Um novo relatório da Organização Não Governamental (ONG) britânica Earthsight mostra ligações entre o algodão usado em roupas das redes Zara e H&M e terras com suspeita de grilagem e desmatamento no cerrado brasileiro. O insumo usado na produção dessas varejistas é certificado pela instituição de governança Better Cotton (BC), grupo de governança multissetorial que promove melhores padrões no cultivo de algodão em 22 países. A ONG considera ‘falhos’ os métodos de fiscalização dessa organização.
Integrantes da Earthsight passaram mais de um ano analisando imagens de satélite, decisões judiciais, registros de exportação e participaram de feiras comerciais globais, de maneira secreta, com o objetivo de rastrear quase um milhão de toneladas de algodão cultivado por alguns dos maiores produtores do Brasil. O insumo rastreado pela ONG foi destinado a fabricantes de roupas na Ásia que são fornecedores das duas maiores varejistas de moda do mundo.
A Earthsight rastreou desde 816 mil toneladas de algodão das fazendas investigadas até oito empresas asiáticas que produziram quase 250 milhões de peças de roupa e artigos para casa para as lojas globais da H&M da Zara e marcas irmãs: Bershka, Pull&Bear, entre outras.
A ONG pontua que todo o algodão rastreado pela Earthsight foi certificado como sustentável pela Better Cotton. A maioria dos produtos da H&M e Zara é feita com esse algodão certificado. E quase metade deste material vem do Brasil, segundo o relatório. No entanto, após as informações trazidas pela Earthsight, que ligam a origem desse insumo a suspeitas de grilagem de terras e desmatamento, uma investigação interna foi instaurada, disse a Better Cotton à ONG.
Em nota que data de 22 de setembro de 2023, a certificadora afirmou que, devido às questões estruturais em torno das reivindicações conflitantes de terras na região, reveladas pela investigação, são necessárias mais pesquisas para determinar se essas fazendas rastreadas pela ONG estão em conformidade com o “Better Cotton Standard”. “Contrataremos um auditor independente para realizar visitas de verificação reforçadas com foco nas áreas de risco destacadas no relatório. Nosso objetivo é concluir essas avaliações de terceiros nas próximas 12 semanas”, afirmou a BC na mesma nota.
Depois disso, as regras da BC foram atualizadas em 1º de março, mas ainda estão repletas de falhas, na visão da Earthsight, com conflitos de interesse e uma aplicação fraca. O algodão proveniente de terras desmatadas ilegalmente antes de 2020, por exemplo, ainda é certificado, mesmo com todos os indícios apontando que foi produzido em terra roubada de comunidades locais, afirma a Earthsight.
Questionada sobre a investigação pelo Broadcast, a Zara afirmou:
“Levamos as acusações contra a Better Cotton extremamente a sério e exigimos que a certificadora compartilhe o resultado de sua investigação o mais rápido possível. Além disso, solicitamos com urgência as providências tomadas pela Better Cotton para garantir a certificação de algodão sustentável nos mais altos padrões”
A resposta da Zara leva em consideração que a Inditex, dona da marca, não adquire algodão de forma direta. Esta matéria prima, usada por fornecedores para o desenvolvimento das peças da marca é regulamentada por organizações independentes que teriam de se certificar das boas práticas usadas em sua produção.
Para um dos investigadores da Earthsight, Rafael Pieroni, porém, é importante que, enquanto a Better Cotton não se mostra apta a garantir a procedência do algodão por ela certificado, as redes varejistas assuma a responsabilidade de rastrear sua cadeia produtiva. “Se a investigação foi conduzida por nós, com poucas pessoas, as grandes redes de varejo têm condições de rastrear suas cadeias”, disse ao Broadcast.
A H&M não respondeu ao contato da reportagem, mas à ONG, disse por meio de nota que “acolhe” o compromisso da Earthsight nestas questões e leva estas alegações extremamente a sério. “Estamos em contato próximo com o proprietário da certificação Better Cotton – que iniciou uma investigação completa sobre as alegações específicas”, diz a nota.
A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) disse que iria se manifestar sobre as acusações. Em setembro, a Abrapa disse que não aprovava, nem emitia certificados e que também não descredenciava fazendas do programa ABR/Better Cotton, além de manifestar apoio a uma nova auditoria.
Abrapa e SLC Agrícola respondem às acusações da ONG britânica Earthsight
A Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) respondeu às acusações da Organização Não Governamental (ONG) britânica Earthsight que, nesta semana, publicou um relatório que afirma haver ligações entre o algodão usado em roupas das redes Zara e H&M e terras com suspeita de grilagem e desmatamento no Cerrado brasileiro. Na resposta, a Abrapa diz que leva as alegações a sério e que está comprometida em “tratá-las com a máxima urgência, transparência e integridade”. “A Abrapa condena inequivocamente quaisquer práticas que prejudiquem a conservação ambiental, violem os direitos humanos ou prejudiquem as comunidades locais”, afirma o documento.
Segundo a entidade, a investigação da Earthsight é de conhecimento da associação desde setembro de 2023, quando a ONG procurou os representantes da cadeia produtiva no Brasil para falar sobre as alegações. “Sem demora, a Abrapa, em colaboração com os produtores mencionados, forneceu à Earthsight as evidências legais e técnicas para abordar e contrapor as afirmações”, diz. “Infelizmente, estas foram largamente ignoradas no relatório publicado hoje”, continua o documento. As respostas fornecidas pela Abrapa e pelas fazendas acusadas na ocasião estão disponíveis no site da Earthsight.
A Abrapa diz que há 25 anos “atua na promoção de melhorias trabalhistas e ambientais nas fazendas, inclusive por meio do programa Algodão Responsável (ABR), iniciado em 2012, e de parcerias internacionais como a Better Cotton”. O grupo de governança multissetorial promove melhores padrões no cultivo de algodão em 22 países. A investigação da Earthsight considera “falhos” os métodos de fiscalização da organização.
Segundo a Abrapa, a produção responsável de algodão é um dos pilares da organização, que trabalha com “um forte foco em garantir o pleno cumprimento da legislação ambiental brasileira, reduzir acidentes de trabalho, promover o desenvolvimento humano das comunidades rurais e melhorar a saúde do solo”.
A associação ainda afirma que não emite certificados de sustentabilidade nem verifica o atendimento aos critérios do ABR. “A associação não aprova ou reprova fazendas que participam dos programas Algodão Brasileiro Responsável (ABR) ou Better Cotton”, afirma o relatório. “Todas as auditorias e certificações, nesses programas, são realizadas por meio de inspeções anuais no local por empresas de auditoria terceirizadas independentes que têm total liberdade para negar a certificação a fazendas que não atendem aos requisitos internacionais.”
Por fim, a Abrapa saúda a inspeção e a verificação de terceiros que estão sendo conduzidas por uma consultoria independente contratada pela Better Cotton para investigar minuciosamente as alegações feitas pela Earthsight e examinar as evidências e respostas fornecidas pelos agricultores e pelos organismos de certificação ABR independentes. “Queremos assegurar aos nossos stakeholders, incluindo consumidores, varejistas e parceiros internacionais, que a Abrapa permanece firme em nosso compromisso com práticas éticas e sustentáveis na indústria algodoeira brasileira.”
Ainda na quarta-feira, 10, antes mesmo da publicação do relatório da Earthsight, a SLC Agrícola, um dos grupos citados no mesmo relatório, tendo conhecimento da publicação do documento, disse que prestou informações sobre a fazenda de Correntina (BA) em agosto passado. O grupo afirmou que “o imóvel da área de Capão do Modesto, citado no relatório, é de propriedade da Agrícola Xingu e a SLC Agrícola não opera nessa área”.
Além disso, a SLC afirma que “os incêndios florestais detectados na área de Cerrado não possuem qualquer tipo de vinculação a processos de desmatamentos ou conversões de áreas naturais” e que não foram originados por nenhuma atividade desenvolvida pela empresa.
Certificadora de algodão diz que fez auditoria independente em produtores brasileiros
A Better Cotton (BC) – iniciativa que credencia produtores de algodão – disse que conduziu uma auditoria independente a respeito das “questões altamente preocupantes” levantadas por um relatório da Earthsight sobre a ligação do algodão certificado pela BC com grilagem de terras e desmatamento no Cerrado brasileiro.
Segundo a Better Cotton, a investigação envolve três fazendas licenciadas pela organização no Estado da Bahia. “Estamos empenhados em fazer um resumo das conclusões da auditoria disponível para a Earthsight e todos os nossos membros”, diz a nota enviada ao Broadcast.
“De acordo com nossos procedimentos operacionais, caso haja evidências de que as fazendas não cumprem requisitos do Padrão Better Cotton, suas licenças serão suspensas ou revogadas. Vamos trabalhar em estreita colaboração com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA), nosso parceiro no Brasil e detentora do Protocolo Brasileiro do Algodão Responsável, programa nacional reconhecido como equivalente ao Padrão Better Cotton, ao longo deste processo”, complementa a instituição.
O posicionamento argumenta ainda que “o relatório inclui assuntos em tribunais e processos em andamento, incêndios que ocorreram em fazendas que não são relacionadas ao Better Cotton e multas que foram anuladas”. “Estas questões estão fora do nosso alcance”, diz a BC.
Integrantes da Earthsight passaram mais de um ano analisando imagens de satélite, decisões judiciais, registros de exportação e participaram de feiras comerciais globais, de maneira secreta, com o objetivo de rastrear quase um milhão de toneladas de algodão cultivado por alguns dos maiores produtores do Brasil. O insumo rastreado pela ONG foi destinado a fabricantes de roupas na Ásia que são fornecedores das duas maiores varejistas de moda do mundo: H&M e Zara.
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