sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Entenda o plano do Brasil para se tornar a referência da economia verde no mundo


Fernando Haddad, ministro da Fazenda: "Já estamos discutindo uma nova industrialização do Brasil. Não precisamos nos resignar à condição de exportadores de energia limpa, que é o que o mundo gostaria que nós fizéssemos” (Crédito: Marcelo Camargo/Ag. Brasil )

Fernando Haddad, ministro da Fazenda: "Já estamos discutindo uma nova industrialização do Brasil. Não precisamos nos resignar à condição de exportadores de energia limpa, que é o que o mundo gostaria que nós fizéssemos” (Crédito: Marcelo Camargo/Ag. Brasil )

 

• Na conferência da ONU, comitiva brasileira mandou mensagem clara e em uníssino sobre produção e investimentos em economia verde
• Plano do governo Lula é se tornar polo de referência mundial em sustentabilidade, e parlamentares brasileiros presentes corroboraram essa ideia
• Em três dias, Lula teve 14 compromissos oficiais e houve um recorde de encontros comerciais que envolveram os cinco ministros brasileiros que o acompanhavam.

• Fernando Haddad e Marina Silva, em dobradinha constante, mostraram que economia e meio ambiente devem andar juntos daqui para frente
• Um plano ambicioso: não só captar a onda de investimentos em “dinheiro verde”, mas trabalhar para a transformação interna do país em um ambiente de produção sustentável em todas as áreas da economia    

No universo empresarial, quando uma marca perde valor, é comum que o acionista tente retornar às origens. A ideia é se reconectar com os pilares da própria história e encontrar uma maneira de unir seus valores à inovação que o mercado exige. Funciona no meio privado, e parece ser o caminho que o governo Lula, em especial na figura do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resolveu adotar. Para reencontrar as forças da marca Brasil destruída durante a gestão Bolsonaro, foi preciso olhar com atenção para nossas riquezas. Águas, florestas, ampla fauna e flora. Terras em abundância, sol e chuva na medida certa. Essas condições, que até o século passado não tinham tanto valor estratégico na economia global, se tornaram o ouro do século 21. Mas para transformar essa vantagem em investimentos bons para o País é preciso saber como e com quem negociar.

Na semana passada, o governo Lula foi em peso para os Estados Unidos mostrar como quer ser reconhecido pelo mundo: o protagonista da economia verde.

Além de Haddad, estava Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e referência no assunto. O paredão ainda envolvia os chefes de outros Poderes, governadores e especialistas em economia, finanças e sustentabilidade.

Tudo isso com o objetivo de fisgar uma fatia significativa dos US$ 9 trilhões previstos até 2030 para o mercado de energia limpa, produção sustentável de alimentos e indústrias de baixo carbono. “Buscamos uma mudança secular no modelo de desenvolvimento ambiental e que também melhore nossa posição na economia global”, disse Haddad.

Lula usa exposição na ONU para fincar os dois pés no topo da economia verde (Crédito:Luiz Gustavo Pacete e Natália Flach)

O momento não poderia ser mais oportuno. Com o Brasil na presidência do G20, o ministro da Fazenda entende que há um ambiente propício para o mundo olhar para esse novo Brasil. “Estamos prontos para recuperar nossa posição natural e histórica como líder na agenda de desenvolvimento sustentável e inclusiva.”

Segundo dados da Organização Mundial do Comércio (OMC), o mercado trilhardário que se abre para a economia verde deve ser muito bem aproveitado pelo Brasil, que pode abocanhar até 30% desse valor se apenas regular, incentivar e organizar o que já tem de diversidade.

Patrícia Ellen, cofundadora da Aya Earth Partners, empresa especializada em acelerar a economia regenerativa e de carbono zero, estava em Nova York durante o lançamento da agenda brasileira para o mundo e entendeu como uma virada de chave na imagem do País. “Eu fiquei positivamente surpresa com o nível de alinhamento de narrativa do Brasil para o mundo e não acho que temos outro governo tão pronto para capturar essa oportunidade que temos agora”, disse.

“É agora ou nunca, não só para o Brasil, mas para o mundo. Há uma necessidade no sentido de urgência.”

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva deu ao mundo o verniz da credibilidade e responsabilidade ambiental

Para atender às expectativas desse mercado global que procura uma guinada para produção mais verde, o plano do governo é deixar o mercado estruturado para receber recursos.

O lançamento de títulos soberanos verdes, feito por Haddad da Bolsa de Valores de Nova York, pode arrecadar R$ 10 bilhões para iniciativas que envolvam obras sustentáveis assim que forem emitidos pelo Banco Central. Segundo a Fazenda, a previsão é que o mercado estrangeiro já possa fazer este tipo de investimento no último trimestre de 2023.

Dinheiro verde

O BNDES e o Banco dos Brics (agora sob o comando da ex-presidente Dilma Rousseff) captarão recursos e financiarão projetos ligados a:
• energia limpa,
• descarbonização,
• reestruturação de florestas,
• pesquisa & desenvolvimento.

O banco de fomento brasileiro, presidido por Aloizio Mercadante, já captou US$ 500 milhões com o China Development Bank (CDB). O Banco do Brasil (BB) também colocou os dois pés nesse novo mercado e trabalha com a perspectiva de que sua Carteira de Crédito Sustentável bata R$ 500 bilhões até 2030.

A presidente do BB, Tarciana Medeiro, que também esteve em Nova York com a comitiva brasileira, disse que o plano é ser referência nesse segmento. “O BB quer ser reconhecido como protagonista mundial em práticas e negócios mais verdes no sistema financeiro”, afirmou.

A instituição fomenta captações em negócios sustentáveis, incluindo toda a cadeia de crédito de carbono zero, além de atuar em mercado de capitais, no agronegócio e na agricultura familiar. “Por isso, estamos em Nova York participando de reuniões com diversos investidores externos e organismos multilaterais para formar parcerias e captar recursos com finalidade de preservação ambiental, especialmente no que se refere à Amazônia.”

Com esse dinheiro voltado para a economia verde no radar, o plano de Haddad e Marina Silva é dar um passo além. “Já estamos discutindo uma nova industrialização do Brasil. Não precisamos nos resignar à condição de exportadores de energia limpa, que é o que o mundo gostaria que nós fizéssemos”, disse.

O plano do governo, explica, é usar boa parte dessa energia limpa dentro do Brasil e manufaturar produtos verdes. “Esse é o nosso objetivo, modernizar a economia brasileira nos valendo das nossas vantagens competitivas.”

Presidente da Fiesp, Josué Gomes questiona Arthur Lira e Rodrigo Pacheco sobre a pauta ambiental. Ambos políticos se disseram comprometidos (Crédito:Luiz Gustavo Pacete e Natália Flach)

Nesse ponto, o uso das empresas estatais como motor para uma onda de investimentos é muito bem-vinda. E a Petrobras será uma delas.

No dia 14 de setembro a petroleira formalizou um acordo com a TotalEnergies e a Casa dos Ventos. O objetivo dessa aliança é avaliar e incentivar oportunidades de negócios em energias renováveis no Brasil, com ênfase em energia eólica, energia solar e hidrogênio verde.

Segundo Jean Paul Prates, presidente da estatal, a ideia inicial é usar os parques eólicos offshore (marítimos) que ainda serão construídos no Brasil para a produção de hidrogênio verde. A construção deverá receber apoio e financiamento do New Development Bank (NDB), também conhecido como Banco dos Brics.

Segundo o diretor de Transição Energética e Sustentabilidade da Petrobras, Mauricio Tolmasquim, a empresa está comprometida em se tornar referência na mudança de paradigma de uma petroleira. “Há um potencial enorme que ainda podemos explorar usando bases e premissas mais sustentáveis.”

Banco do Brasil faz ação publicitária em um dos cartões-postais de Nova York em semana histórica para visibilidade do Brasil

Paredão legislativo

Mas para que tudo isso dê certo como sonha Haddad ainda há um obstáculo estratégico. Reside nas mãos dos deputados e senadores uma série de medidas legislativas para regular alguns pontos da nova economia.

Para o ministro da Fazenda, entre as urgências estão a discussão sobre crédito de carbono (hoje sob cuidados do Senado) e o Projeto de Lei (PL) do Combustível do Futuro que está na Câmara junto com a regulamentação para emissão de títulos verdes.

Haddad chegou a fazer um apelo público ao Legislativo, e Arthur Lira, que estava nos Estados Unidos, aproveitou seus lugares de fala para mostrar ao mundo que o Legislativo e o Executivo no Brasil estão falando a mesma língua. “Avançar com estes temas é prioridade no Parlamento”, disse ele em um evento organizado pela Fiesp em solo americano.

Outro tema citado por Lira foi o projeto de regulação da geração de energia em alto-mar. “Embora ainda exista espaço para o crescimento de geração eólica em terra, convém olhar para um horizonte ampliado, para investimentos de longo prazo no setor energético.”

Essa disposição toda, no entanto, não acompanha o comportamento do PP, seu partido, que votou em massa em textos que afastam o Brasil de uma agenda sustentável. O marco temporal e a flexibilização do agrotóxico são exemplos de pautas em que o PP votou a favor com, em média, 90% de seus representantes.

Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um grande avanço para atração de investimento foi desenhado na Casa que comanda. A inclusão de benefícios fiscais para empresas que investirem em transição energética e produção limpa.

A vantagem foi pleiteada pela própria Fiesp que, na figura de seu presidente, Josué Gomes, defende que uma neoindustrialização é bem-vinda, mas desde que seja possível marchar em direção à ela. Em um jantar de empresários e a comitiva brasileira, Gomes se mostrou animado com as expectativas do Brasil neste ramo, e chegou a dizer que o mundo caminha para o protagonismo do cone sul do mundo.

Construção de narrativa

A ida de representantes dos Três Poderes à Nova York não foi um acaso. Lula queria fazer de seu retorno à ONU um evento que mostrasse ao mundo que o Brasil está unido. E funcionou.

O discurso teve o habitual tom conciliador do presidente e passou a mensagem sobre como estão as coisas no Brasil. Nas terras de Tio Sam ele ficou no cerimonial. Encontrou Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, e depois Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia.

Foram 14 compromissos oficiais de Lula em três dias e um recorde de encontros comerciais que envolveram os cinco ministros brasileiros que o acompanhavam.

Marina Silva, que nos últimos meses bambeou no comando da Pasta após a retirada de seu guarda-chuva de secretarias de fiscalização do meio ambiente, foi a voz da credibilidade brasileira.

Se Haddad foi o fiador do capital, Marina era a garantia de sustentabilidade. De acordo com o chefe da Fazenda, os encontros marcaram o fim de um projeto de estudos que começou no governo de transição, e inicia agora fase de execução. “Vamos atrair capital privado, incluindo parcerias público-privadas (PPPs) e incentivar a qualificação de investimentos como net-zero [produtos que comprovadamente tenham emissões líquidas zero de carbono].”

Decisões similares já foram tomadas nos parlamentos dos Estados Unidos, no Reino Unido e no Japão. Todos unidos e entendendo que, parafrasendo Belchior, você pode não sentir ou não ver, mas uma nova mudança, em breve, vai acontecer. Que o Brasil seja um dos primeiros a rejuvenescer.

ENTREVISTA
Patricia Ellen, cofundadora da Aya Earth Partners e ex-secretária de desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo

O que o Brasil precisa fazer para ser protagonista na economia de baixo carbono?
É muito importante que a gente entenda que o Brasil não é só o detentor das maiores florestas, mas também um grande protagonista em energia verde no mundo. A gente vai ter que aumentar a produção de energia. A eólica em mais de 20 vezes nos próximos 20 anos. Então a resposta curta para essa pergunta é transformar o Brasil no maior polo de negócios verdes do mundo. E, aqui em Nova York, esse foi o tom.

Patricia Ellen: “O Brasil é o único país que pode ter soluções globais para o clima, a energia e os alimentos”

Estamos bem posicionados?
Hoje estamos muito bem na nossa matriz energética, também já somos reconhecidos mundialmente como celeiro de alimentos do mundo. Agora precisamos avançar na fabricação de produtos e serviços verdes no País. E, para isso, precisamos entrar no debate de acordos bilaterais. Cooperação internacional de produção, importação, exportação, principalmente a parte de trading.

Como presidente do G20, o que o Brasil pode fazer pela agenda da sustentabilidade?
Essa é a grande oportunidade ao Brasil, que vai ter a chance de se lançar com uma proposta de agenda global. O mundo tem três desafios: climático, energético e de segurança alimentar. O Brasil é o único país que pode ter soluções globais para os três problemas, então a posição de protagonismo é única, não só de articulação do debate na teoria, mas também na prática.

Como fazer parte da economia verde e não ficar apenas recebendo doações?
As coisas mudaram muito. Há um senso de urgência do mundo. A Assembleia Geral este ano está bem diferente. Há a percepção de que não é uma ajuda assistencialista climática que vai fazer diferença agora. Falamos de US$ 1,7 trilhão de investimentos na nova economia de baixo carbono. O Brasil precisa estar aberto para receber esse investimento. Estamos com a faca e o queijo na mão para entrar na mesa de negociação com esse olhar global e também fazendo a produção de valor agregado.

Como o mundo entende a dupla Haddad e Marina?
Eles estiveram juntos em muitos eventos e isso é simbólico. Eu participei de alguns encontros com investidores e com representantes de governos de outros países — e isso não passou despercebido. Essa união do meio ambiente com a economia deixou muito clara a mensagem que o Brasil quer passar para o mundo.

Como garantir incentivos para a transformação enérgica sem descuidar da responsabilidade fiscal?
É a parte mais simples, porque a gente tem capacidade rápida de dobrar nossa capacidade energética com o que nós temos nas hidrelétricas e energia solar e eólica. O governo pode apoiar muito com regulação, com o BNDES, com programas e políticas, mas também com esse estímulo para que investidores internacionais façam a produção e o consumo de energia no Brasil. Todas as empresas globais precisam reduzir a sua pegada de carbono e a gente pode acelerar esse processo com uma parte da produção.

Como você imagina que chegaremos à COP-30? O que precisa ser feito até lá?
Precisamos começar agora fazendo uma presença muito boa, como foi aqui na ONU e na COP-28. A COP-30 será a COP das entregas. E o Brasil pode dar esse exemplo para o mundo, liderando esses debates. O Brasil tem uma oportunidade única de criar o modelo aqui de reconvocar o mundo para uma agenda global.

 

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