O investimento estrangeiro direto para o Brasil mira cada vez mais o
setor de serviços, especialmente empresas de eletricidade, transporte,
varejo e saneamento.
De janeiro a julho, os recursos externos
investidos no setor produtivo da economia brasileira, conhecidos como
investimentos em participação no capital, cresceram 36% em relação a
igual período do ano passado.
Foram US$ 31,6 bilhões recebidos no período, segundo dados do Banco Central.
Os serviços captaram 66% desse total, bem acima do atraído pela indústria (28%) e pelo agronegócio (6%).
Há
apenas dois anos, quando os ingressos estrangeiros no setor produtivo
estavam no mesmo nível, a indústria ficou com a maior parte desses
recursos (60%), e os serviços captaram apenas 30%.
A busca por
investimentos em países como o Brasil responde a um cenário de
abundância de recursos e retornos muito baixos, além de multinacionais
que lucraram muito nos últimos anos e estão com excesso de dinheiro em
caixa, diz André Castellini, sócio da Bain & Company.
A mudança
da indústria para os serviços, diz Castellini, se justifica porque há
uma percepção de que a economia está tocando o fundo do poço e que,
portanto, a recuperação da demanda está próxima.
Além disso, há um
movimento contínuo de estrangeiros que acreditam no potencial da
economia brasileira e se animam com os preços bastante convidativos dos
ativos após três anos de crise.
Viktor Andrade, sócio de transações
corporativas da EY, diz ainda que um volume grande de ativos foi
colocado à venda recentemente em razão de dificuldades financeiras e da
operação Lava Jato.
"São grandes empresas em dificuldades que
acabaram fechando negócio no primeiro semestre", ele afirma. "Ativos
que, de outra forma, não iriam a mercado".
Entre os exemplos,
destaca-se a compra da Odebrecht Ambiental, braço de saneamento do
grupo, pela canadense Brookfield, em abril deste ano. Em janeiro, a
chinesa State Grid comprou a empresa de energia CPFL.
Andrade prevê
que o movimento fusões e aquisições deve seguir com força nos próximos
trimestres. A EY está envolvida em quatro operações de venda de ativos
locais para investidores externos, incluindo uma empresa de serviços de
tecnologia da informação, mídia e entretenimento e uma indústria.
MERCADO CONSUMIDOR
Andrade
diz ainda que a J&F, empresa dos irmãos Batista que está se
desfazendo de ativos para fazer caixa, não finalizou o processo de
vendas, assim como a Petrobras, com um extenso programa de
desinvestimento, também deve atrair dinheiro do externo.
Entre outros
casos, o executivo da EY ressalta que algumas empreiteiras também
tentam avançar no processo de venda de ativos, assim como múltis
brasileiras ainda buscam levantar recursos para enfrentar a baixa
demanda da economia vendendo empresas que não fazem parte do seu negócio
principal.
Para além do cenário externo de alta liquidez e do
cenário interno mais problemático, os especialistas dizem que o Brasil,
seja ele a quinta, sétima ou nona economia mundial, continua a ter um
mercado consumidor amplo e bastante promissor.
"Varejistas, empresas
de bebidas, de alimentos e do setor automotivo têm que estar no país",
afirma Castellini, da Bain& Company. Para ele, se comparado com
países emergentes como China ou Índia, o Brasil é certamente o mercado
menos desafiador para um investidor que busca, acima de tudo, o lucro.
CHINESES
Chineses,
americanos, alemães e canadenses se destacam entre os investidores que
aproveitam o cenário único de dinheiro externo em abundância e empresas
locais dispostas a vender bons ativos para aportar no Brasil.
Estimativa
feita por Andrade aponta que um terço de todo o capital estrangeiro que
tem entrado no país para investimentos no setor produtivo é chinês.
"É um volume muito grande, sem dúvida, mas menos do que é alardeado", diz Andrade.
Segundo
ele, os chineses levam, em média, dois anos para fechar uma transação,
um prazo bastante superior a de outros investidores, diz.
Por país, o
ranking do Banco Central mostra que os EUA responderam por 27% das
transações ocorridas até julho, seguido por um grupo curioso que reúne
Países Baixos, Ilhas Virgens Britânicas e Luxemburgo.
Andrade diz que
esses países se encontram no topo da lista porque oferecem, legalmente,
benefícios fiscais para que empresas transitem por eles. São lugares de
passagem, mas acabam entrando no levantamento do BC como a origem dos
recursos.
A internacionalização de empresas brasileiras, diz Luis
Afonso Lima, da Mapfre Investimentos, é positiva porque recoloca no
cenário econômico alguns negócios de grupos nacionais que ameaçavam ser
descontinuados.
São empresas que têm que lidar com a Lava Jato, queda
da demanda interna e a alta de custos, diz ele. "A venda para grupos
estrangeiros também traz outros benefícios, como transferência de
habilidades gerenciais, tecnologia e inovação."
Para Lima, a
expectativa é que a tendência se fortaleça, em especial em razão do
amplo programa de concessões do governo, que colocou à venda ativos como
o sistema Eletrobras.
Andrade, da EY, diz que o país tinha tudo para
afastar o estrangeiro —recessão severa, impeachment e situação política
volátil— e isso não aconteceu. "Esse investidor acha que faz sentido
colocar dinheiro no Brasil porque, em algum momento, o retorno virá"
(Folha de S.Paulo)