segunda-feira, 26 de junho de 2017

J&F negocia venda da Alpargatas para fundo Cambuhy


A J&F Investimentos afirmou que firmou um acordo de confidencialidade envolvendo uma possível venda da Alpargatas

 





São Paulo – A J&F, holding controladora da JBS, negocia a venda da Alpargatas para a gestora de recursos Cambuhy.

Em fato relevante divulgado hoje, 26, a Alpargatas afirmou que foi informada que a J&F Investimentos fechou um acordo de confidencialidade envolvendo uma possível aquisição, pela Cambuhy, da totalidade de ações da Alpargatas detidas pela J&F.

A dona das Havaianas foi comprada pela J&F em novembro de 2015. A Camargo Corrêa, que era a acionista majoritária de 2002 até então, vendeu a companhia por 2,667 bilhões de reais.

O fundo Cambuhy, que tem entre seus sócios a família Moreira Salles, era um dos concorrentes à compra da Alpargatas há dois anos e voltou à disputa.

Tanto a venda de 2015 quanto a atual negociação estão relacionadas à Operação Lava Jato, que investiga corrupção na Petrobras.

A Camargo Correa precisava levantar o dinheiro depois de ter sido envolvida na investigação. Ela tinha uma dívida bilionária e uma multa de 700 milhões de reais pela condenação por prática de cartel, fraude à licitação e corrupção.

Agora é a J&F que está envolvida nas investigações da operação da Polícia Federal. O grupo dos irmãos Batista terá de pagar uma multa de 10,3 bilhões de reais por crimes de corrupção, em acordo de leniência acertado com o Ministério Público Federal (MPF).

Para se recuperar, ela está em busca de instituições para vender as empresas Alpargatas, Eldorado e Vigor.

A JBS, dona das marcas Seara e Friboi, também tenta vender ativos. Em uma proposta bilionária de desinvestimentos, ela colocou à venda a fatia de 19,2% na Vigor Alimentos, sua participação acionária na Moy Park, a Five Rivers Cattle Feeding e fazendas.


Palocci é condenado a 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro


Juiz Sérgio Moro determinou a sentença na manhã desta segunda

 




São Paulo – O juiz Sérgio Moro condenou o ex-ministro Antonio Palocci a 12 anos e 2 meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, no âmbito da Operação Lava Jato. Ele já está preso em Curitiba desde o ano passado.

A princípio, segundo a determinação de Moro, a pena deve ser cumprida em regime fechado, e a progressão para o regime aberto vai depender da devolução do dinheiro dos crimes cometidos.

O processo apurava se Palocci recebeu propina para atuar em favor da Odebrecht, interferindo em decisões tomadas pelo governo quando era chefe da Casa Civil e membro do conselho de administração da Petrobras.

Segundo a denúncia, Palocci operava a favor da Odebrecht nos contratos da empresa com a Petrobras, especificamente para a construção de sondas.

Em uma primeira licitação para a construção de sete sondas, o Estaleiro Atlântico Sul teria apresentado a melhor proposta. A Odebrecht, então, teria oferecido propina para garantir a realização de um novo edital, para que a empresa pudesse ficar com o contrato.

Palocci teria, então, intercedido, usando sua posição na Casa Civil, e viabilizado a realização de um novo processo, desta vez beneficiando a Odebrecht.

Também eram réus no mesmo processo Renato Duque (quatro anos de prisão); Marcelo Odebrecht (doze anos de prisão); João Vaccari; o assessor especial de Palocci, Brasnilav Kontic; e outros nove réus.

 http://exame.abril.com.br/brasil/palocci-e-condenado-a-12-anos-por-corrupcao-e-lavagem-de-dinheiro/



Credores demoram 386 dias para aprovar plano de recuperação judicial em São Paulo


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Dos 194 pedidos de recuperação judicial distribuídos na capital paulista entre setembro de 2013 e junho de 2016, 60% foram aceitos no período, mas boa parte demorou mais de um ano para conseguir aprovação de credores. O prazo mediano (descontando as desproporções) foi de 386 dias, superando os 180 (stay period) que a Lei de Falências fixa para empresas em crise começarem os pagamentos. Enquanto esperavam a assembleia geral, 6% das companhias faliram.

É o que aponta a primeira fase do Observatório de Insolvência, projeto conduzido pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) e por professores da PUC-SP, com estudantes da instituição. O objetivo é produzir índices anualmente, auxiliando os meios jurídico e empresarial a avaliarem riscos, e estender a análise para processos do estado e para todo o país.

O estudo diz que cerca de 30% das empresas conseguiram prorrogar o chamado stay period, estendendo por mais tempo a suspensão de cobranças. Quase 80% tiveram o plano aprovado em assembleia geral e 8,47% por cramdown (por maioria de votos dos credores, seguindo requisitos da Lei de Falências). Ainda assim, 13% das empresas em recuperação fecharam as portas depois de conseguirem o sinal verde para agir.

Só uma teve o processo declarado concluído até junho de 2016. Esse número aparentemente baixo de sucesso num intervalo de quase três anos não surpreendeu os pesquisadores, já que a assembleia geral demora mais de um ano para votar as condições para melhorar o cenário no vermelho.


O longo tempo mostra que o prazo da lei é insuficiente, na avaliação do advogado Marcelo Guedes Nunes, presidente da ABJ e um dos coordenadores da pesquisa. Embora o estudo tenha como foco os números em si, e não a interpretação dos indicadores, ele afirma que o prazo de quase 400 dias pode ocorrer porque os processos são complexos e há dificuldades para os credores formarem maiorias.

Quando o plano passa pela assembleia, o prazo médio é de dez anos para encerrar o pagamento: 35,5% das empresas prometeram vender ou alugar ativos chamados de unidades produtivas isoladas (UPIs); 53,2% escolheram outros bens; e 29% anunciaram renúncia de direitos contra terceiros coobrigados — como uma alternativa não exclui a outra, a soma supera os 100%.

Para Nunes, a venda de ativos indica que as empresas são obrigadas a “amputar a própria carne”, diante da dificuldade de outros meios, como financiamentos.

Reprodução/Observatório de Insolvência
 
Fase prévia


De acordo com a pesquisa, a proporção de deferimentos de recuperações judiciais é 50% maior quando juízes determinam perícia antes de decidir se aceitam o pedido. O professor e advogado Fábio Ulhoa Coelho afirma que, antes do levantamento, imaginava-se o contrário: a nomeação de administradores judiciais antes do início controlaria com mais rigor as concessões.

Uma das explicações, segundo ele, é que os especialistas nomeados podem auxiliar as empresas a demonstrar seus argumentos à Justiça. Embora a prática seja adotada por juízes para verificar se as autoras têm condições mínimas de se recuperar no futuro, Ulhoa Coelho entende que cabe aos credores debater se existe ou não essa esperança.

O juiz e professor Marcelo Barbosa Sacramone, que atua na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da capital e também coordenou o estudo, aponta mais um argumento: como o administrador não recebe remuneração na fase de perícia prévia, tem interesse de ser nomeado caso o processo avance.

Ele avalia que esse tipo de medida deve ser excepcional, pois a lei atribui ao empresário reunir toda a documentação necessária e ao próprio juiz a obrigação de verificar se tudo foi atendido. “Como a lei não previu, não se poderia impor ao empresário o ônus de ter que arcar com uma perícia prévia não determinada por lei, o que poderia prolongar o período em que as ações e execuções contra o empresário não são suspensas”, afirma.

O grupo de pesquisa é coordenado ainda pelo professor Ivo Waisberg. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.

 http://www.conjur.com.br/2017-jun-24/aprovacao-recuperacao-judicial-sao-paulo-demora-386-dias



sexta-feira, 23 de junho de 2017

Vexame internacional – Por Bernardo Mello Franco


 
Área desmatada na Amazônia, no Pará


 A viagem de Michel Temer à Europa produziu um vexame internacional. Enquanto o presidente passeava em Oslo, o governo da Noruega anunciou que cortará pela metade a ajuda ao Fundo Amazônia. O motivo é o fracasso do Brasil no combate ao desmatamento.

A devastação da floresta avançou 29% na última medição anual, divulgada em novembro. O país perdeu 7.989 quilômetros quadrados de mata tropical, o equivalente a sete vezes a área da cidade do Rio de Janeiro. Foi o pior resultado em oito anos.
 
A Noruega é a maior patrocinadora do Fundo Amazônia. Já doou R$ 2,8 bilhões para o Brasil proteger as árvores e reduzir a emissão de carbono. Isso equivale a 97% dos recursos do fundo, que também recebeu aportes da Alemanha e da Petrobras.
 
Às vésperas da chegada de Temer, os noruegueses repreenderam o governo brasileiro pelo desmantelamento da política ambiental. O ministro Vidar Helgesen criticou a aprovação de medidas provisórias que reduzem unidades de conservação.
 
A pressão internacional convenceu o presidente a vetar as MPs. No entanto, o governo prometeu aos ruralistas que vai enviar ao Congresso um projeto de lei com o mesmo teor.
 
Após o anúncio desta quinta, o Fundo Amazônia deve perder ao menos R$ 166 milhões em doações. "É uma decisão humilhante para os brasileiros. O país pediu dinheiro para reduzir o desmatamento, mas o que está acontecendo é o contrário", me disse Jaime Gesisky, da WWF.
 
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, avalia que o retrocesso ainda pode se agravar. "A aliança de Temer com a bancada ruralista está saindo muito caro. O meio ambiente virou moeda de troca na negociação para barrar o impeachment", afirmou.
 
Em Oslo, onde desfilou com uma reluzente gravata verde, o ministro Sarney Filho foi questionado se o Brasil vai reduzir o desmatamento. Sua resposta foi outro vexame: "Só Deus pode garantir isso" 

(Folha de S.Paulo, 23/6/17)

Cabify se une à Easy contra 99 e Uber


Embora as startups divulguem que o acordo se trata de uma fusão, fontes confirmam a EXAME Hoje que a operação se tratou de uma aquisição

 




A tão esperada consolidação no mercado de aplicativos de transporte no Brasil finalmente começou. 

A startup espanhola Cabify e a brasileira Easy uniram as operações em uma negociação que se arrastou por mais de um ano — começou em abril de 2016 — e havia sido adiantada por EXAME 
Hoje em janeiro. Embora as startups estejam tratando a negociação como uma fusão entre os aplicativos, fontes próximas ao acordo afirmaram a EXAME Hoje que, na prática, a Cabify comprou a operação da Easy.

Ainda de acordo com essas fontes, o acordo foi benéfico aos acionistas da Easy, levando em conta o cenário de competição acirrada no setor e a descapitalização da companhia, que estava com dificuldades em competir no cenário de concorrência acirrada no Brasil. Não há confirmação, no entanto, sobre o valor total da transação, nem se ela se deu por meio de ações da companhia ou envolveu dinheiro.

Criada em 2012 e presente em 170 cidades de 12 países, a Easy levantou mais de 77 milhões de dólares desde então e tinha como principal acionista o fundo alemão Rocket Internet. Já a Cabify recebeu cerca de 250 milhões de dólares em investimento desde 2011, principalmente da empresa japonesa Rakuten, e está com uma rodada de investimentos em aberto na tentativa de captar mais 200 milhões de dólares.

“A operação era tão necessária para a Easy quanto para a Cabify, que está com dificuldades em levantar capital e precisa justificar o valor de mercado que diz ter”, diz um especialista no setor ouvido por EXAME Hoje. Segundo ele, o valor de mercado dos aplicativos de transporte é um múltiplo do ciclo financeiro gerado pelas corridas da plataforma. “A Cabify tem um múltiplo extremamente inflacionado e não consegue atrair investidores. Adicionar a Easy ao negócio é uma forma de tentar aproximar o valor de mercado estipulado do total das corridas feitas pelo app”, diz.

Ainda de acordo com o especialista, isso explica o fato de a Cabify anunciar que está com uma rodada de investimentos em aberto. “Ninguém faz isso no setor. As empresas captam e anunciam depois. A Cabify disse que estava investindo 200 milhões de dólares no Brasil, um mês depois anunciou que captou só 100 milhões e continua em busca de 200, para fechar a rodada de 300”, diz.

Segundo as empresas, os aplicativos operarão sob o comando do atual presidente e fundador da Cabify, Juan de Antonio, mas manterão as marcas e equipes próprias.

Procurada, a Easy negou que a operação tenha sido uma compra e os rumores de que os aplicativos se transformarão em breve em um só. “No futuro, a união de marcas pode acontecer, mas não vai ser no curto prazo. As duas marcas funcionam bem estando separadas e temos capital para manter isso”, diz Jorge Pilo, co-presidente da Easy. “A indústria de transporte por aplicativos está mudando e vai ser fundamental no futuro. Essa união nos coloca em uma boa posição para competir”. A Cabify se negou a comentar o assunto com EXAME Hoje. Os fluxos da internacionalização: O Mundo Corporativo te mostra que conexão é a palavra-chave da nova globalização 

Nem bem foi anunciada, a união de forças já começou a encontrar resistências por parte de taxistas, principalmente na Colombia, um dos principais mercados da Easy e onde, historicamente, o transporte feito por carros particulares sofre resistência devido à pressão das associações de taxistas. Uma nova legislação pode complicar ainda mais a situação no país.

O acordo veio em boa hora para a Easy. Recentemente, todas as concorrentes anunciaram grandes investimentos no Brasil. A Uber deve colocar 200 milhões de reais no mercado nacional, enquanto a 99 recebeu uma rodada de 200 milhões de dólares, dividida entre janeiro e abril, para investir na sua expansão pela América Latina, mas principalmente no crescimento das corridas por meio de carros particulares por aqui.

A Cabify anunciou em abril que estava se preparando para investir 200 milhões de dólares só no mercado brasileiro, que, em menos de um ano, se tornou o maior para a empresa que opera em 12 países. Nesse cenário, a Easy vinha enfrentando dificuldades para competir com as concorrentes.

Embora os negócios da startup continuassem atrativos aos investidores, principalmente pela força que demonstra em mercados importantes, como Peru e Colômbia (onde também é dona da Tapsy), muitos fundos se negavam a entrar em um mercado onde o capital é tão intensivo e com concorrência tão difícil. Pesavam como pontos negativos para a Easy o fato de apenas um dos fundadores ainda estar na operação, o que não é bem visto por novos investidores em startups, e também a dificuldade e agressividade que historicamente o fundo alemão Rocket Internet coloca em suas negociações.

O fortalecimento das concorrentes acontece em um cenário de grande competição. O Uber, que chegou a ter por volta de 65% do mercado de corridas por aplicativo brasileiro no final do ano passado, passa por uma crise internacional que culminou na renúncia do presidente da empresa, Travis Kalanick. Além de Travis, em menos de seis meses a empresa perdeu seis de seus principais executivos, incluindo seu presidente de operações, Jeff Jones, a chefe de comunicação, Rachel Whetsone, e diversos vice-presidentes.

No Brasil, as críticas aos serviços do aplicativo também cresceram exponencialmente e abriram espaço para os concorrentes, que vem tomando mercado. Executivos do setor e especialistas em tecnologia ouvidos por EXAME Hoje concordam que o mercado é grande, mas a tendência é que continue se consolidando. Assim, a união de forças entre Easy e Cabify deve acirrar ainda mais a competição, que está longe de acabar.

Tratados internacionais serviriam para impulsionar o comércio brasileiro



O comércio é tônica permanente desde a Antiguidade. Realizavam-no então, entre si, as circunscrições geográficas de poder e continuam os Estados modernos a fazer o mesmo, para equilibrar e buscar superávit em sua balança de pagamentos. Ao inaugurar o Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves, em 1808, Dom João VI abriu os portos brasileiros ao comércio internacional, abertura essa que se manteve quando da instauração do império brasileiro, em 1822.

Muitos são os prismas pelos quais pode, historicamente e na atualidade, ser estudado o comércio do Brasil. Entretanto, não se tem notícia de um exame sob a ótica dos tratados internacionais de comércio, que o Brasil tenha concluído, até a defesa da dissertação de mestrado denominada Brasil e as Normas dos Acordos Internacionais em Matéria Comercial, orientada pelo professor doutor Masato Ninomiya e defendida, há pouco, na Faculdade de Direito da USP, por Marcel Rodas Cezaretti[1].

Por ser trabalho científico, a primeira parte do trabalho é dedicada a sumariar os substratos teóricos que fundamentam a elaboração da pesquisa a ser feita: tratados internacionais; organizações internacionais, (Gatt/OMC, UNCTAD, Aladi e Mercosul); Direito do Comércio Internacional (acordos de comércio e contratos internacionais); e ministérios, comissões (Camex e Apex) e instituições brasileiras (CNI) relacionados ao comércio internacional.

A segunda parte da dissertação, dedicada ao fulcro do trabalho, reuniu cerca de 430 tratados de cunho comercial, concluídos pelo Brasil, desde 1822, com a finalidade de perquirir a função que eles cumpriram e vêm cumprindo no contexto do comércio internacional brasileiro. Cada um dos referidos tratados foram objeto de uma ficha, cujo preenchimento permitiu visão radiográfica de seus principais aspectos. O conjunto dos tratados foram divididos em cinco blocos: bilaterais; relativos à OMC; relacionados à Aladi; concernentes ao Mercosul; e principais tratados vigentes e em negociação. A conclusão de cada um desses blocos contém considerações técnico-jurídicas e político-econômicas. A formulação destas últimas encontraram subsídios, também, nas entrevistas feitas com autoridades da área.

As conclusões quanto aos tratados bilaterais, mostraram: (i) a grande utilização de acordos em forma simplificada, pois os tratados comerciais definidores das grandes regras são pactuados, geralmente, sob a forma solene; sendo suscetíveis de efetivação, por meio dos referidos acordos; (ii) no século XIX, os tratados eram majoritariamente em forma solene; (iii) no século XX, a minoria era em forma solene; certo número relegava à escolha das partes considerá-lo solene ou em forma simplificada; enquanto que grande maioria era em forma simplificada; (iv) no século XXI, vem sendo mantida a mesma tendência do século anterior. Relativamente à natureza das partes, no século XIX, todos os tratados foram concluídos entre Brasil e um Estado (nessa época ainda não havia organizações internacionais intergovernamentais); no século XX, 301 tratados foram concluídos entre Brasil e um Estado e 7 entre Brasil e organizações internacionais (esse número é pequeno, pois se trata apenas de tratados bilaterais); no século XXI, 32 entre Brasil e um Estado e 3 entre Brasil e organizações internacionais.

As partes - Estados e organizações - com as quais o Brasil concluiu tratados permitem medir a amplitude da diplomacia bilateral comercial brasileira[2]. No referente à finalidade, os tratados do século XIX consignam, mais genericamente a facilitação do comércio e a navegação; enquanto que nos sécs. XX e XXI, mais especificamente, estabelecem comissões mistas e cláusula da nação mais favorecida. Finalmente quanto ao status dos tratados, daqueles concluídos no século XIX, 6 encontram-se em tramitação, 3 são vigentes e 3 não vigentes; do século XX, 51 em tramitação, 114 vigentes e 145 não vigentes; enquanto que do século XXI, 3 em tramitação e 33 vigentes. Entre os tratados vigentes, contam-se tanto os que continuam operantes, quanto aqueles cujo cumprimento exaurem seu objetivo. Por seu turno, naqueles em tramitação, estão tanto os que aguardam formalidades para a sua entrada em vigor, quanto os que, no meio do caminho, foram abandonados pelas partes, atingidos pela “mortalidade infantil” dos tratados internacionais. São tidos como não vigentes, os que tiveram seus prazos expirados ou sofreram denúncia pelas partes.

Os tratados da OMC compõem-se de regras negociadas pelos respectivos Estados- Membros, denominados acordos, conhecido em seu conjunto como regras de comércio da OMC. São, geralmente, acordos guarda-chuva, receptáculos dos deveres e direitos dos partícipes da Organização, relativos ao comércio de bens, serviços propriedade intelectual, que liberalizam o comércio. Além dos acordos que acabam de ser descritos, há também na OMC, os acordos plurilaterais, versando determinado assunto e de que são partes somente os Estados-Membros que a eles aderirem. “O Gatt/OMC detém as rédeas formais das negociações que os Estados-membros fazem com o intuito de criar o marco multilateral do comércio mundial[3]”. Dessa maneira foram geradas as regras do Gatt/OMC, bem como persistem as negociações para sua atualização e implementação.

Vinte e oito tratados comerciais foram concluídos no contexto da Aladi, divididos entre acordos de alcance regional e de alcance parcial de complementação econômica. O Tratado de Montevidéu de 1980, instituidor da Aladi “estabeleceu como instrumento de ação, a realização de acordos de alcance regional e acordos de alcance parcial, com o intuito de, por meio deles, colocar em prática a multilateralização progressiva, que leva a convergência; bem como o tratamento diferenciado, segundo as característica econômico-estruturais dos Estados-Membros[4]”.

O referido Tratado de Montevidéu, tratado solene, além de constitutivo de organização internacional é também tratado guarda-chuva. Por essa razão, os tratados de alcance regional ou de alcance parcial, normalmente, são em forma simplificada, entrando em vigor pela assinatura. Tais acordos são sucintos e similares em sua redação. O que os diferenciam são as tabelas, que, por serem evolutivas, dão causa a grande número de anexos e protocolos adicionais. A ampla utilização, pelo Brasil, dos mecanismos criados pelo Tratado de Montevidéu de 1980 é comprovado pelo vultoso número de tratados que concluiu sob o patrocínio da Aladi. Um desses - o Acordo de Alcance Parcial 18 - validou o Mercosul, no plano das regras da OMC, possibilitando a criação do Mercosul.

Dos tratados firmados na esfera do Mercosul, 38 são de cunho comercial, podendo ser subdivididos em três espécies: (i) os que instituíram ou estruturaram o bloco econômico (exemplo: Tratado de Assunção de 1991); (ii) criaram legislação interna do bloco (Protocolo relativo ao Código Aduaneiro, de 1994); e (iii) acordos em matéria comercial com organizações internacionais e com Estados.

O Mercosul regula os assuntos importantes para o bloco por meio de tratado internacional e não por decisões de seus órgãos. No que respeita às tratativas do Mercosul com organizações internacionais, o Acordo Quadro Inter-regional de Cooperação entre o Mercado Comum do Sul e a Comunidade Europeia de 1995 - único com organização internacional de grande porte - não teve sequência prática, até o momento. Os muitos tratados concluídos entre Mercosul e Estados o foram com países em vias de desenvolvimento e de menor potencial comercial, excepcionados os com Cingapura, Israel e Coreia do Sul.

Os principais tratados recentes, em vigor e em aplicação são os Acordos de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFIs), concluídos com Angola, Chile, Colômbia etc. e alguns tratados na estrutura plurilateral da Aladi, com o Suriname e Bolívia. Dentre os tratados em negociação figuram: ACFIs com a África do Sul, Argélia, Marrocos etc.; Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e a União Europeia; e Acordo de Compras Governamentais com Chile e Colômbia. Além da baixa importância da maioria dos tratados em negociação, causa espécie o absentismo do Brasil em negociações do porte: Trans-Pacific Partnership (TPP) etc.

Ressaltem-se das conclusões gerais da dissertação os seguintes pontos. O Gatt/OMC, relevante na regulamentação liberalizante das trocas internacionais, na determinação das melhores práticas e na resolução dos conflitos, assiste a dissenção entre os Estados-Membros desenvolvidos, que preferem tratar de “novos temas” e os em desenvolvimento, que insistem no incremento da liberalização dos produtos agrícolas. Tal diferença de pontos de vista é responsável, em parte, pelo relativo insucesso da Rodada Doha; que, no entanto, tem apresentado pontos positivos, como a conclusão do Acordo de Facilitação de Comércio, prestes a entrar em vigor. O Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP), o Transpacific Partnership (TPP) e o Regional Compreensive Economic Partnership (RCEP), são, em última análise, esquemas alternativos fruto da letargia do esquema tradicional de negociação no seio da OMC. O Brasil, partícipe do GATT (1947) e da OMC (1994) é reconhecido por seu apoio e protagonismo nas negociações, bem como na consolidação do sistema de solução de controvérsias.

O Brasil, seguindo o esquema da Aladi, tem concluído inúmeros acordos, quer individual, quer conjuntamente com o Mercosul, estando em andamento com Estados sul-amerianos cronogramas de desgravação tarifária, com o intuito de se estabelecer área virtual de livre comércio, até 2019.

Para o Brasil, o Meercosul mais do que projeto de integração econômica representa projeto de desenvolvimento nacional, buscando estabilidade e prosperidade regionais. Reavaliação recente demonstrou a necessidade de se revitalizar a integração econômica e comercial, com abertura tanto no mercado interno, quanto no internacional. Vários são as razões para o relativo marasmo do MERCOSUL: o fato de as decisões do bloco serem tomadas por unanimidade, crises econômicas e políticas frequentes nos Estados-Membros; existência da Resolução GMC 32/2000, pela qual os membros do Mercosul somente podem participar, em bloco, de negociações com outros países etc.

A “participação do Brasil no comércio internacional tem-se mantido marginal diante do tamanho de sua economia, fato comprovado pelos números sofríveis de seu comércio internacional”[5]. Também, em razão de pressões de entidades privadas, recentemente vem-se pretendendo incentivar o comércio exterior brasileiro por vários modos: plano nacional de exportações (2015 e 2016), portal único de comércio exterior; estabelecimento do Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFIs); mudanças estruturais na Apex-Brasil e na Camex; diretrizes do Itamaraty, de 2017, majoritariamente dizendo respeito à política comercial; renovação do Mercosul, com eliminação das barreiras ainda altas dentro do bloco etc..

Apesar da pequena relevância, no conjunto, dos tratados concluídos pelo Brasil em matéria comercial, face ao “contexto atual, do perfil dos acordos já firmados (...) dos acordos em negociação (...) é possível identificar uma tendência de mudança no perfil do Brasil quanto à sua inserção no comércio internacional. Se por um lado, no cenário atual, o Brasil é signatário de uma rede de acordos concentrados na América Latina e com ênfase em acordos de natureza tarifária, é possível identificar uma estratégia do MRE e do MDIC, como resposta a pressões dos setores exportadores brasileiros, de estabelecer acordos com uma rede variada de países em termos geográficos, de perfil de desenvolvimento e de escopo (incluindo temas de investimentos, serviços, compras governamentais e propriedade intelectual)”[6].

Há espaço para que os tratados ajudem a impulsionar o comércio internacional brasileiro, falta potencializar a vontade política.
 
[1] Cezaretti, Marcel R.,“Brasil e as Normas dos Acordos Internacionais em Matéria Comercial”, São Paulo, s. c. p., 2017, 421 páginas.
[2] Op.cit. p. 274/275.
[3] Op. cit. p. 288.
[4] p. cit. p. 310.
[5] Op. cit. p. 352.
[6] Op. cit. p. 353.

 é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2017.


 http://www.conjur.com.br/2017-jun-22/olhar-economico-tratados-internacionais-poderiam-impulsionar-comercio-brasileiro

quinta-feira, 22 de junho de 2017

As regras da Convenção de Montreal e o necessário diálogo das fontes com o CDC






O Direito do Consumidor é uma conquista da sociedade contemporânea, tendo sido fundamental para promover a proteção do polo mais vulnerável nas relações de consumo, equilibrando tais relações jurídicas. A promulgação da Constituição de 1988 marca uma nova etapa do Direito Privado no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que a centralidade do sistema não estivesse mais no Código Civil e leis especiais, portanto, na proteção do patrimônio, mas na própria Carta Política, primando pela defesa da dignidade da pessoa humana — bem maior a ser resguardado pelo ordenamento e que constitui uma barreira intransponível no que concerne a atuação dos indivíduos e do próprio Estado em suas relações jurídicas, pois fundamento da República, nos termos do no artigo 1º, inciso III, da CF/88.

Com a Constitucionalização do Direito Privado, as relações jurídicas, sejam elas públicas ou privadas, passam a se pautar pelos princípios constitucionais, os quais, também incluem “alguns institutos essenciais do direito privado”[1]. Não se trata da mera interferência estatal na criação de leis que abordem assuntos de Direito Privado, mas da leitura constitucional dos seus institutos e da inclusão constitucional de temas na tradicionalmente abordados na esfera privada[2]. E dentre essas regras está a defesa do consumidor, insculpida no artigo 5º, inciso XXXII da CF/88 e, logo, alçada à categoria de norma fundamental, dever de proteção do Estado, em especial do Estado-juiz.

Nesse sentido, chama a atenção que o Supremo Tribunal Federal tenha interpretado o artigo 178 da CF/1988 sem conexão com o mandamento constitucional do artigo 5,XXXII da CF/1988 e sem sintonia com a ordem constitucional econômica esculpida no artigo 170 e seu inciso V impondo a defesa do consumidor.

Sem dúvida, trata-se de mal-entendido, que embargos de declaração vão esclarecer e superar. Mas é necessário, desde logo, afirmar três pontos para evitar uma leitura inconstitucional da Convenção de Montreal (Convenção de Montreal para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, promulgada pelo Decreto 5.910/06): a Convenção de Montreal não trata de danos morais (só proíbe as perdas e danos punitivos), não trata da responsabilidade por overbooking/práticas comerciais/cláusulas abusivas e por recusa de embarque! E a Convenção de Montreal, ao contrário do que uma leitura apressada do decisum do STF pode afirmar, é regra imperativa de proteção dos passageiros que permite apenas derrogação im favorem dos direitos dos passageiros-consumidores[3]. Assim, por exemplo, em caso de demora ou atraso de voo, o consumidor europeu pode escolher entre a indenização "taxada" e automática do Regulamento 261/2004/CE ou da Convenção de Montreal, que procura fixar o verdadeiro dano em caso de atraso, possuindo apenas máximos[4].

Como se vê, a Convenção de Montreal, ao proibir apenas as perdas e danos punitivas, e não os danos morais (artigo 29), e como ensina a doutrina internacionalista, deixa ao juiz abertos os critérios para a responsabilidade por danos morais[5], exigindo o diálogo das fontes para a proteção dos consumidores. Em outras palavras, ao contrário do que parece emergir do resumo da decisão do STF, a Convenção de Montreal permite o diálogo com outras fontes de proteção do consumidor e, obviamente, de proteção da pessoa humana em caso de violação de direitos fundamentais (ou seria uma interpretação inconstitucional da convenção, inferior à Constituição Federal de 1988, por exemplo em caso de passageiros com deficiência ou no que se refere à proteção dos dados sensíveis dos passageiros).

Note-se que a Convenção de Montreal não deve ser considerada totalmente negativa para os consumidores. Seu preâmbulo — que deve ser fonte para sua interpretação em todos os países e inclusive no Brasil — é claro e determina inclusive que uma de suas premissas é a proteção dos consumidores[6]. E enquanto, em caso de morte, a Convenção de Varsóvia (Convenção de Varsóvia para a Unificação de Certas Regras relativas ao Transporte Aéreo Internacional, promulgada pelo Decreto 20.704/31) — esta já considerada inconstitucional por sua taxação pífia da vida humana, na Itália — valorava o fato em 7 mil euros, a Convenção de Montreal vai até 120 mil euros de indenização, conforme as circunstâncias, isso, porém, com o mesmo sistema de presunção de culpa e não garantindo a reparação integral[7]. Sua aplicação no caso de perdas de bagagens é uniforme, mas não se aplica para pacotes de viagens. Também o estabelecimento do foro é ainda pelo CDC e CPC, logo, o consumidor pode acionar em seu domicílio. Aqui um diálogo forçado entre essas fontes, que permitirá inclusive as benesses da inversão do ônus da prova, se a presunção de culpa da convenção não puder ser usada.

Como ensina a doutrina internacionalista, a convenção permite também a cumulação de ações, assim é possível pedir a indenização máxima da convenção de Montreal frente à empresa e acionar na mesma ação o administrador do aeroporto, em caso de perdas da malas, permitindo uma discussão mais apurada. E, nesse caso, a segunda parte da ação será totalmente regulada pelo CDC, sem limites máximos de indenização. Da mesma forma, a convenção não regula as ações coletivas, pois podem ser danos de massa, nestes surgem sempre discussões sobre os defeitos dos produtos, turbinas, navegadores etc. Nesse caso, da cumulação de ações, também a responsabilidade por defeito dos produtos usados no transporte serão totalmente regulados pelo CDC, inclusive para a proteção de todas as vítimas (artigo 17 do CDC).

Mas se o diálogo das fontes entre o CDC e a Convenção de Montreal é possível no Brasil e no mundo, mister considerar, por fim, se a decisão que afasta o CDC ao interpretar o artigo 178 da Constituição não está baseada em uma visão isolada do artigo 178, que obviamente — e a Adin 2.591 estabeleceu — submete-se ao artigo 170, caput e inciso V da Constituição como princípio da ordem econômica e ao mandamento do artigo 5, XXXII da CF/1988 de proteção do consumidor. Isto é, se não haveria — no mínimo exagero — ao afirmar que se afasta o CDC para toda a qualquer tema de responsabilidade civil do transporte de passageiros forte no artigo 178?

O artigo 178 da CF, após a EC 7/95, afirma que a "lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo...., devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União". A redação é muito mais branda do que a anterior, que determinava em um parágrafo primeiro cumprir os acordos internacionais (parágrafo 1º. A ordenação do transporte internacional cumprirá os acordos firmados pela União...), não havendo motivo, agora que devemos só "observar" esses acordos — que, diga-se de passagem, são comerciais (tratado-lei) e não devem ou podem afetar direitos humanos e leis protetivas, "desobservar" leis especiais nacionais como o CDC.

A inserção da defesa do consumidor na lista de direitos fundamentais impõe ao Estado o dever de resguardar o consumidor dos abusos que este poderia sofrer nas relações faticamente estabelecidas no mercado em função da sua vulnerabilidade, inclusive como passageiro de um avião, daí porque no mínimo os danos morais sofridos terão de ser indenizados com base no princípio da reparação integral do CDC. Enquanto direito fundamental, o direito do consumidor possui eficácia horizontal e vertical[8], inclusive no que tange a interpretação de tratados que afetam a proteção dos consumidores.

Ademais, o direito do consumidor é igualmente um princípio da ordem econômica, cujo objetivo é estabelecer um modelo econômico que pugne por uma liberdade de mercado com certa intervenção estatal[9], a fim de guiar a sociedade à consecução da justiça social (artigo 3º da CF/88). Afinal, esse é um preceito fundante da ordem econômica, a qual é exteriorizada por uma série de princípios previstos no artigo 170 da Constituição, os quais são entendidos enquanto comandos norteadores da conduta dos agentes econômicos e insculpem-se nas políticas econômicas implementadas pelo Estado, de modo a não ver o texto constitucional esvaziado[10].

Dentre esses princípios está a "defesa do consumidor", especificamente no artigo 170, inciso V, cabendo ao Estado realizar atos ou editar medidas que não só restrinjam, condicionem ou suprimam a iniciativa privada, como também promovam condutas específicas, a fim de garanti-lo[11]. Nesse escopo, pode-se dizer que todas as regras inseridas dentro do capítulo da ordem econômica devem se guiar por esse princípio, afinal, o consumidor é o elo entre o mercado e a economia, sem o qual a atividade econômica não se desenvolve[12].

Se em um primeiro momento se pode concluir da leitura da ementa que o STF fez uma leitura restritiva da própria Carta de 1988, em detrimento da proteção do consumidor, com base apenas no artigo 178 da Constituição Federal. Mister lembrar que se a Constituição Federal é uma unidade de valores, assim dever-se-ia realizar uma leitura harmoniosa e dialogada entre as diversas prescrições constitucionais[13], especialmente no que diz respeito às cláusulas pétreas — como o artigo 5, inciso XXXII —, as quais, importa lembrar, estão protegidas da atuação e deliberação do poder constituinte derivado (artigo 60, parágrafo 4º) por terem o condão de “assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança de identidade”[14].

Por conseguinte, se uma simples modificação não é plausível ao legislador, não seria ela “alterável” pelo Poder Judiciário, especialmente quando da realização de uma leitura restrita a um único dispositivo do texto constitucional ou por qualquer outro ente do poder público — e nem mesmo nas relações jurídicas entre particulares, haja vista que os direitos fundamentais no Direito brasileiro produzirem eficácia imediata e irrestrita[15].

Ademais, mesmo se a leitura do texto político se restringisse ao capítulo da ordem econômica, a regra contida no artigo 178 tampouco prevaleceria, haja vista confrontar-se diretamente com um princípio norteador da atividade econômica. Imperioso lembrar que, muito embora regras e princípios sejam espécies de normas, os princípios são “mandamentos de otimização”, os quais devem ser cumpridos de acordo com “as possibilidades jurídicas e fáticas” de cada situação, servindo como um norte para a aplicação das regras e orientando a sua aplicação[16].

Por força disso, não parece admissível que a interpretação mais benéfica ao consumidor seja ignorada, até mesmo porque esses tratados estariam hierarquicamente abaixo da Constituição Federal, haja vista que, quando internalizados, por tratarem de regras de Direito internacional geral, eles seriam consideradas equiparáveis a leis ordinárias no ordenamento interno, seguindo o posicionamento do próprio Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário 80.004/SE de 1977. E mesmo os tratados de direitos humanos, que não é o caso da Convenção de Montreal, são apenas supralegais, nunca superiores à Constituição. Assim, apesar de a norma do artigo 178 da Constituição Federal determinar a observação dos tratados, estes devem e podem ser observados, seja por suas lacunas naturais, internas e as externas (como os danos morais, que dependem da lex fori[17]), em diálogo com o CDC e todo o sistema de proteção do consumidor, de clara origem também constitucional (artigo 48 dos ADCT), sob pena de estarmos aceitando um reducionismo do dever de proteção dos consumidores, parte integrante e valor fundamental da CF/1988. Temos certeza de que esse entendimento prevalecerá no Brasil.




[1] BARBOSA, Fernanda Nunes. Informação: direito e dever nas relações de consumo. São Paulo: RT, 2009, p. 85.
[2] SOUZA NETO, Cláudio P.; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 44.
[3] CACHARD, Olivier. Le transport international aérien des passagers. Haye: LPRecueils de Cours, 2015, p. 21.
[4] CACHARD, Olivier. Le transport international aérien des passagers. Haye: LPRecueils de Cours, 2015, p.111.
[5] CACHARD, Olivier. Le transport international aérien des passagers. Haye: LPRecueils de Cours, 2015, p. 107.
[6] CACHARD, Olivier. Le transport international aérien des passagers. Haye: LPRecueils de Cours, 2015, p. 60.
[7] CACHARD, Olivier. Le transport international aérien des passagers. Haye: LPRecueils de Cours, 2015, p. 176 et seq.
[8] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 31-33.
[9] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: ed. Malheiros, 2003, p. 763.
[10] SOUZA, Washington Peluso Albino de. A experiência brasileira na Constituição econômica. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 102, pp. 29-32, abr./jul., 1989, p. 29.
[11] MIRAGEM, Bruno Barbosa. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 45.
[12] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 95.
[13] Cf. MARQUES, Cláudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito: um tributo à Erik Jayme. In: MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das Fontes: do conflito à coordenação de normas do Direito brasileiro. São Paulo: RT, 2012; MARQUES, Claudia Lima. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil: do ‘diálogo das fontes’ no combate às clausulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 45, pp. 70-99, jan./mar. 2003.
[14] MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos, 1998, p. 92.
[15] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, passim.
[16] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90-91.
[17] CACHARD, Olivier. Le transport international aérien des passagers. Haye: LPRecueils de Cours, 2015, p. 105.

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