São Paulo - No prédio de número 1145 da Market Street, quase ao lado da
prefeitura de São Francisco, na Califórnia, três dezenas de jovens de
várias partes do mundo dividem-se em várias tarefas: alguns trabalham em
seu computador, outros conversam por meio de webcam, pequenos grupos
tentam solucionar um problema e uma turma bate papo no refeitório.
O prédio poderia ser mais um dos que abrigam as
startups que povoam o
Vale do Silício.
Ali, porém, está instalada uma universidade criada em 2012 e que tem a
ambição de revolucionar mais de 350 anos de ensino superior nos Estados
Unidos.
A Universidade Minerva não tem um campus tradicional, composto de salas
de aulas, bibliotecas e laboratórios. A única estrutura física é o
prédio onde os estudantes moram. As aulas — nas áreas de ciências da
computação, ciências sociais, ciências naturais, artes e humanidades —
são todas por videoconferência.
Professores e estudantes, em grupos pequenos, conectam-se a uma
plataforma de vídeo parecida com um bate-papo online em que todos
interagem pela
internet
— mesmo estando separados pelas paredes dos dormitórios. O primeiro ano
do curso é feito em São Francisco. Nos três anos seguintes, a cada
semestre os alunos moram em um país diferente.
A primeira turma da Minerva, que ingressou no segundo semestre do ano
passado, irá para Berlim e, na sequência, Buenos Aires, Seul, Bangalore,
Londres e Istambul — a ideia era que São Paulo fosse a sede
latino-americana, mas os altos valores dos aluguéis fizeram a direção
desistir.
A proposta que mistura
aulas online
com intensa vivência internacional acabou chamando tanto a atenção que o
processo de seleção para a segunda turma, cujas aulas começam em
setembro, recebeu 11 000 inscrições para apenas 125 vagas. O índice de
aprovação de cerca de 1% torna a instituição uma das mais concorridas —
nas universidades americanas Harvard e Stanford são aprovados 6% dos
inscritos.
A inspiração para criar a Minerva veio da experiência acadêmica de seu
fundador, Ben Nelson, ex-presidente do serviço de impressão de fotos
Snapfish, com passagens pelas multinacionais Disney e HP. Quando
estudava em Wharton, a escola de negócios da Universidade da
Pensilvânia, Nelson se incomodava com as aulas para plateias formadas
por centenas de alunos. “As aulas-palestras são uma ótima forma de
ensinar, mas uma péssima maneira de aprender”, diz Nelson.
Decidido a investir num projeto de
educação
diferente, ele procurou em 2010 o neurocientista Stephen Kosslyn, um
dos maiores especialistas em psicologia cognitiva do mundo. Ex-diretor
do Centro de Ciências Sociais de Harvard e do Centro de Estudos
Comportamentais de Stanford, Kosslyn aceitou a tarefa de montar uma
universidade em um ambiente virtual e criar uma nova dinâmica de ensino.
O modelo de aula-palestra foi abandonado e, em seu lugar, entrou outro
chamado flipped classroom (em português, algo como “sala de aula
virada”). Criado nos anos 90 nos Estados Unidos, o flipped classroom
pressupõe que os estudantes falem mais do que o professor. Com duração
de 1 hora e meia, as aulas são gravadas e servem para que os professores
avaliem o desempenho de cada aluno.
As notas são dadas com base na qualidade das intervenções — a tática “o
importante é participar” não funciona. “Queremos formar as pessoas que
vão dirigir as principais instituições do mundo, não queremos formar o
próximo grande advogado tributarista”, diz Nelson.
Com pouco tempo de existência — a turma pioneira acabou de terminar o
primeiro ano do curso —, a Minerva é, por enquanto, apenas um
experimento ousado e ambicioso. Mas Nelson e Kosslyn não estão sós.
Entre os conselheiros da universidade está Larry Summers, ex-secretário
do Tesouro americano e ex-reitor da Universidade Harvard.
O fundo Benchmark, que investiu em empresas como eBay, Twitter e Uber
quando estavam em estágio inicial, também colocou dinheiro na Minerva.
Ao todo, a universidade levantou 95 milhões de dólares em três anos.
Seus investidores apostam que a plataforma é replicável e lucrativa.
Preço competitivo
Para os alunos, um dos principais atrativos da Minerva é o baixo custo.
Enquanto um ano acadêmico nas universidades Yale ou de Princeton varia
de 63 000 a 68 000 dólares, a anuidade da Minerva é de 28 000 dólares —
os gastos com moradia e alimentação estão incluídos nesse valor. O preço
baixo é decorrência da inexistência de um campus e da utilização de
material didático gratuito, como os cursos em vídeo distribuídos pela
internet por diversas fundações e universidades.
“Não existe motivo para os estudantes pagarem por algo que eles têm de
graça na internet ou em livros”, explica Alex Cobo, responsável pela
divulgação da Minerva na América Latina. Para a alegria dos alunos, há
indícios de que, mesmo com seu pouco tempo de vida, a nova instituição
já esteja sendo valorizada pelo mercado.
Guilherme Nazareth, único brasileiro a participar da primeira turma,
está atualmente fazendo estágio no Learn Capital, um dos principais
fundos que investem em startups de educação no mundo.
“Tenho amigos da faculdade que conseguiram estágios no serviço de
transporte Uber, na rede social Facebook e em outras empresas de
tecnologia do Vale do Silício”, diz o jovem gaúcho, que largou o curso
de economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul ainda no
primeiro semestre, decepcionado com a qualidade do ensino. Em setembro,
outros três brasileiros farão parte da segunda turma.
Com sua proposta arrojada, a Minerva acabou virando alvo de críticas nos
Estados Unidos. “Não acredito que devamos abrir mão do formato mais
tradicional de aulas, como faz a Minerva”, diz Lin Goodwin, vice-reitora
da Escola de Professores da Universidade Colúmbia, de Nova York.
A falta de um campus pode gerar economia, mas também é um ponto
polêmico. Diversos estudos indicam que uma infraestrutura física
adequada é importante para atingir bons resultados acadêmicos. Por fim, a
Minerva, com sua estrutura física enxuta e política de preços baixos,
pouco investe em pesquisa — área que consome muitos recursos nas
universidades de ponta.
Os fundadores da Minerva afirmam que há espaço para as instituições
tradicionais e também para experiências novas como a que propõem. A
inspiração é claramente o ambiente de inovação da região de São
Francisco, onde fica a universidade. Como muitas startups de
tecnologia, a Minerva está empenhada em criar um modelo disruptivo.
Se der certo, deve ganhar escala, garantir polpudos lucros a seus
investidores e, quem sabe, entrar para a história como a universidade
que revolucionou o modo como as pessoas aprendem. Caso dê errado, vai
apenas engordar a longa lista de experiências excêntricas das startups
do Vale do Silício.