Em audiência no Senado, ele
disse que as expectativas dos agentes para a inflação são muito
importantes e é preciso ter certeza de que elas estão ancoradas
(Crédito: REUTERS/Amanda Perobelli)
Por Bernardo Caram
BRASÍLIA (Reuters) – Em meio a críticas do governo à atuação do
Banco Central, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos
Neto, afirmou nesta terça-feira que a autarquia não é culpada pelas
mazelas do país e argumentou que o combate à inflação é o maior
instrumento social que existe.
Em audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do
Senado, ele defendeu o atual nível de juros no país e disse não saber
quando a Selic cairá, apesar de o enfrentamento à alta de preços estar
“no caminho certo”.
“O presidente tem direito de falar sobre juros, em nenhum momento
reclamei sobre isso, minha função é explicar de forma técnica como o
Banco Central enxerga isso, o BC não é culpado pelas mazelas que o país
passa, o BC é ator e está no mesmo barco que o governo sempre, tem que
trabalhar de forma harmônica com o governo”, disse.
Campos Neto afirmou que a autarquia faz trabalho técnico com quadro
altamente capacitado e busca cumprir sua tarefa com o menor custo
possível para a sociedade.
“A gente tem um trabalho grande para fazer de reversão de
expectativas para que a gente tenha condições de fazer o juro cair de
forma saudável”, disse.
Ao negar que o BC faça atuação política, Campos Neto afirmou que
“nunca na história deste país” a autarquia fez um movimento tão forte de
alta de juros como no período eleitoral de 2022. Se essa atuação não
tivesse sido feita, segundo ele, a inflação em 2023 teria ficado próxima
a 10%, não em 5,8%, o que exigiria níveis ainda mais altos de juros
hoje.
O convite para comparecimento de Campos Neto ao Senado para dar
explicações sobre o atual patamar da taxa básica de juros no país,
inalterado em 13,75% ao ano desde setembro, foi aprovado em março, em
meio a ataques do governo à condução da política monetária.
Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma
série de críticas ao BC, sob o argumento de que o elevado nível de juros
no país contrai excessivamente a atividade e pode resultar em uma crise
de crédito. Ele também questionou o sistema de metas para a inflação.
Na apresentação, o presidente do BC afirmou que a taxa real de juros
(diferença entre a Selic e o nível de inflação) no Brasil é alta, mas é
menor do que a observada no passado. Acrescentou ainda que se o BC não
tiver credibilidade, cortes na Selic podem gerar restrição de crédito e
alta no juro para períodos mais longos.
JURO COMPATÍVEL
O presidente do BC disse que o núcleo de inflação (que elimina
elementos voláteis) está rodando em 7,8% em 12 meses, patamar “bastante
alto”, apesar de ponderar que o Brasil tem hoje uma inflação mais baixa
do que a média de outros países.
“A gente está com juro que é compatível com esse tipo de problema,
entendemos que está funcionando e está caindo a inflação. Ter atuado
antes funcionou e a agente precisa esperar para ver os próximos números e
acontecimentos para ver qual é o curso de ação”, afirmou.
“Eu não tenho capacidade de dizer quando isso (queda de juros) vai
acontecer porque eu sou um voto de nove, mas eu acho que a gente tem
explicado que é um processo técnico que tem seu tempo e as coisas têm
caminhado no caminho certo”, acrescentou.
Campos Neto argumentou que o BC suaviza os efeitos da política
monetária na economia ao alongar seu horizonte de atuação para controlar
a inflação com o menor custo possível, mas ponderou que esse
alongamento precisa ser feito com credibilidade.
Em meio a discussões no governo sobre ampliação da atuação do BNDES e
mudanças na forma de remuneração dos financiamentos do banco de
fomento, Campos Neto disse que níveis elevados de crédito subsidiado
tendem a aumentar a taxa neutra de juros –aquela que não estimula nem
contrai a atividade.
O presidente do BC acrescentou que o nível de crédito direcionado,
linhas que são reguladas pelo governo, é alto no Brasil, o que diminui a
potência da política monetária e exige mais juros em momentos de alta
da inflação.
Campos Neto ressaltou, ainda, que as expectativas de inflação estão
piorando no país há 14 semanas. O mais recente boletim Focus do BC, que
capta projeções de mercado, aponta para inflação de 6,04% neste ano,
4,18% em 2024 e 4,00% em 2025.
A meta da inflação para 2023 é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto
para mais ou para menos. Para 2024 e 2025, o patamar estabelecido é de
3%, com a mesma margem. Em março, o IPCA registrou alta acumulada em 12
meses de 4,65%, mas analistas de mercado esperam que o índice volte a
acelerar até o fim do ano.
Campos Neto afirmou que o BC persegue a meta de inflação, que não é
definida pela autarquia. A meta é estabelecida pelo Conselho Monetário
Nacional, composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo
presidente do BC.
Na apresentação, Campos Neto disse que o arcabouço fiscal apresentado
pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai na direção certa e
remove risco de uma piora grande na trajetória da dívida pública.
“Não tem mágica no fiscal, infelizmente não tem bala de prata, se a
gente não tiver as contas em dia, não tiver uma perspectiva, a gente não
consegue melhorar”, afirmou.
Haddad tem argumentado que o esforço do governo para mostrar
responsabilidade fiscal oferece ao BC uma abertura para cortar os juros.