Governo brasileiro volta a abrir mercados e faz esforço conjunto para abocanhar 2% do comércio global até 2026 com produtos de maior valor agregado, mas vai precisar driblar a burocracia e reverter o baixo investimento para ter êxito
Governo Lula tem meta de levar o País a um volume de negócios da ordem de US$ 614 bilhões (Crédito:freepik)
RESUMO
• Campeão das exportações brasileiras, o agronegócio pode melhorar seu desempenho se houver o estímulo certo
• A indústria, um dos setores mais sedentos por exportações, é dos mais defasados: pátio fabril é antiquado e custoso
• Nas saídas marítimas brasileiras imperam desafios burocráticos
• Produtos originados na floresta amazônica e da sua biodiversidade representam apenas 0,17% do total das exportações
• Praticamente todos os setores demandam financiamento, mas sem
políticas públicas para infraestrutura, desburocratização e
digitalização de processos o fomento não levará o país muito adiante
• Soluções já aparecem no horizonte: política de relações exteriores do governo tem aberto mercados antes fechados
A busca por novos mercados sempre determinou as nações vencedoras e as perdedoras na história desde que a sociedade civil se organizou. E o Brasil tenta se posicionar nesse jogo em um momento-chave da geopolítica global. Com a economia reagindo, e os países transformados após a pandemia, há novos mercados, novas demandas e oportunidades mundo afora. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer aproveitá-las. Desde o início do mandato, o petista já abriu frentes em 100 mercados em 49 países, firmou ou renovou 125 acordos comerciais e tem na lista outros 58 em fase de assinatura (ainda que a “cereja do bolo”, o acordo Mercosul-União Europeia, não tenha se concretizado). O mundo, aparentemente, está pronto para receber o Brasil. Mas será que a economia brasileira está preparada para essa jornada?
• Hoje, o País tem apenas 1,46% de todo comércio global (isso considerando um universo que movimentará US$ 30,7 trilhões em 2024).
• Em 2010, no melhor resultado da história, o Brasil abocanhou 1,6% do bolo, fruto de políticas públicas de incentivo, crédito barato e apoio empresarial.
• E o que aconteceu desde então? Escândalos políticos, crise econômica e fuga de investimentos.
Motivos não faltaram para os produtos brasileiros sumirem das prateleiras do mundo. O governo Lula quer reverter esse cenário. Em uma iniciativa multiministerial, quer que o País responda por 2% do comércio mundial, com negócios na ordem dos US$ 614 bilhões. “O Brasil já é o supermercado do mundo. E pode ser muito mais. Pode ser o shopping, a concessionária, o salão de beleza. Estamos prontos. E temos pressa”, disse o presidente. E os que querem carona na embarcação já estão de malas prontas.
Indústria
A indústria talvez seja o setor mais sedento por exportações — e também um dos mais defasados. Com raríssimas exceções (como a Embraer e algumas montadoras), o pátio fabril brasileiro é antigo, antiquado e custoso. É como tentar atravessar o Atlântico de caiaque. Essa analogia, inclusive, foi feita pelo vice-presidente da República e chefe do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin.
Ele tem sido o nome por trás da condução de uma política de fomento ao empresariado, que passa pela atualização do maquinário, oferta de crédito para expansão e consultoria para avançar na exportação.
O problema é que reaver décadas de atraso, enquanto o mundo desenvolvido trabalha com indústrias sob a ótica da tecnologia digital, seria um feito quase hercúleo — e por isso tão difícil de se concretizar de forma dissipada entre todas as cadeias industriais. O primeiro passo, diz Alckmin, foi dado. O governo estuda políticas de fomento ao empresariado com crédito para renovação de maquinário e investimentos em expansão.
Apesar das perspectivas positivas do vice-presidente, tal movimento resolveria apenas uma parte do problema. Os outros desafios envolvem excesso de burocracia para exportação e o Custo Brasil.
Segundo Marcelo Almeida Castro, consultor de exportação e ex-secretário de Negócios Internacionais do governo João Doria, em São Paulo, as fronteiras brasileiras são faraônicas. “Não há espaço no Brasil de hoje, com os portos atuais, de aumentar consideravelmente a exportação de bens duráveis, manufaturados e produtos de maior valor agregado”, diz.
Nas saídas marítimas brasileiras também se concentram os desafios burocráticos. “O Brasil ainda não segue as diretrizes internacionais, da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], de exigência de informações padronizadas nos produtos e isso torna a liberação ridiculamente morosa”, afirma. O resultado? Produtos perecíveis, prontos para o embarque, parados. Filas enormes e saia-justa com os compradores.
E esses problemas têm se acentuado à medida que a indústria brasileira exportadora tenta navegar pelo mundo. Os mais recentes dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre o tema avaliam o mercado em 2022.
Segundo o estudo Coeficientes de Abertura Comercial (CAC), a participação da indústria nas exportações brasileiras subiu de 18,6% em 2021 para 20,3% no ano seguinte.
Apesar de parecer um número promissor, quando são avaliados os destaques na exportação, o panorama não é tão simples. As exportações industriais dependem, basicamente, do agronegócio processado, do beneficiamento de metais e papel e celulose. São segmentos enormes, mas com impacto financeiro aquém do ideal quando se quer uma indústria de transformação com grande valor agregado para oferecer ao mundo.
Nesse sentido, uma solução apontada por Castro (e que, segundo ele, já tem sido negociada com o MDIC) é o desenvolvimento de uma estratégia industrial para exportação que se assemelhe à política das “campeãs nacionais” dos primeiros mandatos de Lula, mas com aportes menores e mais dissipados.
“Entre 2006 e 2012 a indústria da construção civil brasileira foi referência mundial. Nesse período também houve o desenvolvimento da empresa que hoje é a maior do mundo na venda de carnes [JBS]”, disse.
O risco, mais uma vez, é que parte desses recursos seja inócuo, como no segundo mandato de Lula. Além disso, há o nó político. Para um avanço substancial das exportações de alto valor agregado o Brasil precisaria deixar a condição institucional de emergente e entrar na OCDE, o que abriria novos mercados, mas tiraria alguns benefícios tributários que os países considerados emergentes têm na captação de financiamento pelo mundo.
Meio Ambiente
Aqui é onde a indústria de alto valor agregado se une à sustentabilidade e à economia verde. Talvez seja nessa intersecção que resida a chave para o maior potencial brasileiro nas exportações.
A bioeconomia, como gosta de definir a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é a construção de políticas públicas que tenham como alvo a rentabilidade, a sustentabilidade e a responsabilidade social. Com essas premissas, Marina tem rodado eventos pelo mundo acompanhada do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, tentando apresentar o novo cartão-postal brasileiro.
O objetivo, segundo a ministra, é desenvolver a bioeconomia para levar ao mundo soluções em áreas como beleza, saúde e química. “O mundo atual clama por soluções menos poluentes e o do futuro buscará produtos integralmente sustentáveis, e nisso o Brasil pode ser líder”, disse.
De acordo com ela, a planta amazônica usada para o desenvolvimento de um cosmético ou remédio, o caminho feito pelo insumo por meio de hidrovias (e não caminhões), o beneficiamento sem testes em animais, a produção de embalagens ecológicas e a exportação marítima são capazes tornar o Brasil referência nesse tipo de produto.
Hoje, a participação de produtos originados na floresta amazônica e da sua biodiversidade representa apenas 0,17% do total das exportações. No entanto, de acordo com Marina, com o estímulo à bioeconomia, é possível ampliar essa participação para 2%. A Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI) vai além e indica que, se desenvolvida, a bioeconomia pode gerar faturamento adicional para a indústria de US$ 284 bilhões por ano até 2050.
E como fazer isso? Segundo Sérgio Feijó, doutor em bioeconomia pela Universidade Harvard e membro do Comitê Mundial do Clima, órgão ligado à ONU, será preciso focar em três frentes:
• capacitação da mão de obra,
• recursos pesados em Pesquisa & Desenvolvimento,
• e crédito abundante para estimular a entrada no setor.
“Chegou a hora de pensar se o papel da Zona Franca de Manaus, como está hoje, é do melhor interesse para o Brasil”, disse. No entendimento do especialista, os benefícios fiscais para os empresários que hoje atuam lá seriam capazes de atrair empresas do mundo todo interessadas no desenvolvimento de produtos de origem amazônica. “A Zona Franca, como está hoje, pode ser replicada em qualquer estado brasileiro.”
Se o Brasil quer se destacar, diz ele, é preciso dar ao mundo uma estrutura industrial que nenhum lugar tem.
Agronegócio
Maior estrela das exportações brasileiras, o agronegócio também pode melhorar seu desempenho se houver o estímulo certo. Com 100 novos mercados em 49 países para explorar desde o início do terceiro mandato de Lula, o setor parece ter feito as pazes com a gestão petista, muito por influência de Carlos Fávaro, que comanda o Ministério da Agricultura (Mapa).
Segundo ele, a política de relações exteriores do governo Lula tem dado vazão a mercados antes fechados. Fávaro cita como exemplo a reabertura do mercado chinês para a venda de frangos de alguns frigoríficos que estava parada há mais de um ano. Antecipando o aumento da demanda, o ministro conta que sua pasta tem trabalhado para reduzir a morosidade no embarque.
Uma das soluções é a certificação eletrônica para proteínas animais. “Isso vai superar a burocracia e ganhar tempo nas exportações. Vamos poder avançar ainda mais no mercado externo.” Em um segundo momento, diz o ministro, a certificação digital também poderá ser usada para a exportação de grãos.
Ao resolver as questões burocráticas, Fávaro quer minimizar os impactos para o produtor, mas isso não resolve todo o problema, em especial as questões que envolvem o fomento dos itens de maior valor agregado.
Para Roberto Rodrigues, que esteve no lugar de Fávaro durante as duas primeiras gestões de Lula, o primeiro passo é abrir o mercado e desburocratizar. O segundo é negociar a venda do grão com algum tipo de beneficiamento. Ele cita como exemplo o açúcar e o suco de laranja, mercados em que o Brasil é o maior exportador do mundo. “O mesmo não acontece com o café. Vendemos a commodity [grão], mas pouco dele torrado ou moído.”
FINANCIAMENTO
O combo, então, deve envolver o governo guiando novas rotas e empresas capitalizadas. E isso significa investimento. Um dos caminhos encontrados pelo governo Lula, além do Plano Safra, foi colocar o BNDES nessa equação.
O banco de fomento, presidido por Aloizio Mercadante, dá ao empresário suporte para navegar em mares estrangeiros. “Desde a oferta de crédito com lastro dolarizado até a consultoria para entender como exportar”, diz. O BNDES, que também esteve por trás de empréstimos bilionários a juros baixíssimos durante a saga das “campeãs nacionais”, mudou o foco. “Vamos dissipar o investimento e impulsionar vários de uma vez ao invés de capitalizar demais alguns poucos grupos.”
A questão do financiamento, que surge como demanda de todos os setores, não é a única barreira que impede o Brasil de chegar lá. Para ser grande, é preciso se colocar como tal. Integrar as cadeias e se adequar às normas internacionais de produção. Ter infraestrutura eficiente, burocracia reduzida, digitalização de processos.
O dinheiro, óbvio, é bem-vindo, mas se torna insuficiente se as políticas públicas não acompanharem essa jornada pelos mares do mundo.
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