saneamento”, diz
Claudio Frischtak, sócio da consultoria Inter.B. O problema é agravado
pela baixa capacidade de investimento da Cedae, tragada pela crise
fiscal do estado.
Cogita-se que uma das contrapartidas ao alongamento do prazo da dívida
do Rio com a União seja justamente o compromisso de privatizar a estatal
— ideia que enfrenta resistência do governo fluminense. Se a
privatização da Cedae sair do papel, não será preciso olhar longe para
se inspirar.
Espantosamente, há um lugar banhado pela Baía de Guanabara em que a
situação é diferente: Niterói, cidade de 497 000 habitantes que concedeu
ao setor privado as redes de água e esgoto em 1999. Ali, a
concessionária Águas de Niterói, do grupo Águas do Brasil, conseguiu
levar água tratada a 100% da população em 2003 e, hoje, 95% dos dejetos
recebem tratamento, índice superior ao da França.
Até 2018, a meta é chegar a 100%. “Se dependesse de Niterói, a Baía de
Guanabara estaria despoluída”, diz o prefeito Rodrigo Neves. Outras
cidades médias têm registrado avanço rápido nos serviços com a gestão
privada.
“Os contratos com a iniciativa privada têm metas rígidas de atendimento
que, se não forem cumpridas, geram multas”, diz Carlos Henrique da Cruz
Lima, diretor do grupo Águas do Brasil, que faz o saneamento em 15 cidades. Dos 5 570 municípios brasileiros, apenas 304 fizeram concessão total ou parcial a empresas privadas.
Mas, na última edição do ranking de saneamento do Instituto Trata
Brasil, das 50 cidades com melhor serviço, 22 contam com gestão privada.
O volume de investimento dessas concessionárias tem se multiplicado e,
em 2014, dos 12 bilhões de reais investidos no setor, 20% saíram de
cofres particulares. Os bons exemplos estão aí para ser copiados.
Se o governo do Rio tivesse dado atenção a esse fato, o Brasil passaria
menos vergonha na realização da Olimpíada. Mais importante do que isso: a
população fluminense seria a grande ganhadora.