Roberto Padovani, economista-chefe do BV (Crédito: Divulgação/BV)
O Brasil vive um bom momento, porém as medidas do governo para aquecer a economia estão pressionando a inflação e os juros. Por conta das finanças pressionadas, o dólar deve ir muito abaixo de R$ 5,30 e o Banco Central deve subir os juros.
A avaliação é do economista-chefe do BV, Roberto Padovani, que em entrevista ao site IstoÉ Dinheiro, apontou os fatores que devem levar o Comitê de Política Monetária (Copom) a elevar a taxa básica de juros já a partir da próxima reunião, em 17 e 18 de setembro.
O BV estima que o BC irá elevar a Selic em 1 ponto percentual, para 11,5%, até janeiro de 2024. Também projeta um corte de juros nos EUA ainda neste semestre. Juntas, as duas medidas devem levar a inflação brasileira a um patamar mais próximo do centro da meta, de 3%. Em julho, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado de 12 meses encostou em 4,5%, o teto da meta.
Padovani considera, porém, o atual patamar de câmbio excessivo. Nesta quinta-feira, 21, o dólar fechou em alta de 1,96%, cotado a R$ 5,589. A visão do economista é de que acontecerá uma correção nos próximos meses, para um patamar ao redor de R$ 5,30.
Confira os principais trechos da entrevista
As máximas históricas atingidas pela bolsa brasileira são um sinal de que a economia brasileira vive um bom momento?
Eu acho que sim, mas não é a principal explicação. O bom desempenho que a gente tem visto no mercado nas últimas semanas tem muito a ver com uma redução da tensão financeira global, a leitura de que o banco central norte-americano vai começar a cortar taxa de juros, e a gente já vê esse corte na Europa.
A economia brasileira tem mostrado um crescimento mais forte, mais resiliente, em virtude de reformas que foram feitas, do setor exportador muito pujante, mercado de trabalho aquecido. Isso torna o país mais estável e reforça a atratividade aos capitais. Então acho que é uma explicação dupla, mas eu colocaria mais peso no elemento externo.
Caso o corte de juros nos EUA neste segundo semestre se concretize, qual será o impacto na economia brasileira?
O cenário global afeta a economia brasileira hoje por meio de dois canais. O primeiro é que existe uma desaceleração em curso na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos. Essa desaceleração faz com que os preços de matérias-primas tenham uma tendência de queda. Isso poderia em tese afetar a economia brasileira, porque somos exportadores de matérias-primas. Mas o Brasil tem se mostrado muito mais resistente ao choque no setor exportador. Então isso acaba afetando menos.
O segundo canal é um canal financeiro. Nesse cenário de menor demanda, menor pressão em custos e queda da inflação no mundo, os bancos centrais sentem-se à vontade para cortar juros.
Cortar juros favorece fluxos de capitais. O Brasil se torna mais atrativo. Isso equilibra a taxa de câmbio e, junto com preços das commodities em queda, reduz a pressão de custo nas empresas. Então o cenário global hoje favorece o Brasil na medida em que reduz a pressão de custos e, portanto, ajuda a gente ter uma inflação um pouco mais confortável.
Que fatores estão mantendo o câmbio no patamar em que ele está hoje?
São 25 anos que a gente opera com regime de câmbio flutuante no Brasil, então a gente conseguiu já aprender muita coisa. Ao colocar as informações no nosso modelo, o aprendizado é que o câmbio deveria estar oscilando ao redor de R$ 5,30.
Ano passado, a gente tinha uma visão muito parecida com a que a gente tem hoje. O câmbio operava em R$ 4,90. A gente tinha uma leitura naquele momento de que havia muito otimismo.
A partir do segundo trimestre de 2024, o mercado internacional mostrou mais instabilidade, mais turbulências. Isso foi um gatilho para correção desse otimismo. Só que os movimentos nos mercados financeiros nunca são lineares. Nos anos 1980, os economistas chamaram de overshoot: você corrige o câmbio, mas exagera nessa correção.
A gente está vendo uma correção do câmbio refletindo os fundamentos. Só que não é uma correção linear, tranquila. Ela é muito instável, mas faz parte do mundo financeiro. Então, a gente deve caminhar para uma maior estabilidade na casa de R$ 5,30 a partir de agora.
Em julho, o IPCA encostou na meta de 4,5% no acumulado de 12 meses. Podemos esperar novas altas da Selic este ano?
No mundo desinflacionário, a nossa inflação está num patamar elevado basicamente porque o governo vem estimulando muito a economia com gasto público. O gasto público afeta a economia por meio de dois canais: um é estímulo de demanda, mas tem um canal financeiro.
Como esse aumento de gasto público está acontecendo por meio de dívida, isso gera pressão nos mercados. Por isso o dólar, na nossa opinião, não tem como ir abaixo de R$ 5,30.
Quando você tem esse dólar que não recua também, você não traz alívio para o curso das empresas. Ele está recuando em relação aos R$ 5,70, aos exageros, mas a gente não acha que o canal cambial vai ser um fator importante para desinflamar a economia, porque você tem a situação fiscal.
Portanto, o que o BC vai tentar fazer é adequar esse ritmo de demanda, subindo o juros, encarecendo o crédito, tentando esfriar o consumo.
Neste cenário, dá para ter crescimento econômico com combate à inflação?
Eu acho que sim. Porque a função do BC é suavizar os ciclos. É uma questão teórica o que você falou. Será que o governo está estimulando excessivamente a economia? Como é que a gente consegue avaliar isso? A gente não sabe.
Aparentemente a economia brasileira vem mostrando bons sinais e crescimento, mas o que a gente ao final do dia faz é olhar o comportamento dos preços. É isso que vai dizer se a economia está muito aquecida ou não. E essa dificuldade de levar a inflação para a meta é um sinal de que está excessivamente aquecida.
O que o BC faz é regular ciclos de curto prazo. O que vai explicar crescimento para valer no Brasil não tem muito a ver com o BC. Tem a ver com as condições de produção da economia. Para que o país cresça mais ele tem que ter oferta de mão de obra qualificada, oferta de energia elétrica, infraestrutura.
O crescimento do Brasil depende de variáveis que não estão no controle do BC. Para te dar um exemplo muito prático, uma coisa que pode favorecer o crescimento no Brasil é a reforma tributária que está sendo negociada agora no Congresso.
Em que patamar você enxerga a Selic no final deste ano ou do próximo?
Como a gente não está trabalhando com um cenário de alta inflacionária, é muito mais uma discussão sobre convergência para o centro da meta. A gente imagina que vtenha um ciclo moderado. Um cálculo estatístico de referência é que talvez subindo um ponto percentual seja suficiente.
Como existe uma imprecisão no cálculo, uma regra de bolso dos bancos centrais do mundo é que, quando você não tem uma inflação clara, você se move lentamente.
A gente acha que um ritmo de 0,25 ponto porcentual é compatível com isso. Então o cenário que a gente montou no banco é de ciclo de um ponto percentual com quatro altas de 0,25 p.p., três altas das reuniões que restam nesse ano e uma última alta em janeiro de 2025, já com o novo presidente do BC.