Sigla radicalmente
antimigração, AfD já ultrapassou liberais e verdes na preferência do
eleitorado e agora aparece empatada na segunda posição nas pesquisas com
Partido Social-Democrata do chanceler federal Olaf Scholz.Inflação,
afluxo de imigrantes, disputas sobre custos de medidas climáticas e
especialmente uma crescente insatisfação com a atual coalizão de governo
têm turbinado a ultradireita alemã na preferência do eleitorado.
Uma pesquisa divulgada na noite de quinta-feira (01/06) mostrou que,
se a nova eleição parlamentar alemã ocorresse hoje, o partido de
ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) poderia contar com apoio
de 18% do eleitorado, aparecendo empatado na segunda posição com o
Partido Social-Democrata (SPD) do atual chanceler federal Olaf Scholz,
que também registrou 18%.
Apenas o bloco conservador da ex-chanceler Angela Merkel, formado
pela União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU), que
formam bancada única no Parlamento alemão, aparecem à frente da
ultradireita, registrando 29% das intenções na pesquisa divulgada pela
emissora ARD. Já o Partido Verde, que compõe a atual coalizão de governo
junto com o SPD, registraram 15%. O Partido Liberal Democrático (FDP),
terceiro membro da coalizão, obteve 7%. O partido A Esquerda (Die
Linke), apareceu com apenas 4%, abaixo da cláusula de barreira para
ocupar cadeiras no Bundestag (Parlamento alemão).
A última vez que a AfD havia registrado tal preferência entre o
eleitorado havia sido numa pesquisa em 2018, quando a aprovação do então
governo Merkel estava em queda em meio a disputas internas. No momento,
a situação de Scholz também é delicada. Segundo a pesquisa, apenas 20%
do eleitorado afirmou estar satisfeito ou muito satisfeito com a atual
coalizão tríplice de governo. Outros 79% afirmaram estarem menos
satisfeitos ou nada satisfeitos.
Diante desse quadro, a ultradireita voltou a ser beneficiada com o
desencanto do eleitorado com o governo da vez, crescendo dois pontos
percentuais em relação ao último levantamento de maio. Mas nos últimos
dois anos o crescimento foi maior entre o eleitorado. Nas últimas
eleições federais de 2021, a AfD havia ficado em quinto lugar, atrás dos
conservadores, social-democratas, verdes e liberais, com 10,3% dos
votos.
Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência
mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita,
especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições
radicalmente anti-imigração, membros que se destacam na imprensa por
falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de
abrigar neonazistas e já teve uma de suas alas colocada sob vigilância
policial por suspeita de extremismo.
A AfD é especialmente forte nos estados do leste, que compunham a
antiga Alemanha Oriental comunista. No último ano, políticos da sigla
que têm seus redutos nessa área adotaram posições pró-Rússia,
anti-sanções e contra ajuda militar ocidental à Ucrânia. O partido
também tem conexões com a extrema-direita mundial. Em 2021, uma de suas
deputadas, Beatrix von Storch, foi recebida pelo então presidente
brasileiro Jair Bolsonaro.
Termômetro
A próxima eleição federal alemã só está prevista para ocorrer em
2025, mas a atual pesquisa é encarada como um termômetro para
importantes disputas estaduais que devem ocorrer em 2023 e 2024.
Em dois estados ocidentais que terão eleições em 2023, Baviera e
Hesse, a AfD aparece estagnada nas pesquisas, com porcentagens similares
aos resultados eleitorais obtidos em 2018.
No entanto, em três estados orientais que terão pleitos em 2024 –
Brandemburgo, Saxônia e Turíngia –, a AfD registra um avanço entre o
eleitorado. Na Turíngia, o partido aparece desbancando A Esquerda –
sigla em parte formada por remanescentes do antigo partido comunista da
Alemanha Oriental – na preferência do eleitorado. Em um levantamento
divulgado em abril, a AfD registrou 28% da preferência local, contra 22%
do A Esquerda, que havia ficado à frente na última eleição, em 2019.
Na Saxônia, uma pesquisa divulgada no final de maio também mostrou a
AfD no topo, com 32%, à frente dos conservadores da CDU, que registraram
31%.
Já em Brandemburgo, o partido apareceu tecnicamente empatado com a
CDU num levantamento em abril, com 23%, e à frente do SPD, que registrou
22%. No pleito de 2019, o SPD havia ficado na primeira posição, com
26,2%.
Eventuais triunfos eleitorais da AfD nesses três estados orientais
podem levar a dificuldades de governabilidade, com outros partidos
tradicionais sendo obrigados a costurar coalizões complexas para tentar
barrar a influência da ultradireita nos parlamentos estaduais.
Na Turíngia, em 2020, o crescimento da AfD já havia provocado uma
crise política e a consequente formação de uma tríplice coalizão entre A
Esquerda, SPD e o Partido Verde, que mesmo assim não conseguiu maioria
no Parlamento local. Desde então, essa coalizão, majoritariamente de
esquerda, passou a depender de uma cooperação informal com os
conservadores da CDU para garantir governabilidade e assegurar o
isolamento da AfD. No entanto, a ultradireita alimenta a esperança de
que um novo crescimento possa eventualmente levar a CDU a cooperar com a
AfD.
Verdes sofrem desgaste, SPD em queda
Apontados como uma das sensações das eleições federais de 2021, os
verdes alemães parecem distantes do entusiasmo que provocaram há dois
anos ou das marcas acima dos 20% de preferência que registraram em
algumas pesquisas em 2022.
Atualmente com 15% das intenções, o Partido Verde se tornou um dos
principais alvos da insatisfação com a atual coalização de governo.
Outra pesquisa divulgada nesta sexta-feira pelo jornal Die Welt mostrou
que o co-líder da legenda, o atual ministro da Economia, Robert Habeck, é
considerado um dos políticos mais impopulares da coalizão pelo
eleitorado.
Habeck, que recentemente teve que lidar com o desgaste político após
um de seus principais assessores acabar demitido devido a um escândalo
de nepotismo, tem seu desempenho aprovado por apenas 23% do eleitorado.
Ele aparece distante dos 53% do ministro da Defesa, Boris Pistorius
(SPD), e até da verde Annalena Baerbock, que ocupa a pasta das Relações
Exteriores e que registrou 39% no levantamento.
O verde Habeck também sofreu recentemente uma forte reação negativa
de parte do eleitorado após promover um projeto para banir a instalação
de aquecedores domésticos a gás e óleo nas residências alemãs a partir
de 2025 e permitir apenas equipamentos que tenham mais de 65% de sua
energia produzida a partir de fontes renováveis. Essa agenda climática
cara os verdes, no entanto, foi mal recebida por 49% do eleitorado. Pelo
menos 67% manifestaram temor que a mudança cause impacto negativo em
suas finanças.
O SPD do chanceler Scholz também apresenta queda na nova pesquisa.
Além de aparecer empatado eleitoralmente com a AfD em 18%, o partido
perdeu terreno em relação aos resultados do pleito de 2021, quando
registrou 25,7% dos votos. Já o bloco conservador CDU/CSU, hoje na
oposição, recuperou terreno ao registrar 29% da preferência do
eleitorado – quase cinco pontos acima do seu resultado de 24,1% há dois
anos.
Insatisfação com governo turbina ultradireita
A nova pesquisa também mostra que a maior parte dos entrevistados que
manifestaram apoio à AfD não o fizeram necessariamente por concordância
com o programa da sigla. O levantamento mostra que 67% dos apoiadores
da AfD pretendem optar pela sigla principalmente por desapontamento ou
por se sentirem distantes de outros partidos. Apenas 32% dos apoiadores
afirmaram que querem votar na ultradireita por convicção.
Ainda assim, a pesquisa revelou que a maior parte dos apoiadores da
AfD são críticos à política migratória alemã, com o tema da entrada de
estrangeiros encabeçando a lista de preocupações dessa fatia. Pelo menos
65% colocaram a imigração como tema mais importante.
Na sequência aparecem Política Energética e Climática (47%), Economia (43%), política externa (25%) e inflação (23%).
A pesquisa também mostrou que entre o eleitorado geral, que inclui
apoiadores de todos os partidos, 67% se opõem a uma eventual entrega de
caças de guerra pela Alemanha à Ucrânia. Apenas 28% são favoráveis a um
plano nesse sentido. A oposição à proposta de envio de jatos é maioria
em todo o espectro político, embora mais equilibrada entre o eleitorado
verde. Já entre os apoiadores da AfD, a esmagadora maioria (90%) é
contra o envio de aviões para ajudar Kiev em sua guerra defensiva contra
a Rússia.